Maria Penha

Nova lei coíbe violência doméstica e familiar contra mulher

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  • Maria Berenice Dias

    é advogada especializada em Direito Homoafetivo Famílias e Sucessões e vice-presidente nacional do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Foi desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

8 de agosto de 2006, 19h58

O antigo ditado “em briga de marido e mulher, ninguém bota a colher” deixa claro o sentido de impunidade da violência doméstica, como se o que acontecesse dentro da casa não interessasse a ninguém. Trata-se nada mais do que a busca da preservação da família acima de tudo. A mulher sempre foi considerada propriedade do marido, a quem foi assegurado o direito de dispor do corpo, da saúde e até da vida da sua esposa. A autoridade sempre foi respeitada a tal ponto que a Justiça parava na porta do lar doce lar e a polícia sequer podia prender o agressor em flagrante.

Tudo isso, porém, chegou ao fim. Em muito boa hora acaba de ser sancionada a lei que recebeu o nome de Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Os avanços são muitos e significativos. Foi devolvida à autoridade policial a prerrogativa investigatória, podendo ouvir a vítima e o agressor e instalar inquérito policial.

A vítima estará sempre assistida por defensor e será ouvida sem a presença do agressor. Também será comunicada pessoalmente quando for ele preso ou liberado da prisão. Mais. A lei proíbe induzir o acordo bem como aplicar como pena multa pecuniária ou a entrega de cesta básica.

Serão criados Juizados Especiais contra a Violência Doméstica e Familiar, com competência cível e criminal. Assim, a queixa desencadeará tanto ação cível como penal, devendo o juiz adotar de ofício medidas que façam cessar a violência: o afastamento do agressor do lar; impedi-lo que de se aproxime da casa; vedar que se comunique com a família, ou encaminhar a mulher e os filhos a abrigos seguros. Além disso, poderá o juiz adotar medidas outras como revogar procuração outorgada ao agressor e anular a venda de bens comuns.

Ainda que se esteja a falar em violência contra a mulher, há um dado que parece de todos esquecido: a violência doméstica é o germe da violência que está a assustar a todos. Quem vivencia a violência, muitas vezes até antes de nascer e durante toda a infância, só pode achar natural o uso da força física. Também a constatação da impotência da vítima, que não consegue ver o agressor punido, gera a consciência de que a violência é um fato normal.

A banalização da violência doméstica e familiar e a falta de credibilidade à palavra da vítima, que se via forçada a desistir da representação e fazer acordo, revelava a absoluta falta de consciência de que a violência intrafamiliar merece um tratamento diferenciado. A vítima, ao veicular a queixa, nem sempre quer separar-se do agressor.

Também não quer que ele seja preso, só quer que a agressão cesse. Assim, vai em busca de um aliado, pois as tentativas que fez não lograram êxito. Aliás, este é o motivo de não ser denunciada a primeira agressão. A mulher, quando procura socorro, já está cansada de apanhar e se vê impotente. A esta realidade deve atentar a Justiça, que não pode quedar-se omissa, achando que a mulher gosta de apanhar. Pelo contrário, a submissão que lhe é imposta a e a falta de auto-estima é que a deixam cheia de medo e vergonha. Chegou o momento de resgatar a cidadania feminina.

Para isso, se fazia urgente a adoção de mecanismos de proteção que coloque a mulher a salvo do agressor. Só assim ela terá coragem de denunciar sem temer que sua palavra não seja levada a sério, que sua integridade física nada valha e que o único interesse do juiz seja, como forma de reduzir o volume de demandas em tramitação, não deixar que se instale o processo.

A Justiça deve, sim, botar mais do que a colher na briga entre marido e mulher, deve assumir a posição de pacificadora, o que significa muito mais do que forçar acordos e transações. Deve impor medidas de proteção como a freqüência a grupos terapêuticos, única forma de conscientizar o agressor de que o LAR é um Lugar de Afeto e Respeito.

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