Escola Base

STF rejeita recurso e Globo tem de indenizar pais de aluno

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7 de agosto de 2006, 21h23

Embora garanta o exercício da liberdade de informação jornalística, a Constituição Federal também impõe à imprensa parâmetros que precisam ser observados, “dentre os quais avultam, por seu relevo, os direitos da personalidade”. Partindo dessa premissa, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, rejeitou recurso da TV Globo contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Com a decisão, a emissora terá de indenizar mais três vítimas do caso Escola Base. O ministro manteve a condenação pelas notícias em que os pais de uma das crianças foram apontados como participantes dos supostos abusos sexuais contra menores. Celso de Mello ressaltou que o reconhecimento do dever de indenizar pela ofensa não caracteriza ato contra a liberdade de expressão.

O ministro citou o artigo 220, parágrafo 1º da Constituição, segundo o qual “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” — dispositivos que garantem, entre outros princípios, a liberdade de expressão e o direito à privacidade e à honra.

Outras condenações

Diversos órgãos de imprensa e a União foram condenados a indenizar também Icushiro Shimada, sua mulher Maria Aparecida Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga — respectivamente os donos e o ex-motorista da Escola Base. Há quase dois meses, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Editora Abril, responsável pela revista Veja, a pagar indenização de R$ 250 mil a cada uma das três vítimas. A decisão foi da 3ª Câmara de Direito Privado.

Em maio deste ano, a 10ª Câmara de Direito Privado condenou a Editora Três, responsável pela publicação da revista IstoÉ, a pagar indenização no valor de R$ 360 mil aos ex-proprietários e ao ex-motorista. Em março, foi o SBT. O juiz César Santos Peixoto, da 26ª Vara Cível de São Paulo, condenou a empresa a pagar R$ 900 mil de indenização por danos morais às vítimas do caso.

Outras empresas de comunicação sofreram condenação pelas notícias divulgadas à época dos fatos, em 1994. É o caso dos jornais Folha de S.Paulo (R$ 750 mil) e O Estado de S.Paulo (R$ 750 mil) e da própria TV Globo (R$ 1,35 milhão). Em todos os casos ainda cabe recurso.

Os fatos

Em março de 1994, a imprensa publicou reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, na capital paulista. Jornais, revistas, emissoras de rádio e de TV basearam-se em fontes oficial — polícia e laudos médicos — e em depoimentos de pais de alunos.

Quando o erro foi descoberto, a escola já havia sido depredada, os donos estavam falidos e eram ameaçados de morte em telefonemas anônimos.

Leia a ementa da decisão

AGRAVO DE INSTRUMENTO 496.406-6 SÃO PAULO

RELATOR

:

MIN. CELSO DE MELLO

AGRAVANTE(S)

:

TV GLOBO DE SÃO PAULO LTDA

ADVOGADO(A/S)

:

JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(A/S)

AGRAVADO(A/S)

:

SAULO DA COSTA NUNES E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S)

:

MARIA ELISA MUNHOL

EMENTA: CASO ESCOLA BASE. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUE NÃO SE REVESTE DE CARÁTER ABSOLUTO. SITUAÇÃO DE ANTAGONISMO ENTRE O DIREITO DE INFORMAR E OS POSTULADOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA INTEGRIDADE DA HONRA E DA IMAGEM. A LIBERDADE DE IMPRENSA EM FACE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS, QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO, PELO MÉTODO DA PONDERAÇÃO CONCRETA DE VALORES. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. O EXERCÍCIO ABUSIVO DA LIBERDADE DE INFORMAR, DE QUE RESULTE INJUSTO GRAVAME AO PATRIMÔNIO MORAL/MATERIAL E À DIGNIDADE DA PESSOA LESADA, ASSEGURA, AO OFENDIDO, O DIREITO À REPARAÇÃO CIVIL, POR EFEITO DO QUE DETERMINA A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (CF, ART. 5º, INCISOS V E X). INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE INDEVIDA RESTRIÇÃO JUDICIAL À LIBERDADE DE IMPRENSA. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 52 E DO ART. 56, AMBOS DA LEI DE IMPRENSA, POR INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988. DANO MORAL. AMPLA REPARABILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXAME SOBERANO DOS FATOS E PROVAS EFETUADO PELO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. MATÉRIA INSUSCETÍVEL DE REVISÃO EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.

O reconhecimentoa posteriori” da responsabilidade civil, em regular processo judicial de que resulte a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e à imagem da pessoa injustamente ofendida, não transgride os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em cláusula expressa (CF, art. 5º, V e X), a reparabilidade patrimonial de tais gravames, quando caracterizado o exercício abusivo, pelo órgão de comunicação social, da liberdade de informação. Doutrina.

– A Constituição da República, embora garanta o exercício da liberdade de informação jornalística, impõe-lhe, no entanto, como requisito legitimador de sua prática, a necessária observância de parâmetros dentre os quais avultam, por seu relevo, os direitos da personalidade expressamente referidos no próprio texto constitucional (CF, art. 220, § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto. Doutrina.

Não subsistem, por incompatibilidade material com a Constituição da República promulgada em 1988 (CF, art. 5º, incisos V e X), as normas inscritas no art. 52 (que define o regime de indenização tarifada) e no art. 56 (que estabelece o prazo decadencial de 3 meses para ajuizamento da ação de indenização por dano moral), ambos da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67). Hipótese de não-recepção. Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

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