Hora de juízo

Desafio é garantir que Juizados mantenham o rumo

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5 de agosto de 2006, 7h00

Um sistema recursal simples somado a um processo de execução ágil, em que não há necessidade de expedição de precatórios para que o cidadão receba o que lhe é de direito. Essa é a receita básica que faz dos Juizados Especiais Federais o setor do Judiciário que mais distribui justiça no Brasil, segundo o ex-juiz federal Flávio Dino.

O modelo da Lei 10.259/01, que completou cinco anos em julho, já dá os primeiros sinais de estafa — tem taxa de congestionamento de 52% —, mas ainda é o que melhor dá vazão ao crescente número de ações. Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que na Justiça Federal de primeira instância deixa de julgar 84 de cada 100 processos que tem em suas prateleiras.

“Esses dados iluminam as virtudes que o rito dos Juizados tem”, afirma Dino, um dos idealizadores dos JEFs ao lado dos ministros aposentados do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Costa Leite e Rui Rosado (veja abaixo o link para as entrevistas da série), entre outros nomes.

Para Flávio Dino, os Juizados nasceram para se tornarem laboratório e espelho de novas experiências do Judiciário. Exonerado do cargo para concorrer a uma cadeira de deputado federal pelo PC do B do Maranhão, o ex-juiz acredita que não é hora de discutir a ampliação da competência dos Juizados. “O desafio hoje é evitar que os Juizados se percam e garantir que eles continuem num bom rumo.”

Leia a entrevista

ConJur — Como surgiu a idéia de criar os Juizados Especiais Federais?

Flávio Dino — Havia uma diferença inexplicável entre a Justiça Estadual e a Federal, já que a primeira já tinha os seus Juizados Especiais para causas cíveis de menor complexidade e para ações penais de menor potencial ofensivo. Não havia qualquer justificativa política ou jurídica que sustentasse essa diferenciação. Ou seja, os Juizados nasceram, primeiro, para que fosse observado o princípio da isonomia entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual.

ConJur — Há cinco anos o sistema judicial já dava mostras de que estava saturado?

Flávio Dino — Sim. Em 1999, quando eu assumi a presidência da Ajufe [Associação dos Juízes Federais do Brasil], nós procuramos intensificar a campanha pela implantação dos Juizados porque a crise de eficiência do sistema judicial começava a ficar mais aguda. O sistema já se mostrava incapaz de dar vazão ao imenso crescimento de demanda.

ConJur — O que gerou esse crescimento vertiginoso?

Flávio Dino — Por um lado, havia a Constituição de 1988 com a extensão de direitos que ela promoveu. Por outro, as sucessivas edições de planos econômicos, que geraram uma avalanche de ações em torno dos critérios de correção monetária, de indexação de ativos, de correção dos benefícios previdenciários, FGTS, salários, vencimentos, poupanças… Então, havia naquele momento uma explosão de demanda. A segunda metade dos anos 90 foi um momento de aumento incrível do número de processos. O que acentuou a necessidade de um tratamento mais célere para determinadas questões, que trouxesse um reequilíbrio entre a porta de entrada e a porta de saída do sistema judicial.

ConJur — A idéia dos Juizados, do rito processual célere, não poderia ser usada como modelo para as demais esferas da Justiça?

Flávio Dino — Houve a intenção, no momento de elaboração e aprovação da lei, que os Juizados fossem um laboratório para novas experiências para o conjunto do Poder Judiciário. Isso é possível?

ConJur — Em 2004, os Juizados Especiais Federais receberam 1,7 milhão de processos. O número de ações é quase o dobro das recebidas pela Justiça Federal de primeira instância. Mesmo assim, a taxa de congestionamento é de 52% nos Juizados e 84% na Justiça Federal comum. A que se deve isso?

Flávio Dino — Esses dados iluminam as virtudes que o rito dos Juizados tem. É óbvio que não é só isso. Nós temos de considerar, ao analisar esses números, que na Justiça Federal ordinária, digamos assim, estão incluídas as execuções fiscais, que não tramitam nos Juizados. E as execuções fiscais são um importante fator de congestionamento do Judiciário. Se nós expurgarmos as execuções fiscais dos dados da Justiça ordinária, certamente os indicadores melhorariam um pouco. Mas, ainda assim, haveria uma taxa de congestionamento menor nos Juizados.

ConJur — Por quê?

Flávio Dino — Basicamente por duas questões. Uma porque o sistema recursal é bastante simples, bastante coerente com a noção de processo moderno, em que não há recursos e mais recursos que se sucedem de modo infinito. E também porque o processo de execução é mais simples, não há precatório. E o próprio processo de elaboração de contas, de cálculos, é mais simples. Isso tudo faz com que haja maior agilidade e, consequentemente, menor congestionamento.

ConJur — O senhor é a favor da ampliação da competência dos Juizados e do valor limite para ser julgado?

Flávio Dino — Hoje não. No futuro, sim, como meta. Hoje, considero precoce porque é preciso compreender que o tempo das instituições é diferente do tempo das nossas vidas pessoais. Então, o que parece um tempo razoável, cinco anos no caso da criação dos Juizados Especiais Federais, é muito pouco tempo pra que a gente possa avançar ainda mais. O desafio hoje é evitar que os Juizados se percam, garantir que eles continuem num bom rumo e que possam continuar a ser exemplos de velocidade para que sirva de guia para os outros setores do Judiciário. Acho que nos Juizados estaduais, sim. A experiência é mais longa e a estrutura é maior. E aí poderíamos estender a competência dos Juizados Especiais nos estados para causas que envolvem os governos estaduais e municipais. Há, inclusive, um projeto de lei sobre isso que aguarda apreciação no Congresso Nacional.

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