Contraproposta

Proposta de nova Constituinte é criticada por especialistas

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3 de agosto de 2006, 14h40

A proposta de reescrever a Constituição feita pela Ordem dos Advogados do Brasil e incorporada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira (2/8), em uma reunião com advogados no Palácio do Planalto, não foi bem recebida por especialistas. “Do que essa gente se esqueceu para lembrar disto? Eles esqueceram de tudo que diz respeito ao Direito Constitucional. O Espírito Santo ‘jurídico’ estava muito longe dessa reunião”, afirmou o ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal.

Lula admitiu encaminhar ao Congresso Nacional a proposta de convocação de uma Constituinte exclusiva caso a Ordem dos Advogados do Brasil se posicione neste sentido após o período eleitoral. De acordo com o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, a proposta será elaborada se houver “um forte movimento da sociedade e se a OAB coordenar o movimento”.

A Constituição de 1988, que não completou 20 anos, tem ainda um grande número de artigos que sequer foram regulamentados. Além disso, já recebeu 52 emendas e tem milhares de propostas de emendas aguardando discussão e votação no Congresso. A idéia de uma Constituinte é sempre sedutora para quem quer controlar o processo, já que é aprovada por maioria simples, enquanto a aprovação de uma emenda requer os votos de 2/3 dos parlamentares em ambas as casas do Congresso Nacional.

Para o constitucionalista José Levi Mello do Amaral Júnior, a Constituição Federal de 1988 é um marco democrático na história do Brasil e sua espinha dorsal tem sido e deve ser adequadamente preservada. “O que pode ser feito é uma revisão constitucional. Não há necessidade de uma nova Constituição”.

De acordo com José Levi, a essência da Carta de 1988 não deve ser modificada. “Há países que adotaram uma revisão periódica, como Portugal que faz revisão constitucional a cada cinco anos, mas mantém a parte central da Constituição.”

Segundo o advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso, o presidente está certo na percepção da necessidade de uma reforma política extensa e profunda. “O país de fato está precisando de um choque de legitimidade democrática, de governabilidade e de restabelecimento das virtudes republicanas”, afirma. Mas a forma ideal para promover essa mudança não é a convocação de uma Constituinte.

“Uma Assembléia Constituinte só se justifica juridicamente quando há alguma cláusula pétrea da Constituição impedindo a reforma. E só se justifica politicamente em situações de grande mobilização da cidadania para modificação dos fundamentos da República. Nenhuma dessas duas situações está ocorrendo”, sustenta Barroso. Para ele, o presidente pode empenhar o seu capital político para liderar uma reforma que abarque questões imediatas e pontos a serem implementados no futuro para impedir que as mudanças fiquem escravas dos interesses imediatos.

Segundo o professor Pedro Estevam Serrano, a convocação de uma nova Constituinte promoveria “uma mudança constitucional para retroagir o direito das pessoas e a figura republicana do Estado. O que o povo deseja é uma reforma política e não uma nova Constituição”. Serrano defende que “uma Emenda Constitucional para mudar as regras políticas e eleitorais é suficiente”. Do ponto de vista institucional, “isso é golpe, porque não há ambiente social e político para tanta mudança”, afirma.

Regras em discussão

Recentemente, num seminário em São Paulo, grandes nomes do Direito, como o constitucionalista português Gomes Canotilho e o professor Arnoldo Wald, discutiram a Constituição. Na ocasião, Wald disse que o Brasil está em centésimo lugar em segurança jurídica.

Um dos motivos apontados pelo professor é o que ele chamou de inflação legislativa. “Já não sabemos mais quais são as leis que estão em vigor. Várias vezes, o advogado emite um parecer e precisa dizer ‘parece que’, ‘geralmente’, ‘pode-se presumir’, porque absoluta certeza ele não tem”, disse Wald. A incerteza cresce ainda mais num cenário em que cada crise impulsiona a vontade de desconstituir a Constituição e fazer outra.

Já Canotilho discutiu a interconstitucionalidade: o fato de uma Constituição Européia conviver com as constituições nacionais — e estáveis — de cada um dos 25 Estados-membros. Realidade distante do Brasil e da América do Sul, onde ainda se acredita que as regras constitucionais devem dançar ao som das melodias do momento.

Canotilho entende que o frenesi de emendas constitucionais seja também uma espécie de revisão constitucional permanente que os brasileiros inventaram. “Quando as emendas servem para legitimar o texto original, este processo é muito importante”, diz o professor. “Mas eu temo que no Brasil muitas destas emendas servem para desconstruir o texto constitucional”. Lembrando que em 18 anos de existência da atual Constituição já foram produzidas 52 emendas.

Revolução constitucional

Na América do Sul, há uma febre de Constituinte, quase sempre associada a rompantes revolucionários e à intenção de dissimular golpes contra as instituições. O caso mais notório é o da Venezuela de Hugo Chávez. Depois de tentar um golpe de estado contra um presidente democraticamente eleito, o coronel Chávez acabou se elegendo ele próprio presidente da Venezuela. Depois de fechar o Congresso e reformar a Suprema Corte, convocou uma Constituinte.

Com um referendo para sua convocação e outro para aprovação de seu trabalho, a Constituinte produziu uma Constituição que além de mudar a razão social do país — passou a se chamar República Bolivariana da Venezuela — concedeu mais poderes ao presidente e aprofundou a intervenção do Estado na economia.

Também acalentado por sonhos revolucionários e bolivarianos, o presidente boliviano Evo Morales já teve sua proposta de Constituinte aprovada em referendo popular. Muito antes, em 1992, o peruano Alberto Fujimori promoveu a reforma da Constituição do país, também precedida de fechamento do Congresso e de reforma da composição da Suprema Corte de Justiça.

No extremo oposto, a Argentina preserva, desde 1810, o mesmo texto constitucional, que, com poucas emendas, serviu tanto a presidentes tidos como grandes democratas, como Hipólito Yrigoyen, nos anos 40, quanto a contumazes ditadores, como o general Jorge Rafael Videla, autor do golpe de 1976.

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