Erro de percurso

Funcionário acidentado em carro da empresa deve ser indenizado

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27 de abril de 2006, 12h59

Funcionário que sofre acidente durante a ida ao trabalho e no veículo da empresa tem de receber indenização por danos morais. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que condenou empresa Nova América ao pagamento de R$ 14,4 mil a José Carlos Miranda, pelo acidente.

Miranda propôs ação de indenização por danos materiais e morais. A decisão de primeira instância acolheu parte do pedido e obrigou a empresa ao pagamento de 100 salários mínimos por danos morais, afastando, no entanto, ocorrência de danos materiais e estéticos.

As partes recorreram ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que não acolheu o pedido do autor e deu parcial provimento à apelação da empresa para reduzir o valor a R$ 14,4 mil.

No Superior Tribunal de Justiça, a Nova América alegou violação do artigo 460 do Código de Processo Civil, sustentando que ocorreu julgamento extra petita [além do que foi pedido]. O acórdão reconheceu a culpa objetiva da empresa, embora na inicial constasse apenas a existência de culpa subjetiva da empresa. Além de ter concluído a inexistência de dano moral e não ser possível a aplicação de multa em Embargos de Declaração.

A ministra Nancy Andrighi declarou que a modificação de qualificação jurídica dos fatos narrados na inicial não implica ofensa à norma do artigo 460 do CPC. “Isso porque a responsabilidade objetiva da recorrente foi expressamente requerida pelo autor. O Tribunal a quo, portanto, transitou exclusivamente no campo da qualificação jurídica do pedido, o que é absolutamente lícito” salientou.

De acordo com a relatora, se a qualificação jurídica que o julgador pretende dar aos fatos acarretar a modificação substantiva na condução da instrução do processo, na abordagem da prova e, conseqüentemente, implicar restrição ao direito de defesa, não lhe será dado acolher o pedido por fundamento diverso do apresentado na inicial.

Se, por outro lado, continuou, a qualificação que pretende dar o juiz se adequar perfeitamente às pretensões em jogo, sem qualquer influência na instrução do processo, tratando-se de questão exclusivamente jurídica, não há limite para sua atuação na interpretação da lei.

Resp 721346

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 721.346 – RJ (2005/0017489-4)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Recurso especial interposto por NOVA AMÉRICA S/A, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Ação: de indenização por danos materiais e morais, movida por JOSÉ CARLOS DE MIRANDA em desfavor da ora recorrente, esta empregadora daquele, em face de acidente sofrido durante o transporte do recorrido para seu trabalho em veículo fornecido pela empresa. Sentença: julgou o pedido parcialmente procedente para condenar a ora recorrente ao pagamento de 100 (cem) salários mínimos a título de compensação por danos morais, afastando a ocorrência de danos materiais e estéticos.

Acórdão: negou provimento à apelação do ora recorrido e deu parcial provimento à apelação da ora recorrente, para reduzir o valor compensatório a R$ 14.400,00 (quatorze mil e quatrocentos reais), com a seguinte ementa:

“Ação ordinária objetivando composição de dano por fato de transporte de empregado para a fábrica. Hipótese de acidente in itinere fornecido o transporte pelo empregador, e indenização do direito comum. Responsabilidade do patrão. Dever de incolumidade não desempenhado. Se examinada a hipótese também pelo ângulo da responsabilidade extracontratual, presente estaria a culpa in eligendo. Se pelo CODECON, ocorreria a responsabilidade objetiva, sem prova de culpa exclusiva da vítima, elidente. Ausência de dano material, indenizável, e dano moral que se arbitra segundo os critérios informadores, mas em grau compatível. Redução do valor. Preliminar rejeitada. Apelo da ré provido em parte para reduzir a verba do dano moral e rejeitado o do autor” (fls. 204). Embargos de declaração: rejeitados por possuírem caráter infringente, sendo imposta multa de 1% sobre o valor da causa à embargante. Recurso especial: alega violação ao art. 460 do CPC, alegando que ocorreu julgamento extra petita, já que, conquanto fundamentada a inicial na existência de culpa subjetiva da ora recorrente, reconheceu o acórdão a culpa objetiva da empresa. Alega, ainda, sem embasamento em dispositivo legal ou dissídio jurisprudencial, a inexistência de dano moral e a impossibilidade de aplicação de multa em embargos de declaração.

É o relato do necessário. Decide-se.

RECURSO ESPECIAL Nº 721.346 – RJ (2005/0017489-4)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I) Da violação ao art. 460 do CPC.

Interpostos embargos de declaração do acórdão, declarou o TJRJ que “Tanto na sentença, como no acórdão, ficou extreme de dúvida que a responsabilidade é objetiva, o que faz adernar a tese do ora embargante, qual seja, a não apreciação do dispositivo constitucional aventado acima, bem como do disposto no artigo 460, do CPC” (fls. 215). Alega a recorrente que, porquanto a inicial trouxe, como fundamento jurídico do pedido, artigo da CF que trata da culpa do empregador, não seria possível o reconhecimento da responsabilidade objetiva. Essa irresignação tem de ser analisada sob dois aspectos distintos, a saber: (i) deve-se verificar se, realmente, o fundamento utilizado pelo recorrido na petição inicial foi exclusivamente o de que o recorrente era subjetivamente responsável pelo dano; e, (ii) deve-se apurar se o julgamento da causa, pelos órgãos fracionários, com base em fundamento jurídico distinto do menciona do na inicial, efetivamente implicaria ofensa ao art. 460 do CPC dadas as circunstâncias da hipótese sub judice. I.a) Os fundamentos da petição inicial Quanto ao primeiro aspecto, não é possível dizer que a responsabilidade subjetiva foi o único fundamento que sustentou a pretensão do recorrido. Ao contrário, em sua inicial ele menciona de maneira expressa que “tudo que diz respeito a acidente de trabalho, dentro do normal risco da atividade laborativa é regido pela Lei de Acidentes, pois, dispensa o lesado de demonstrar, na via ordinária, a culpa do empregador” (fls. 5) e que “naquelas hipóteses em que a responsabilidade pelo ilícito é objetiva, como no presente caso, não teria sentido exigir-se a prova da culpa, para o empregado, mesmo que leve, se para terceiros a responsabilidade é sem culpa, ou objetiva” (fls. 8). Ou seja, ainda que o recorrente tenha se equivocado ao citar o artigo de lei que daria fundamento jurídico à sua pretensão, o fato é que ele a deixou clara: pretendia receber indenização independentemente da comprovação da culpa de seu empregador. Essa circunstância é importante porquanto dela decorre que a idéia de responsabilidade objetiva não era completamente alheia a este processo. Ao contrário, ela era cogitada desde a inicial, tanto que a recorrente pôde se manifestar inclusive especificamente sobre ela em sua contestação (fls. 33). I.b) Da fundamentação da sentença

Não obstante houvesse já algum debate sobre a questão, porém, é importante notar que a pretensão do recorrido foi acolhida, não com base no art. 7º, inc. XVIII, da CF, como pleiteado na inicial, mas com base nas normas que regulam a prestação de serviços de transporte. Essa circunstância, em que pese não constar do acórdão recorrido, foi sobejamente abordada pela sentença, cujas razões passaram expressamente a integrar esse decisum, conforme se vê a fls. 206. O que tem de ser definido nesta sede, portanto, é se essa modificação de qualificação jurídica dos fatos narrados na inicial implica, ou não, ofensa à norma do art. 460 do Código de Processo Civil. A respeito do assunto, há dois precedentes em sentidos opostos nesta Corte. São eles o Recurso Especial nº 62.320/SP, relatado pelo Min. Barros Monteiro (DJ de 7/10/2002) e o REsp nº 233.466/RJ, relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (DJ 7/5/2001), cujas ementas são as seguintes:

a) REsp nº 62.320/SP: “FALÊNCIA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESPONSABILIDADE DOS EX-ADMINISTRADORES. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICAS IRREGULARES. DOLO OU CULPA GRAVE. CONDENAÇÃO COM BASE NA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INADMISSIBILIDADE. – Ajuizado o pleito indenizatório com base na prática de atos irregulares decorrentes de dolo ou culpa grave, é inadmissível, por estranha à causa de pedir, a condenação dos co-réus assentada na responsabilidade objetiva. Recursos especiais conhecidos e providos.

b) REsp nº 233.466/RJ: “PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CAUSA PETENDI. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO PEDIDO, A PARTIR DE UMA ANÁLISE GLOBAL DA PETIÇÃO INICIAL. PEDIDO GENÉRICO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO PROVIDO.

I – Nos termos da doutrina, a causa petendi é o fato ou conjunto de fatos a que o autor atribui a produção do efeito por ele pretendido. (…)

III – Não há julgamento extra petita quando a parte procura imputar ao réu uma modalidade de culpa e o julgador, diante da prova dos autos, entende caracterizada outra. Na linha de precedente do Tribunal, ’em nosso Direito vigora o princípio de que as leis são do conhecimento do juiz, bastando que as partes apresentem-lhe os fatos, não estando o julgador adstrito aos fundamentos legais apontados pelo autor”. Em que pese a aparente contradição entre a conclusão atingida nesses dois julgados, a análise mais detida das questões enfrentadas em cada um deles demonstra que, na verdade, os julgamentos são uniformes. Isso porque o limite entre a adstrição da decisão a ser proferida pelo juiz ao pedido e à causa de pedir estabelecidos na inicial – que deu fundamento ao primeiro julgamento – e a possibilidade de o julgador se orientar segundo os princípios jura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius – que orientou o segundo – está justamente em notar quais os fatos sobre os quais terá de se debruçar o juiz em uma, e em outra hipótese. Vale dizer: se a qualificação jurídica que o julgador pretende dar aos fatos implicar a modificação substantiva na condução da instrução do processo, na abordagem da prova e, conseqüentemente, implicar restrição ao direito de defesa, não lhe será dado acolher o pedido por fundamento diverso do apresentado na inicial. Se, por outro lado, a qualificação que pretende dar o magistrado se adequar perfeitamente às pretensões em jogo, sem qualquer influência na instrução do processo, tratando-se de questão exclusivamente jurídica, não há limite para sua atuação na interpretação da lei.

É isso que ocorre nos precedentes citados. No primeiro deles, relatado pelo Min. Barros Monteiro, o autor pretendia responsabilizar os administradores de uma instituição financeira com base em atos praticados por eles, com culpa grave. Não obstante estivesse vigente, à época, o Decreto nº 1.808/53, trata-se de hipótese, segundo o acórdão, equivalente à prevista no art. 39 da Lei nº 6.024/74. A aplicação dessa norma demanda suporte fático específico e tem um espectro bastante amplo: quaisquer atos de administradores podem ser nela incluídos, desde que haja dolo ou culpa. Conforme se lê no inteiro teor desse precedente, no curso do processo o dolo ou a culpa grave dos administradores não restaram comprovados. Diante disso, o Tribunal recorrido houve por bem acolher a pretensão do autor para condenar os administradores, não com base na responsabilidade subjetiva do art. 39, mas com base na responsabilidade objetiva tratada no art. 40 dessa mesma Lei (equivalente ao art. 2º, da Lei nº 1.808/53). Essa decisão foi reformada pelo STJ justamente porque, tanto o suporte fático como as conseqüências da aplicação do art. 40 são completamente diferentes. Disso decorre que, nesse primeiro precedente, a modificação da causa de pedir implicaria profunda alteração no próprio pedido e em toda a instrução do processo, estando correta a decisão desta Corte no sentido de não admiti-la. Já no segundo precedente, relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, o autor havia pleiteado da ré indenização pelos danos causados em acidente automobilístico, mencionando que esta seria condutora do veículo. No curso da lide, comprovou-se que a ré não dirigiu o automóvel, mas era sua proprietária. Sendo cediça a jurisprudência no sentido da responsabilidade da proprietária do veículo independentemente de quem o conduz, o acolhimento da pretensão por fundamentos autônomos não implica prejuízo para o exercício do direito de defesa. O acolhimento da pretensão por fundamentos autônomos não teria influência na instrução do processo, já que a responsabilidade do proprietário decorre meramente do empréstimo do veículo, sendo desnecessário que pratique qualquer ato adicional. Daí o maior trânsito do julgador, que pode aplicar aos fatos que lhe são expostos a regra jurídica que melhor se adequar à controvérsia. A hipótese sub judice seguramente se aproxima mais deste segundo precedente. Aqui, porém, é ainda mais claro que o acolhimento, pelo Tribunal, da pretensão do autor por fundamentos autônomos, não ofende a regra do art. 460 do CPC. Isso porque a responsabilidade objetiva da recorrente foi expressamente requerida pelo autor. O Tribunal a quo, portanto, transitou exclusivamente no campo da qualificação jurídica do pedido, o que é absolutamente lícito. Da mihi factum dabo tibi ius.

II) Multa pela interposição de embargos de declaração e redução do dano moral Quanto à irresignação do recorrente relativa à multa aplicada em função da interposição de embargos com intuito supostamente protelatório, trata-se de questão apreciada pelo Tribunal a quo à luz dos fatos, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula 7 do STJ.

A reparação pelo dano moral, por sua vez, foi arbitrada pela Corte de origem em um patamar razoável, e o recorrente não expôs, de maneira articulada, os motivos pelos quais entende que deve haver a respectiva redução. Sendo assim, não cabe a revisão da matéria nesta sede. Forte em tais razões, não conheço ao recurso especial.

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