Repercussão geral

Ellen Gracie receita súmula vinculante e repercussão geral

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27 de abril de 2006, 20h37

A ministra Ellen Gracie tomou posse na presidência do Supremo Tribunal Federal dizendo o que a Corte deve fazer para melhor servir à sociedade: “Tão só questões de direito e, ainda assim, as que apresentem repercussão geral, devem ser admitidas para reexame neste Supremo Tribunal", disse ao anunciar que deverá viabilizar a aplicação de dois instrumentos para garantir um volume menor e uma qualidade maior de trabalho para a Corte.

Ela se referia à sumula vinculante, já estabelecida pela Emenda Constitucional 45, e que obriga os juízes de instâncias anteriores a decidir de acordo com o entendimento do STF em matérias sumuladas; e à repercussão geral, cujo projeto ainda tramita no Congresso, que permite ao Supremo Tribunal Federal escolher as matérias que vai julgar de acordo com sua relevância social, econômica ou jurisprudencial.

“A súmula vinculante e a repercussão geral poderão eliminar a quase totalidade da demanda em causas tributárias e previdenciárias”, explicou a ministra. “Os dois mecanismos têm o extraordinário potencial de fazer com que uma mesma questão de direito receba afinal tratamento uniforme para todos os interessados”.

A nova presidente do Supremo procurou também lançar pontes de ligação com todos os tribunais do país. "Tencionamos trabalhar em conjunto com os Tribunais de Justiça, Regionais Federais e do Trabalho, com a magistratura de primeiro grau e todos os operadores do Direito, para tornar o Conselho o grande centro de pensamento do Judiciário Brasileiro", disse a ministra.

A posse

Depois de 177 anos de existência o Supremo Tribunal Federal assistiu nesta quinta-feira (27/4) com muita expectativa e esperança a posse da primeira mulher na presidência da Corte. Ellen Gracie Northfleet, de 58 anos, foi eleita no dia 15 de março deste ano para presidir o Supremo no biênio 2006-2008. Também tomou posse o vice-presidente da Corte, ministro Gilmar Ferreira Mendes, de 50 anos.

A solenidade contou com a presença das mais altas autoridades do Legislativo, do Executivo e de representantes do Judiciário de todo país. Em sessão no Plenário do STF, os presentes assistiram aos discursos do ministro Celso de Mello, do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza e do presidente do Conselho Federal da OAB, Roberto Busato de boas-vindas a nova presidente.

Novos rumos

Em seu discurso a nova presidente do Supremo Tribunal Federal afirmou que sua chegada ao cargo não é uma conquista individual e sim de todas as brasileiras. Ellen Gracie defendeu o fortalecimento dos juízos de primeiro grau e decisões didáticas e esclarecedoras. “Nada deve ser mais claro e acessível do que uma decisão judicial bem fundamentada”, afirmou.

A presidente do Supremo assegurou que a partir de agora os juízes de primeira instância terão facilitada a tarefa de concluir as demandas. “O represamento dos recursos de agravo, já autorizado pelas primeiras leis regulamentadoras da Emenda Constitucional 45 reduzirá sua utilização como tática protelatória e permitirá que com maior presteza se enfrente o mérito da controvérsia”.

Segundo a nova presidente, caberá ao Supremo aplicar com rigor dois importantes mecanismos que permitirão a eliminação das demandas repetitivas. “A súmula vinculante e a repercussão geral poderão eliminar a quase totalidade da demanda em causas tributárias e previdenciárias”.

Independência da Corte

Indicada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, Ellen Gracie lembrou em seu discurso a missão de um ministro do Supremo e sua interferência direta com a forma como a Constituição e as leis do país serão interpretadas.

“A melhor homenagem que pode um ministro do Supremo endereçar ao chefe de Estado que o nomeou encontra-se no exercício impecavelmente independente e imparcial da tarefa insigne”, afirmou a ministra.

História no Judiciário

Ellen Gracie nasceu no Rio de Janeiro no dia 16 de fevereiro de 1948. Começou seus estudos acadêmicos na Faculdade de Direito da então Universidade do Estado da Guanabara. Em 1970 concluiu o curso de bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Especializou-se em Antropologia Social pela UFRS, entre 1980 e 1982. Um ano depois foi aprovada, mediante Concurso Público de Provas e Títulos, para o provimento de vaga de Professor-horista no Departamento de Direito Privado e Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ellen Gracie também integrou o Ministério Público Federal e fez cursos de especialização nos Estados Unidos, onde foi Jurista em Residência junto à Law Library of Congress dos EUA, tendo participado da elaboração do Projeto GLIN – Global Legal Information Network.

Ellen Gracie foi nomeada em março de 1989 para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em vaga destinada a membros do Ministério Público Federal. Escolhida em reunião plenária do TRF da 4ª Região, de 22 de agosto de 1990, integrou o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul no biênio 1990-1992.

Em 28 de maio de 1997, foi eleita para exercer o cargo de Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no biênio 1997-1999, onde dedicou sua gestão às metas de ampliação e interiorização da Justiça Federal de Primeira Instância e à racionalização dos serviços e praxes judiciários.

Por decreto de 23 de novembro de 2000, foi nomeada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso para exercer o cargo de ministra do Supremo Tribunal Federal, em vaga decorrente da aposentadoria do ministro Octavio Gallotti. Tomou posse em 14 de dezembro de 2000, tornando-se a primeira mulher a integrar a Suprema Corte do Brasil desde a sua criação. No ano seguinte, 2001, a ministra Ellen foi eleita Juíza Substituta do Tribunal Superior Eleitoral e, em julho do mesmo, ano foi eleita Juíza Efetiva do TSE. Em 20 de fevereiro de 2003, foi eleita e tomou posse como vice-presidente da Corte eleitoral.

Leia o discurso da ministra:

Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,

Senhor Presidente do Senado, Renan Calheiros,

Senhor Presidente da Câmara de Deputados, Dep. Aldo Rebelo,

Senhor Presidente José Sarney, por cuja mão ingressei na magistratura, nomeada que fui por V.Exa., para a primeira composição do TRF/4ª, a minha homenagem,

Senhor Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando de Barros e Silva de Souza,

Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal,

Senhores Ministros Aposentados do Supremo Tribunal Federal, cujas presenças registro com especial carinho, para destacar a de meu professor de primeiras letras de Direito Constitucional, Min. Célio Borja, em cuja pessoa homenageio a todos os Ministros de sempre desta Casa,

Senhoras e Senhores Governadores de Estado,

Senhoras e Senhores Parlamentares,

Senhoras e Senhores Embaixadores,

Senhores Presidentes dos Tribunais Superiores,

Senhores e Senhoras Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça,

Senhoras e Senhores Presidentes e representantes dos Tribunais de Justiça,

Regionais Federais e do Trabalho,

Senhor Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do

Brasil, Dr. Roberto Busatto,

Senhoras e Senhores magistrados, procuradores e advogados,

Servidores do Supremo Tribunal Federal,

Meus familiares.

Meus amigos e amigas, tantos amigos, cujo comparecimento me traz grande alegria, e que tornam insuficientes as dependências deste Plenário,

Peço que todos se sintam igualmente acolhidos. Obrigada pela presença de cada um. O apoio que essa presença significa reforça minha disposição de bem desempenhar a honrosa tarefa de que me incumbiram meus pares. Digo, com Guimarães Rosa, que “sua alta opinião compõe minha valia”. Ninguém é só, isolado ou unitário. Nem o mais retirado dos eremitas, cujo distanciamento o coloca sempre em referência com a vida gregária a que faz contraponto.

Num colegiado a interação se impõe soberana.Tenho vivido uma parte considerável de minha vida profissional em órgão colegiado, onde as deliberações passam pelo debate entre pontos de vista divergentes até alcançarem a depuração necessária a se cristalizarem em decisões finais. A meus colegas reitero a disposição de ser a porta-voz deste plenário e executora de suas decisões. Nada farei que não resulte da deliberação da maioria cujas prioridades serão também as minhas.


Coube-me suceder ao colega e amigo Min. Nelson Jobim, cuja gestão deixa marcas salutares e duradouras nesta Casa e no sistema judiciário brasileiro. Não é fácil seguir a trilha de um gigante. Homem de extraordinária dedicação ao aperfeiçoamento democrático, de uma capacidade de trabalho incomum e de um gosto genuíno pelo debate e pelo enfrentamento de questões espinhosas, ele deixa um legado que corresponde a um ponto de inflexão para o sistema judiciário do país.

Onde a maioria talvez preferisse omitir-se, poupando-se de enfrentamentos dolorosos, nunca o vimos recuar, como nunca o vimos agir por impulsos de retaliação. Homem sem receios e sem rancores, Nelson Jobim personifica as melhores qualidades dos brasileiros do extremo Sul do país a quem tocou por tantas vezes a defesa da integridade do território nacional e que nunca permitiram que se colocasse em dúvida sua integração nesta pátria de todos.

Como o vaqueiro Blau, pode ele, concluída sua permanência nesta Casa, afastar-se com o passo firme e o coração sereno dos que se guiam por convicções e não por conveniências.

Conduziu-me ele à cátedra que passei a ocupar neste Supremo Tribunal Federal. Espero nunca desmerecer a indicação que fez de meu nome ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. A este, também o meu agradecimento. Já tive oportunidade de externar a S.Exa. que uma das mais graves responsabilidades de um Presidente da República está na indicação dos ministros que haverão de compor o Supremo TribunalFederal. Porque o efeito desse ato transcende em muito ao período de governo e tem interferência direta com a forma como a Constituição e as

leis do país serão interpretadas a partir de então.

Disse-lhe igualmente que a melhor homenagem que pode um Ministro do Supremo Tribunal Federal endereçar ao Chefe de Estado que o nomeou encontra-se no exercício impecavelmente independente e imparcial da tarefa insigne. Tal como tem historicamente ocorrido nesta Casa. Esta é a tradição da magistratura brasileira. Nossa lealdade é para com a Constituição e os princípios que ela consagra, para com o povo brasileiro e seu futuro.

Meus amigos e amigas,

Como seria possível agradecer às generosas manifestações dos oradores que se sucederam nesta sessão? Ao Min. Celso de Mello, o historiador da Corte, que coloca em perspectiva a significação do momento; ao Sr. Procurador-Geral da República, representante do órgão em que por 15 anos atuei; ao Sr. Presidente da OAB, a cujos quadros pertenci e em cuja luta por uma Constituinte exclusiva e, depois, pela melhor Constituição possível me engajei ativamente.

A generosidade de cada um e a fraterna amizade que nos une fizeram por relevar as muitas limitações que sou forçada a reconhecer em mim mesma e nas circunstâncias nas quais assumo esta Presidência. Mas seus bons votos são augúrio auspicioso e renovam meu entusiasmo pela missão que me aguarda. Vou a ela, creiam, com todo gosto. Disposta a por em prática o que for mais eficiente para a gestão deste Poder que é absolutamente essencial à higidez do sistema democrático.

Senhoras e Senhores,

Tenho plena consciência do simbolismo deste ato inédito. Gostaria que todas as mulheres deste país se sentissem participantes deste momento. Porque, não se trata de uma conquista individual. Comigo estão todas as mulheres do Brasil, pois muito embora os notáveis exemplos de capacidade, dedicação e bravura ao longo de nossa história, muito embora os extraordinários serviços prestados por essa metade da população brasileira, nenhuma de nós, na trajetória republicana, havia ocupado a chefia de um dos três poderes. Comigo estão não apenas as mulheres que se beneficiaram de educação superior e as que tem lugar no mercado de trabalho, mas também aquelas que em suas ocupações mais modestas, igualmente prestam sua contribuição importantíssima para o progresso da sociedade. Todas elas são partícipes deste dia.

Meu compromisso não poderia, portanto, ser outro que o de desempenhar minhas funções ao limite de minha capacidade, para não desmerecê-las. É o seu valor, creiam, muito mais do que qualquer merecimento pessoal meu que se reconhece na data de hoje. E por isso, peço licença aos oradores para redirecionar às mulheres brasileiras os louvores que me foram endereçados.


Senhores Ministros, Colegas Magistrados,

Minha compreensão de um sistema judiciário eficiente e operante tem como ponto central o acesso mais amplo ao serviço público essencial que é a Justiça.

Por isso, entendo que a difusão e fortalecimento dos juízos de primeiro grau deva ser priorizado. Que todos os cidadãos tenham acesso fácil a um juiz que lhes dê resposta pronta é o ideal a ser buscado. Que o enfrentamento das questões de mérito não seja obstaculizado por bizantino formalismo, nem se admita o uso de manobras procrastinatórias. Que a sentença seja compreensível a quem apresentou a demanda e se enderece às partes em litígio. A decisão deve ter caráter esclarecedor e didático.

Destinatário de nosso trabalho é o cidadão jurisdicionado, não as academias jurídicas, as publicações especializadas ou as instâncias superiores. Nada deve ser mais claro e acessível do que uma decisão judicial bem fundamentada. E que ela seja, sempre que possível, líquida. Os colegas de primeiro grau terão facilitada, a partir de agora, esta tarefa de fazer chegar as demandas a conclusão.

O represamento dos recursos de agravo, já autorizado pelas primeiras leis regulamentadoras da EC/45 reduzirá sua utilização como tática protelatória e permitirá que com maior presteza se enfrente o mérito da controvérsia.

A decisão pronta, demonstram-no outros sistemas judiciários, é eficiente fator de pacificação e costuma ser mais facilmente aceita, reduzindo o índice de recorribilidade.

Ao segundo grau de jurisdição se haverá de assegurar também a necessária agilidade para o reexame de fatos e provas.

A partir de então, vale dizer, nos tribunais superiores e neste Supremo Tribunal tão só questões de direito e, ainda assim, as que apresentem repercussão geral, devem ser admitidas para reexame.

Ao Supremo Tribunal Federal caberá, a partir da necessária regulamentação, aplicar com rigor os dois importantes mecanismos que permitirão a eliminação das demandas repetitivas envolvendo uma mesma questão de direito.

A súmula vinculante e a repercussão geral poderão eliminar a quase totalidade da demanda em causas tributárias e previdenciárias. Para o estímulo ao investimento e ao empreendedorismo, é preciso que cada empresa, saiba quanto lhe será exigido de imposto, sem as intermináveis discussões que hoje se arrastam, a respeito das alíquotas aplicáveis e da extensão da base de cálculo.

É preciso que o cidadão saiba quais benefícios sua contribuição previdenciária proporcionará no futuro e como serão reajustados de modo a garantir-lhe, quando já incapaz para o trabalho, a continuidade de um padrão de vida digno.

O princípio da igualdade de todos perante a lei fica arranhado quando tais demandas, porque endereçadas a juízos diversos e aparelhadas por advogados de maior ou menor experiência profissional, recebem soluções desarmônicas.

Os dois mecanismos, súmula vinculante e repercussão geral, tem o extraordinário potencial de fazer com que uma mesma questão de direito receba afinal tratamento uniforme para todos os interessados. Em curto prazo, portanto, teremos a solução da maior parte dessas demandas de massa. E, aliviado da carga excessiva que representam os processos repetitivos, o poder judiciário poderá dar trâmite mais célere às causas individuais que exigem tratamento artesanal.

Este Tribunal e o Conselho Nacional de Justiça pretendem dar o tom para um movimento persistente de simplificação da praxe judiciária com a qual se consome um tempo precioso. E, para isso contaremos não apenas com nosso próprio e excelente corpo de funcionários, mas com a colaboração que solicitaremos aos Srs. Advogados e procuradores.

Sem eles não será possível aperfeiçoar uma instituição que depende necessariamente de sua iniciativa. Com eles, portanto, repartiremos as responsabilidades pelas mudanças. Nem a Ordem dos Advogados, de tão longa tradição na defesa e aperfeiçoamento das instituições, nem os advogados de estado nos faltarão com sua participação ativa.

Cabe-me, como Presidente desta Casa, a condução do Conselho Nacional de Justiça. O órgão recém criado já tem dado mostras de um trabalho dedicado à reformulação do sistema judiciário de que a população precisa.

Tencionamos trabalhar em conjunto com os Tribunais de Justiça, Regionais Federais e do Trabalho, com a magistratura de primeiro grau e todos os operadores do Direito, para tornar o Conselho o grande centro de pensamento do Judiciário Brasileiro, onde se formulem políticas e seja feito o planejamento estratégico da instituição que legaremos às gerações futuras.

Sabem todos que o Conselho não é composto exclusivamente por magistrados. O Congresso Nacional reservou lugar em sua composição para integrantes do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e representantes das duas casas do Parlamento, e última análise, para representantes do povo.

O que esta composição sinaliza é que Justiça não é assunto que diga respeito exclusivamente aos membros do Poder Judiciário. Justiça, em sentido amplo, é tarefa cotidiana de todos os cidadãos e responsabilidade do convívio social. Faz justiça todo aquele que demonstra consideração e respeito pelo direito do próximo. Em suma, todos nós temos compromisso com a Justiça. É apenas quando a relação de consideração e respeito pelo direito alheio falha que nós, os juízes, somos chamados a atuar.

Talvez por isso é que visionariamente, como é próprio

dos artistas, e desejando um futuro em que não seja necessário fazer uso tão freqüente da balança, nem brandir a espada para garantir a execução do julgado, que o gênio de Ceschiatti fez repousar tranqüilamente a Themis que dá as boas vindas aos que adentram a esta Casa. Ela representa o ideal a ser perseguido, o de uma sociedade pacificada, que nada distraia de seu grande futuro.

Onde a Justiça, como uma senhora que é, possa sentarse em dignidade, e descansar sobre o regaço o gládio que é seu atributo impositivo.

Justiça é tarefa de todos, é o ato de construir, persistente e quotidianamente uma sociedade melhor.

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