Proibição não retroage

Pela lei antiga, aposentado tem direito de receber auxílio-acidente

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27 de abril de 2006, 7h00

Aposentado que sofreu lesão irreversível durante período em que trabalhou tem direito a receber auxílio-acidente, além da aposentadoria. O entendimento é da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao condenar o INSS a pagar o auxílio-acidente no valor de 50% do salário do trabalhador, desde 1995.

Para a concessão, o colegiado se baseou no artigo 86, parágrafo 2º, da Lei 8.213/91 que, à época dos fatos, permitia a acumulação de benefícios. A Lei 9.258/97 substituiu a anterior e veda a acumulação de aposentadoria com o benefício.

Demitido da empresa Marcopolo, o trabalhador ingressou com o pedido de auxílio-acidente quando diagnosticada lesão irreversível que reduz da capacidade de ouvir.

A decisão do tribunal gaúcho manteve o entendimento de primeira instância, que indeferiu o apelo do INSS que pretendia cancelar o pagamento do auxílio, alegando a impossibilidade de acumulação de benefício, baseado na lei substituta.

O desembargador Luiz Ary Vessini de Lima afirmou ser irrelevante para a concessão do benefício mensurar o nível de gravidade da invalidez. Quanto à cumulatividade, sustentou ser impossível retroagir a Lei 9.258/97, que impediu a sobreposição de auxílio-acidente com aposentadoria, ao tempo da propositura da ação.

“A lesão atestada é relacionada com a função que desempenhava (auxiliar geral, aplainador/gabariteiro e ferramenteiro), presente o nexo causal. A perda auditiva que o autor apresenta, ainda que mínima, reduz sua capacidade laborativa, demandando-lhe maior esforço para realizar suas atividades habituais”, concluiu o desembargador.

Processo: 70013168257

Leia a íntegra da decisão

INSS. AUXÍLIO-ACIDENTE. PAIR. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. CUSTAS PROCESSUAIS. HONORÁRIOS PERICIAIS E ADVOCATÍCIOS. REEXAME NECESSÁRIO.

Comprovado o nexo causal entre as atividades laborais exercidas pelo empregado e o surgimento ou agravamento da hipoacusia neurossensorial bilateral, impõe-se, em tal caso, a concessão do auxílio-acidente. A cumulação desse benefício com a aposentadoria mostra-se possível, desde que por causa anterior a entrada em vigor da lei que a vedou, descabendo, na matéria, interpretação restritiva.

Correção monetária das parcelas devidas, a partir de cada vencimento.

As custas são devidas por metade pela autarquia previdenciária, em face de previsão específica em legislação estadual, e a Súmula nº 2, do extinto TARGS, ficando sujeita ao pagamento dos honorários periciais e advocatícios, como os demais litigantes.

Reexame necessário não conhecido. Valor da causa inferior a sessenta salários mínimos. Art. 475, § 2º do CPC.

APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE, REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO.

APELAÇÃO REEXAME NECESSÁRIO

DÉCIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70013168257

COMARCA DE CAXIAS DO SUL

JUIZ DE DIREITO DA 6 VARA CIVEL DA COMARCA DE CAXIAS DO SUL

APRESENTANTE

INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL

APELANTE

CLOVIS DA SILVA

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação, e em não conhecer do reexame necessário.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE) E DR. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS.

Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2006.

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA,

Relator.

RELATÓRIO

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR)

Trata-se de ação acidentária ajuizada por Clóvis da Silva em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, na qual o autor pretende a concessão do auxílio-acidente, e abono anual, desde a data de 03.10.95, ocasião em que foi despedido da empresa Marcopolo S/A, e em razão da perda auditiva induzida pelo ruído no local de trabalho.

A sentença julgou procedente a ação, para condenar a Autarquia ao pagamento do auxílio-acidente no percentual de 50% sobre o salário-de-benefício, e o abono anual, devidos desde o ajuizamento da demanda, e corrigidos monetariamente a partir de cada vencimento, e incidentes juros, a partir da citação, bem como as custas processuais, os honorários periciais, e os advocatícios, fixados em 10% sobre o montante devido até a decisão, observada a Súmula nº 111 do STJ.

A Autarquia apelou reportando-se aos termos do laudo pericial, no qual constatada a perda auditiva do autor relacionada a outra causa, não sendo característica exclusiva de PAIR. Disse que o autor não faz jus ao benefício por estar apto às atividades laborais. Também postulou a isenção ao pagamento das custas processuais, ou por metade, bem como dos honorários. Aduziu que a correção monetária cabe ser aplicada a partir da citação, ou do ajuizamento, nos termos da Súmula nº 148 do STJ.


O autor apresentou contra-razões, refutando as argumentações esposadas no recurso.

Dada vista ao Parquet, subiram os autos a esta Corte.

A Dra. Procuradora de Justiça lavrou parecer opinando pelo improvimento do recurso.

O feito foi submetido à revisão.

É o relatório.

VOTO

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR)

Eminentes Colegas! Penso que deva ser mantida em essência a r. sentença, que aplicou corretamente o direito incidente à espécie.

O INSS insurge-se contra a r. decisão de procedência da ação acidentária que o condenou ao pagamento do auxílio-acidente correspondente a 50% do salário-de-benefício, a partir da data do ajuizamento da demanda, bem como ao abono anual, correção monetária a partir dos respectivos vencimentos, e juros legais desde a citação.

Sustenta, em síntese, que, segundo o laudo pericial, o autor não apresenta redução da capacidade laboral, e que a perda auditiva não é característica exclusiva de PAIR.

Transcrevo parte da sentença, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, evitando-se a indesejada tautologia:

“(…) ‘A pretensão suscitada pelo autor merece ser acolhida.

‘O laudo pericial médico elaborado pelo Departamento Médico Judiciário do Tribunal de Justiça apresenta conclusão favorável ao pedido do autor:

“O conjunto de dados sugere que o autor apresentava, na ocasião da demissão da empresa a audição bilateral dentro dos limiares normais para a média tonal audiométrica entre 500 e 3000 Hz (as mais utilizadas na percepção da fala) e leve redução bilateral da audição, em freqüências de 6000 a 8000 Hz à direita e de 3000 a 8000 Hz à esquerda, por lesão neurossensorial.

As lesões mostram-se progressivas após o período laboral e são irreversíveis.

As seqüelas auditivas que apresentava na ocasião da demissão da empresa, não determinavam incapacidade ou redução de capacidade laborativa para sua função habitual, dentro de um Programa de Conservação Auditiva.

Os traçados audiométricos e a evolução dos limiares auditivos, durante o período laboral na empresa, sugerem incluir leve perda auditiva induzida pelo ruído, na dependência de comprovada exposição ao risco.” (fl. 70).

‘A prova testemunhal colhida em audiência confirma a exposição do autor a elevados níveis de ruído, bem como o não fornecimento de EPI durante um período.

‘Assim, demonstrado o nexo etiológico entre o labor desenvolvido em ambiente ruidoso e a redução da capacidade auditiva do autor, ainda que não em grau elevado, aliado ao fato de ter sua capacidade ao trabalho condicionada à existência de um Programa de Conservação Auditiva, deve ser concedido o benefício buscado por este, uma vez que restaram atendidos os requisitos previstos no art. 86, caput, da Lei 8.213/91.

‘(…)

‘Muito embora efetivamente a atual redação do artigo 86, parágrafo segundo, da Lei 8.213/91 vede a possibilidade de acumulação do auxílio-acidente com qualquer modalidade de aposentadoria, inaplicável é o dispositivo à hipótese aqui tratada. Isto, porque a restrição legal emerge da Lei 9.528, de 10 de dezembro de 1997, enquanto que o infortúnio que vitimou o autor, pelo que se depreende do laudo pericial, é anterior.

‘E, sendo certo o caráter eminentemente social e protecionista das leis que tratam da infortunística, não há que se admitir que a lei posterior, prejudicial ao obreiro, incida sobre fato que dá margem a benefício previsto em legislação mais favorável e vigente à época do infortúnio. (…)

‘Destarte, estando caracterizado, como já referido, o nexo etiológico entre a redução da capacidade laborativa do autor, decorrente de perda auditiva, com o desempenho de sua atividade em ambiente ruidoso, a configurar a ocorrência de acidente do trabalho, nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.213/91, faz este jus ao benefício do auxílio-acidente regulado pelo artigo 86 da mesma Lei, a contar da data do ingresso da presente ação (14/06/2000), no percentual de 50% do seu salário-de-benefício, com direito, ainda, aos abonos anuais (art. 40 da Lei 8.213/91), correção monetária das parcelas vencidas, contada a partir dos respectivos vencimentos, e juros legais de mora a contar da citação. (…)”

A prova testemunhal carreada nos autos confirmou que o autor trabalhava em local de ruído intenso, e que a empresa disponibilizou o uso de protetores auriculares após algum tempo.

Reconhecido pelo acervo probatório que a lesão atestada é relacionada com a função que desempenhava o autor (auxiliar geral – aplainador/gabariteiro e ferramenteiro), presente está o nexo causal.

Em que pese os termos do laudo pericial, cuja conclusão o julgador não está adstrito, a perda auditiva que o autor apresenta, ainda que mínima, reduz sua capacidade laborativa, demandando-lhe maior esforço para realizar suas atividades habituais.


Cabe consignar, ainda, que, para efeito de percepção do benefício, irrelevante o grau de invalidez, contentando-se a lei com a incapacidade parcial laborativa em qualquer grau.

O artigo 86 da Lei 8.213/91, com sua redação atualizada, assim dispõe:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

Nesse sentido, esta Corte tem-se manifestado reiteradamente:

ACIDENTÁRIA. FRATURA DOS OSSOS DO ANTEBRAÇO DIREITO. AUXÍLIO-ACIDENTE. CIRCUSNTÂNCIAS DOS AUTOS COMPROVAM QUE DO ACIDENTE DO TRABALHO RESULTARAM AS LESÕES VERIFICADAS NO AUTOR. SE O LAUDO PERICIAL CONCLUIU QUE HOUVE REDUÇÃO NA CAPACIDADE LABORATIVA, DECORRENTE DO ACIDENTE SOFRIDO, CABÍVEL A CONCESSÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE, CUJO TERMO INICIAL, NO CASO, DEVE SER DE 50%. CUSTAS DEVIDAS PELO IMSS, PELA METADE (LEI N 8121/85, ART. 11, E SÚMULA N 02 DO EXTINTO TARGS). APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE MODIFICADA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. (REEXAME NECESSÁRIO Nº 70001170059, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS, JULGADO EM 09/08/2000)

Não se desconhece que a partir de 10.12.97, data em que entrou em vigor a Lei nº 9.528, que deu nova redação ao art. 86. da Lei nº 9.213/91, está vedada a cumulação do auxílio-acidente com qualquer aposentadoria. No entanto, esta lei, ao limitar direitos acidentários, não tem efeito retroativo.

O autor, de acordo com as informações dos autos, está aposentado desde 05.04.91, e pleiteia o benefício do auxílio-acidente, em face de patologia decorrente da atividade laboral exercida antes da alteração da lei referida.

Veja-se o que tem decidido o STJ, a respeito:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PRESSUPOSTOS. PREQUESTIONAMENTO. CUMULAÇÃO DE APOSENTADORIA COM AUXÍLIO-ACIDENTE, POSSIBILIDADE. 1. Mesmo em gozo de aposentadoria especial, o segurado faz jus ao auxílio-acidente, se comprovado o nexo causal entre a doença e o labor, considerando a inexistência de vedação legal à cumulação dos benefícios. Preceitos desta corte. 2. Recurso conhecido e provido.

(Recursos Especial nº 172783/SP, julgado em 06-10-98, Rel. Min. Edson Vidigal, Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça)

E neste Colegiado.

AÇÃO ACIDENTÁRIA. APOSENTADORIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. TERMO FINAL AO BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. INEXISTÊNCIA. Assente na jurisprudência ser cabível cumular benefícios de aposentadoria por tempo de serviço e auxílio-acidente. Implementado o direito quando inexistia vedação a tanto, regra posterior não pode incidir nas situações consolidadas, a fixar dies ad quem ao benefício acidentário. Princípio constitucional da irretroatividade das leis. (Apelação nº 599391562, provida. Sentença adequada em reexame necessário. Vencido em parte o Revisor. Décima Câmara Cível, julgado em 02-09-99, Rel. Des. Jorge Alberto S. Pestana.)

Quanto à correção monetária, deve dar-se pelo IGP-M, e é devida relativamente às parcelas vencidas a partir do vencimento de cada uma, até o efetivo pagamento, consoante reiteradamente tem-se decidido.

As custas são devidas por metade pela Autarquia, consoante vem decidindo este Tribunal e já assim decidia o extinto Tribunal de Alçada do Estado, conforme Súmula nº 02.

A Autarquia não está isenta do pagamento dos honorários advocatícios, como os demais litigantes. Da mesma forma, fica sujeita também aos honorários periciais, como fixados na sentença.

Por fim, não é caso de apreciação da sentença em reexame necessário.

Compulsando os autos, constata-se que à causa fora atribuído valor de R$ 524,50 (fl. 04) não se vislumbrando da condenação a quo possibilidade de ser excedido o valor referido na legislação citada. Ademais, a sentença foi prolatada em 06 de julho de 2005, posteriormente, portanto, à entrada em vigor da referida lei, não havendo óbice para sua aplicação.

Nessa linha o recente precedente do C. Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ARTIGO 535 DO CPC. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. LIMITAÇÃO AO REEXAME NECESSÁRIO. INTRODUÇÃO DO § 2º DO ART. 475 DO CPC PELA LEI N.º 10.352/01. CAUSA DE VALOR CERTO NÃO EXCEDENTE A 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. VALOR CONSIDERADO NO MOMENTO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA 1. Tendo sido adequadamente examinada pelo acórdão embargado a questão supostamente omitida, não há se falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. O valor da causa é um dos parâmetros utilizados pela lei para restringir o reexame necessário. E, sendo este condição de eficácia da sentença, o momento processual adequado para a verificação do valor limitante é justamente o da prolação da sentença, porquanto é nessa oportunidade que se examina se há ou não a incidência do regime disposto no art. 475 do Código de Processo Civil. 3. O “valor certo” referido no § 2º do art. 475 do CPC deve ser verificado, portanto, quando da prolação da sentença; se não for líquida a obrigação, deve-se utilizar o valor da causa, a teor do art. 260 do CPC, devidamente atualizado, para o cotejamento com o parâmetro limitador de sessenta salários mínimos. 4. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, desprovido. (REsp 723.478/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15.03.2005, DJ 11.04.2005 p. 381).

Pelo exposto, manifesto-me por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, nos moldes supramencionados, e não conhecer do reexame necessário.

É o voto.

DR. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (REVISOR) — De acordo.

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE) — De acordo.

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA — Presidente — Apelação Reexame Necessário nº 70013168257, Comarca de Caxias do Sul: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, E NÃO CONHECERAM DO REEXAME NECESSÁRIO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: SERGIO AUGUSTIN

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