Mudança de comando

Gilmar Mendes se despede do TSE para assumir como vice no STF

Autor

26 de abril de 2006, 20h14

Nesta terça-feira (25/4), o ministro Gilmar Mendes deixou a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, cargo que ocupou por dois meses. Na quinta (27/4), ele assume a vice-presidência do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, a ministra Ellen Gracie é empossada presidente do STF. Quem assume a presidência do TSE é o ministro Marco Aurélio.

Em seu discurso de despedida, Gilmar Mendes lembrou das conquistas tecnológicas alcançadas nestes dois meses. Entre elas, citou o aprimoramento do site e o início da transmissão pela internet de sessões do tribunal. O ministro destacou a padronização dos acórdãos da Corte como uma importante ferramenta para modernizar e agilizar a Justiça Eleitoral.

Mendes ressaltou a importante busca pela democracia. “Temos de caminhar no sentido da construção da idéia de uma democracia plena: aos eleitos, o exercício do poder; aos não-eleitos, o exercício da fiscalização.”

Leia a íntegra do discurso

Senhor Presidente

Senhores Ministros

Senhor Procurador-Geral Eleitoral

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Estou certo de que este momento de despedida é também de renovação de esperança. Essa esperança que tem movido o Tribunal Superior Eleitoral e todo o seu corpo de servidores, no sentido do aperfeiçoamento da democracia e da proteção dos direitos políticos fundamentais. O desenvolvimento da Justiça Eleitoral, hoje a instituição de maior credibilidade perante a população brasileira, tem sido guiado pelo espírito de honrados homens que têm exercido a presidência deste Tribunal. Nos últimos dois meses, tive a oportunidade de entrar para esse seleto grupo de pessoas que, no exercício diário e contínuo do comando da Justiça Eleitoral, renovam essas esperanças de democracia e cidadania em nosso país.

Se o trabalho realizado até agora foi tão profícuo, é porque tem sido guiado por esse espírito de utopia que não se contenta com a ainda longa distância que separa a democracia real da democracia possível em nosso país. Como afirmei em meu discurso de posse, a Constituição brasileira nos permite trabalhar com esse “quantum de utopia”.

É com esse espírito de renovação de esperanças que transmito a meu sucessor, o Ministro Marco Aurélio, o cargo de Presidente deste Tribunal, com a certeza de que esse sentimento de utopia não decairá diante dos obstáculos que se imporão neste ano de eleições. O Ministro Marco Aurélio, cuja personalidade forte sempre esteve marcada pelo destemor na defesa de ideais de justiça, certamente saberá conduzir o pleito eleitoral que se avizinha, dando continuidade ao trabalho que tem sido desenvolvido para a construção de uma Justiça Eleitoral comprometida com a democracia e com os direitos fundamentais.

Minha estada na presidência deste Tribunal Superior Eleitoral, apesar de breve, foi marcada por intensa atividade, sempre com o intuito de dar continuidade ao trabalho desenvolvido por meus antecessores.

Nesse período, tive a oportunidade de acompanhar a implantação da transmissão das sessões do Tribunal através da rede mundial de computadores (Intranet e Internet), o que, para minha satisfação, ocorreu pela primeira vez no dia da minha posse. A iniciativa tem dado concretude a um dos valores mais fundamentais de uma verdadeira democracia: a publicidade (Öffentlichkeit).

A página do sítio do TSE na Internet também passou por aprimoramentos, com a inclusão das atas das sessões e de informações sobre as eleições, como os prazos de desincompatibilização, dentre outras que estão sendo gradualmente adicionadas.

O lançamento de nova edição da Revista Estudos Eleitorais, tarefa para a qual contei com a inestimável colaboração do ex-Ministro desta Corte, o Prof. Walter Costa Porto, que é seu editor, certamente marcará esse período, principalmente pela excelência dos artigos que contém, da lavra de juristas de alta expressão, como o Ministro Néri da Silveira, o Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho e o próprio Prof. Costa Porto.

A revista trouxe, ainda, na seção de debates, as recentes decisões deste Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal sobre o tema da verticalização, que tanto interesse gerou nas classes política e jurídica e na sociedade brasileira em geral. Na seção histórica, registrou-se que a representação proporcional foi pioneiramente introduzida no Rio Grande do Sul pela Lei n° 153, de 14 de julho de 1913, enquanto que, no quadro nacional brasileiro, esta somente veio com o primeiro de nossos Códigos Eleitorais, instituído pelo Decreto n° 21.076, de 24 de fevereiro de 1932.

Outro passo importante para a modernização e agilização dos trabalhos deste Tribunal foi a padronização dos acórdãos — trabalho iniciado pela eminente Ministra Ellen Gracie, que foi recentemente apresentado à Corte e está em vias de implantação —, o que permitirá que os acórdãos decorrentes de decisões unânimes do Colegiado sejam confeccionados e assinados na própria sessão de julgamento, estando, portanto, imediatamente à disposição dos interessados. Os que militam na Justiça Eleitoral, que tem prazos recursais até de 24 horas, sabem o que isso representa.

Ademais, não posso deixar de mencionar a recém firmada parceria com a Universidade de Brasília, que será executada gradualmente e se destinará à instituição de prêmio para estimular a realização de estudos sobre eleições, à edição de obras clássicas sobre eleições e Direito Eleitoral, à elaboração de estudos comparados sobre legislação eleitoral e eleições, ao fornecimento de consultoria sobre regulamentação e perícia técnica em pesquisas eleitorais e, ainda, ao acompanhamento analítico da conjuntura eleitoral.

Quanto à atuação judicante, alguns importantes julgamentos ocorridos no período certamente marcarão a história da Corte na defesa dos direitos políticos fundamentais e no aprimoramento da cidadania no Brasil. Dentre outros, gostaria de ressaltar a posição firmada pelo Tribunal a respeito da suspensão de direitos políticos de indivíduos submetidos a medidas de segurança, ocasião na qual deixou-se aberta a via para a construção de uma jurisprudência comprometida com uma interpretação compreensiva da Constituição da República. Em oportunidades semelhantes, o Tribunal tem atuado seguindo um típico “pensamento do possível” (Häberle), na tentativa de superar as inevitáveis lacunas constitucionais que muitas vezes impedem o pleno desenvolvimento dos direitos políticos assegurados na Constituição.

Todo o trabalho realizado neste curto, porém profícuo, período em que exerci a presidência do Tribunal, assim como os proveitosos resultados alcançados até o presente momento, não se teriam materializado sem que houvesse a convergência de uma gama de contribuições de pessoas e instituições intimamente comprometidas com o desenvolvimento da Justiça Eleitoral no Brasil.

Em especial, ressalto a dedicada participação de todos os servidores do Tribunal na implementação dos projetos iniciados. Devo especial gratidão a todos esses funcionários que me acompanharam nesse período e que tornaram possível os projetos realizados, dando continuidade ao trabalho desenvolvido por meus antecessores com vistas ao aperfeiçoamento do processo político-eleitoral e, portanto, da democracia em nosso país.

A distinção da Justiça Eleitoral como instituição republicana é o resultado da estabilidade desse corpo profissional qualificado, recrutado por processos seletivos públicos marcados pela impessoalidade e igualdade de chances. A continuidade da gestão administrativa implementada por um quadro permanente de servidores tem dado o tom de nossa Justiça Eleitoral e tem sido a causa principal dos sucessos acumulados nos últimos anos. Podemos afirmar, com toda a convicção, que a Justiça Eleitoral é, hoje, uma instituição eminentemente republicana, imune às tendenciosidades e facciosismos de cada momento político.

Assim, deixo o Tribunal com a certeza de que os novos desafios que se impõem à Justiça Eleitoral serão devidamente superados.

Com a crise ética e política, esses desafios estão transparentes. A recente denúncia apresentada pelo Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal revelou a todo o país a existência de indícios da formação de uma “sofisticada organização criminosa” no âmago do governo, destinada, principalmente, a garantir o projeto de poder de partido político por meio de um engenhoso esquema de obtenção de apoio parlamentar e de financiamento de suas campanhas eleitorais. Temos que admitir que a estruturação de tal “organização” está a revelar a persistência de algumas mazelas em nosso sistema político-eleitoral, assim como os déficits de fiscalização e controle por parte da Justiça Eleitoral em relação a práticas há muito conhecidas, porém poucas vezes combatidas com a devida eficácia.

Os avanços conquistados com o voto eletrônico — que a cada dia demonstram a posição de vanguarda da Justiça Eleitoral brasileira em relação às democracias de países mais desenvolvidos, como ficou claro no recente episódio das eleições italianas — não devem esconder outros problemas que urgem ser enfrentados, como o abuso do poder político e o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, a serem devidamente equacionados pela legislação eleitoral.

Penso também que a legislação eleitoral deva prever fórmulas de preclusão que visem a conter a possível “eternização” das demandas em sede eleitoral, o que muitas vezes tem forte impacto na própria legitimidade dos mandatos, com sérios riscos para a democracia. Creio que a população tem o direito não só a escolher livremente seus candidatos como, também, o direito a ver as eventuais demandas envolvendo temas eleitorais serem rapidamente resolvidas, de modo que os eleitos possam ocupar legitimamente os cargos para os quais foram democraticamente escolhidos.

Como já enfatizei em outras ocasiões, o Tribunal deve estar sempre atento às pretensões daqueles que querem apenas procrastinar o jogo político-eleitoral. A função precípua da Justiça Eleitoral é assegurar a observância das regras do jogo e não atuar como segunda instância do pleito eleitoral. A ordem democrática fundada sob a Constituição de 1988 reserva um papel fundamental àqueles que não obtêm sucesso na disputa eleitoral: o exercício da oposição. Temos de caminhar no sentido da construção da idéia de uma democracia plena, na qual o jogo político-eleitoral não produz perdedores, mas mandatários com funções distintas: aos eleitos, o exercício do poder; aos não-eleitos, o exercício da fiscalização e controle dos exercedores do poder.

Assim, à Justiça Eleitoral caberá encontrar os meios adequados para a preservação de todo o sistema político-eleitoral construído em nosso país desde a Constituição de 1988; esses 17 anos que têm sido marcados como o período de estabilidade institucional mais longo de nossa história republicana.

Como sempre ressaltava Noberto Bobbio, “a democracia é dinâmica; o “estar em transformação é seu estado natural1”. Cumpre à Justiça Eleitoral o relevante papel de desenvolver a democracia em nosso país. Para isso, contamos com as condições favoráveis de uma cultura democrática e instituições que têm demonstrado a sua solidez diante dos obstáculos surgidos nos últimos anos.

É nesse contexto que as esperanças podem sempre ser renovadas em prol de uma sociedade mais justa e democrática. Deixo o Tribunal com essa esperança de dias melhores. Agradeço mais uma vez a todos os colegas, e especialmente aos servidores da Casa, que são a razão de todas as importantes conquistas da Justiça Eleitoral e, assim sendo, constituem peças-chave para o desenvolvimento da democracia em nosso país.

Nota de rodapé

1 – BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra; 2004.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!