Modernização do consumidor

A internet e seus reflexos nas relações de consumo

Autor

  • Lourival J Santos

    é sócio de Lourival J. Santos Advogados (http://www.ljsantos.com.br/) diretor Jurídico da Associação Nacional dos Editores de Revistas e presidente da Comissão de Liberdades Públicas do Instituto dos Advogados de São Paulo.

25 de abril de 2006, 17h03

O tema impressiona pela magnitude, pois, numa sociedade de mercado, na qual o consumo insere-se nas relações sociais a ponto de influenciar as regras de conduta do povo, falar-se em relação de consumo é o mesmo que aludir a todo o sistema de normas éticas e jurídicas informadoras e garantidoras da própria estrutura social do país.

A relevância desse tema em sociedades como a brasileira, cujos fundamentos são esteados nas liberdades de iniciativa e de concorrência (art.1º, CF), é incontestável pelo fato dos conceitos negociais serem ungidos pelo texto constitucional e apresentarem-se, por isso, como estruturais da ordem sócio-econômica.

E esses conceitos, sob os reflexos do extraordinário progresso tecnológico, influenciam sobremaneira o comportamento social bastando observar, ainda que sem qualquer compromisso científico, os seus efeitos nas últimas duas décadas.

O notável avanço da tecnologia nos últimos decênios deflagrou verdadeira revolução no universo cultural de países sob regimes de liberdade política, provocando sensíveis mudanças comportamentais e reflexões sobre princípios jurídicos até então considerados estáveis.

A internet e a criação do comércio eletrônico são bons exemplos disso, pois tendo a nova tecnologia desprezado os sólidos arquétipos do tempo e da distância, gerando a possibilidade da realização da chamada “sincronização instantânea”, pela qual numerosas operações podem ser realizadas ao mesmo tempo, independentemente da distância entre os interessados, provocou importante quebra de paradigma em relação às tradicionais operações seqüenciais.

Abriu-se, com isso, ampla expectativa para rediscussão de princípios contratuais, mormente no que tange às pactuações à distância, pois além dos recursos da internet tornarem presentes as pessoas, independentemente da distância que as separe, também eliminaram o lapso temporal entre uma proposta de negócio e a sua aceitação, possibilitando, ainda, a assinatura digital imediata de qualquer acordo.

No âmbito das relações comerciais, proporcionaram a colocação nos mercados de uma gama diversificada de produtos, que são tornados rapidamente obsoletos pela chegada de novas gerações de produtos semelhantes, diferenciados das gerações anteriores, quase sempre, por mínimos ganhos técnicos ou qualitativos. Essa diversidade, contudo, mantém aguçados os desejos do consumidor moderno, interessado e participativo, sempre atento e ávido às novidades, mesmo que estas eventualmente mais satisfaçam seus desejos hedonísticos que as suas reais necessidades.

Em interessante texto, publicado sob o sugestivo título “Declínio do comprador ascensão do consumidor”, o ilustre psiquiatra e professor Jurandir Freire Costa1 afirmou que a produção industrial em grande escala, possibilitada pelo avanço tecnológico, mudou o sentido do ato de fabricar e de consumir, pois “quem produzia não se apercebia mais como autor de coisas feitas para atender necessidades reais, mas para serem vendidas, sendo ou não necessárias”.

Se as sociedades atuais dispõem de recursos técnicos para, rapidamente, produzirem bens de consumo cada vez mais sofisticados, os hábitos de consumo também se refinaram proporcionalmente e as exigências do consumidor tornaram-se específicas sobre o que deseja consumir ou sobre o que exige que seja produzido para atender à demanda especialmente determinada pela manifestação da sua vontade.

David Siegel , entusiasta observador do progresso tecnológico do último decênio, no livro “Futurise your Interprise: Business Strategy in the Age of the E. Customer”, escreveu que o ano 2000, por ele definido como o início do “Novo Mundo”, marcou a grande alteração nas regras mercadológicas mundiais, por representar o fim dos chamados “produtos direcionados”, que são aqueles produzidos e postos no mercado com o intuito de conquistar um número cada vez maior de clientes consumidores, e o início dos “produtos direcionados pelo cliente”, que são os produzidos para atender as exigências do próprio consumidor.

Não há dúvida de que houve uma inversão nos pólos da relação comercial, com a transferência do consumidor, da posição de elemento passivo e, deste modo, sujeito à conquista dos produtores e distribuidores, para a de agente ativo e conquistador, determinando as regras do jogo e exigindo o que quer consumir e a maneira pela qual os bens desejados devem ser produzidos e colocados à sua disposição no mercado.

Poucos desconhecem que simples máquinas fotográficas ou câmeras de vídeo também são computadores, cada vez mais aptos a processar imagens e textos com eficácia e rapidez, e de que a reunião desses recursos tem como objetivo único municiar o consumidor com a ferramenta adequada à enfrentar a dinâmica da vida moderna.

Preconiza-se que cinéfilos brevemente poderão interagir nas produções audiovisuais e que estas serão certamente produzidas por encomenda.

Apesar disso, o Código do Consumidor, muito embora tenha destacado, nos artigos de abertura, ser o objetivo da Lei a busca do equilíbrio nas relações de consumo, desprezou esta premissa nos artigos precedentes, conferindo ao consumidor a condição de hipossuficiente, o que representa postura paternalista, retrógrada e, obviamente, injustificável nos dias de hoje.

Notas de rodapé

1 – O Vestígio e a Aura – Corpo e Consumismo na Moral do Espetáculo — Garamond, 2004, pg. 133

2 – Futurise your Interprise: Business Strategy in the Age of the E. Customer, J. W. & Sons, 1999, pg. 4

(Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense)

Autores

  • é sócio de Lourival J. Santos Advogados (http://www.ljsantos.com.br/), diretor Jurídico da Associação Nacional dos Editores de Revistas e presidente da Comissão de Liberdades Públicas do Instituto dos Advogados de São Paulo.

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