Justiça trabalhista

Entidades defendem competência criminal

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25 de abril de 2006, 7h00

A ANPT — Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho ingressaram com petição amicus curiae no Supremo Tribunal Federal, na última quarta-feira (19/4). A petição tem como objetivo demonstrar a inadmissibilidade da Ação Direta de Inconstitucionalidade, que contesta a competência criminal da Justiça do Trabalho. O instituto do amicus curiae é produzido por quem não é parte no processo, com vistas a sustentar uma tese jurídica em defesa de interesses de terceiros,

A ADI, de autoria do procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza, pede a inconstitucionalidade dos incisos I, IV e IX do artigo 114 da Constituição Federal, alterados pela Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário). A ação tem como relator o ministro Cezar Peluso e foi proposta a pedido da ANPR — Associação Nacional dos Procuradores da República e da Ajufe — Associação dos Juízes Federais (Ajufe).

Segundo a ANPT e a Anamatra, após a promulgação da EC 45 a Justiça do Trabalho passou a ser detentora também da competência criminal. "A competência prevista no inciso I, do artigo 129, da CF, de promover ação penal pública, poderá ser exercida, após a EC 45, de forma integral pelo Ministério Público do Trabalho", diz o texto da amicus curiae.

Antônio Fernando questiona essa interpretação. Para ele, esse posicionamento viola regras e princípios relativos ao juiz natural e à repartição de competências jurisdicionais. O PGR alega ainda que houve vício na tramitação da EC 45 no Congresso Nacional. Segundo ele, o texto foi alterado no Senado e não retornou à Câmara dos Deputados para confirmação da alteração.

Sobre essa questão, a petição da ANPT e da Anamatra lembra que o ministro Nelson Jobim já havia decidido o assunto quando julgou a ADI 3.395. Segundo a decisão do ministro, "a não inclusão do enunciado acrescido pelo Senado Federal em nada altera a proposição jurídica contida na regra".

Ainda de acordo com a amicus curiae o conteúdo do texto aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional em dois turnos é no sentido de que foi atribuída à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar todas as ações decorrentes da relação de trabalho.

Leia a íntegra da petição

EXMO. SR. MINISTRO CEZAR PELUSO, DD. RELATOR DA ADIN Nº 3.684

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT, associação representativa dos interesses dos Procuradores do Trabalho, inscrita no CNPJ/MF sob o n. 03.495.090/0001-27, com sede no SBS, Quadra 2, bloco S, Ed. Empire Center, salas 1103/1105, Brasília – DF, CEP.: 70.070-904, nos autos da ADIN 3684, proposta pelo Procurador Geral da República, vem, respeitosamente, por seus advogados (docs. 1 e 2), requerer a sua intervenção no feito, inclusive para fins de sustentação oral, na qualidade de amicus curiae (Lei nº 9.868/98, art. 7º, c/c art. 131, § 3º, do RISTF, acrescido pela Emenda Regimental nº 15, de 30.03.2004), com o objetivo de demonstrar a inadmissibilidade da ação direta, nos termos e pelos motivos expostos a seguir.

I – A REPRESENTATIVIDADE DA “ANPT” E A RELEVÂNCIA DA MATÉRIA QUE JUSTIFICAM A INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE

1. A pretensão do Procurador Geral da República, ao ingressar com a Ação Direta de Inconstitucionalidade ora em discussão, é a de obter a declaração de inconstitucionalidade formal do art. 114, I, da Constituição ou, não sendo possível, a interpretação – supostamente conforme à Constituição – segundo a qual os incisos I, IV e IX, do art. 114, excluem da Justiça do Trabalho qualquer competência criminal.

2. Como se pode observar, a questão diz respeito à extensão material da competência da Justiça do Trabalho como um todo, nos termos das alterações introduzidas pela EC 45/2004.

3. Da competência da Justiça do Trabalho decorre, necessariamente, a competência do Ministério Público do Trabalho, uma vez que sua atuação restringe-se aos órgãos da Justiça do Trabalho.


4. Com efeito, todas as competências atribuídas, genericamente, ao Ministério Público no art. 129 da CF, são distribuídas, pela própria CF, a cada um dos ramos do Ministério Público previstos nos incisos I e II, do art. 128:

“Art. 128. O Ministério Público abrange:

I – o Ministério Público da União, que compreende:

a) o Ministério Público Federal;

b) o Ministério Público do Trabalho;

c) o Ministério Público Militar;

d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II – os Ministérios Públicos dos Estados.

(…)

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.”

5. No caso sob exame, a ANPT sustentará que a competência prevista no inciso I, do art. 129, da CF, de promover ação penal pública, poderá ser exercida, após a EC 45, de forma integral pelo Ministério Público do Trabalho, uma vez que a LC n. 73 — que dispõe sobre a organização, as atribuições e do Ministério Público — prevê a outorga das competências previstas na Constituição como se vê do art. 83:

“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

I – promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas;”

6. Daí a inequívoca importância da matéria, assim como o interesse da requerente para figurar na presente ação na qualidade de amicus curiae.

7. Com efeito, a representatividade da requerente decorre da sua condição de Associação Nacional dos Procuradores da Justiça do Trabalho (doc. 2) e da sua legitimidade ativa para a propositura tanto da ação direta de inconstitucionalidade como da ação declaratória de constitucionalidade, conforme a nova redação dada pela Emenda 45/ 2004 ao art. 103 da Constituição Federal.

8. Além desses fundamentos, cumpre ressaltar que as finalidades institucionais da AMPT não se restringem à defesa dos interesses corporativos, mas também à defesa dos princípios e garantias do Ministério Público, sua independência e autonomias, funcional e administrativa. Consta do seu estatuto (doc. 2):

“Art. 2º. São finalidades da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho: (…)

III – defender os princípios e garantias do Ministério Público, sua independência e autonomias, funcional e administrativa, bem como os predicamentos, as funções e os meios previstos para o exercício destas;”

9. Então, da mesma forma que esse eg. Corte admite a legitimidade de outras Associações de Procuradores (CONAMP – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, cf., ADI 3105, ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República, cf., ADI 3128 e ANAPE – Associação Nacional dos Procuradores de Estado, cf.., ADI n. 1557), também a ANPT possui legitimidade para defender o regular exercício das competências atribuídas aos procuradores do trabalho.


10. Conseqüentemente, a ANPT possui não apenas o direito, mas sobretudo o dever de ingressar na presente relação processual, para o fim de demonstrar que o ato atacado, além de não padecer de nenhuma inconstitucionalidade, é de fundamental importância para fixação da competência não apenas dos órgãos da Justiça do Trabalho, como, por conseqüência, dos órgãos do Ministério Público do Trabalho.

11. A correta fixação dos limites da competência da Justiça do Trabalho em face das competências da Justiça Federal e da Justiça dos Estados visa, essencialmente, a segurança jurídica na prestação da jurisdição, inclusive para os jurisdicionados.

12. Assim, estão atendidos os requisitos que justificam a intervenção da Anamatra no feito, motivo pelo qual requer a sua admissão como amicus curiae.

II – INEXISTÊNCIA DE VICIO FORMAL. O SENADO FEDERAL APROVOU O TEXTO DA CÂMARA FEDERAL DIANTE DA COMPREENSÃO DE QUE OCORRERA A AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

13. Sustenta o Procurador Geral da República a existência de vício formal na aprovação da EC 45, no ponto em que alterou o texto do art. 114, da CF, sob o fundamento de que o texto promulgado não teria sido objeto de votação em dois turnos das duas casas do Congresso Nacional. Senão vejamos:

“6. Para votação em segundo turno no Senado, foi realizado, porém, um ajuste no Parecer n. 1.747, de 2004, excluindo-se a parte acima negritada. E no Parecer n. 1.748, de 2004 (redação para o segundo turno, da PEC n. 29/2000 – texto que retorna à Câmara dos Deputados) foi incluído o texto do art. 114, I, com a redação acima transcrita, para votação na Casa iniciadora.

7. Como se pode perceber, o texto que foi objeto de aprovação na Casa revisora, em segundo turno, para fins de promulgação, diverge daquele que foi votado e aprovado em primeiro turno, no Senado, tendo havido a supressão de parte do dispositivo.

8. A alteração processada no Senado Fedeal seria razão suficiente para determinar o retorno dessa matéria à Câmara dos Deputados, antes a necessidade de aprovação do dispositivo em ambas as Casas Legislativas, nos termos do art. 60, § 2º, da Constituição.”

14. Daí a conclusão do Procurador Geral da República no sentido de que, tendo sido suprimido, na segunda votação ocorrida no Senado Federal, expressão constante do texto aprovado pela Câmara dos Deputados em dois turnos e pelo Senado Federal no primeiro turno, ocorreria a violação ao § 2º do art. 60 da CF.

15. Sobre essa questão, já havia o Min. Nelson Jobim, quando do exame do pedido de liminar da ADI n. 3395, rejeitado a alegação de existência do vício formal sob o fundamento de que “a não inclusão do enunciado acrescido pelo SF em nada altera a proposição jurídica contida na regra”. Senão vejamos:

“ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL “ AJUFE” propõe a presente ação contra o inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC nº 45/2004.

Sustenta que no processo legislativo, quando da promulgação da emenda constitucional, houve supressão de parte do texto aprovado pelo Senado.

1. CÂMARA DOS DEPUTADOS.

Informa que a Câmara dos Deputados, na PEC nº 96/92, ao apreciar o art. 115, “aprovou em dois turnos, uma redação … que … ganhou um inciso I…” (fls. 4 e 86).

Teve tal dispositivo a seguinte redação:

“Art. 115. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

2. SENADO FEDERAL.

A PEC, no Senado Federal, tomou número 29/200.

Naquela Casa, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania manifestou-se pela divisão da “… proposta originária entre (a) texto destinado à promulgação e (b) texto destinado ao retorno para a Câmara dos Deputados” (Parecer 451/04, fls. 4, 177 e 243).


O SF aprovou tal inciso com acréscimo.

O novo texto ficou assim redigido:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, EXCETO OS SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS CRIADOS POR LEI, DE PROVIMENTO EFETIVO OU EM COMISSÃO, INCLUÍDAS AS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS DOS REFERIDOS ENTES DA FEDERAÇÃO”. (fls 4 e 280).

Informa, ainda, que, na redação final do texto para promulgação, nos termos do parecer nº 1.747 (fl. 495), a parte final acima destacada foi suprimida.

Por isso, remanesceu, na promulgação, a redação oriunda da CÂMARA DOS DEPUTADOS, sem o acréscimo.

No texto que voltou à CÂMARA DE DEPUTADOS (PEC. 358/2005), o SF fez constar a redação por ele aprovada, com o referido acréscimo (Parecer 1748/04, fls. 502).

Diz, mais, que a redação da EC nº45/2004, nesse inciso, trouxe dificuldades de interpretação ante a indefinição do que seja ¿relação de trabalho”.

Alega que há divergência de entendimento entre os juízes trabalhistas e os federais, “… ausente a precisão ou certeza, sobre a quem coube a competência para processar as ações decorrentes das relações de trabalho que envolvam a União, quando versem sobre servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas.¿ (fl. 7).

Em face da alegada violação ao processo legislativo constitucional, requer liminar para sustar os efeitos do inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004, com eficácia `Em face da alegada violação ao processo legislativo constitucional, requer liminar para sustar os efeitos do inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004, com eficácia `ex tunc¿, ou que se proceda a essa sustação, com interpretação conforme. (fl. 48).

3. DECISÃO.

A CF, em sua redação dispunha:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.’

O SUPREMO, quando dessa redação, declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da L. 8.112/90, pois entendeu que a expressão “relação de trabalho” não autorizava a inclusão, na competência da Justiça trabalhista, dos litígios relativos aos servidores públicos.

Para estes o regime é o “estatutário e não o contratual trabalhista” (CELSO DE MELLO, ADI 492).

Naquela ADI, disse mais CARLOS VELLOSO (Relator):

“Não com referência aos servidores de vínculo estatutário regular ou administrativo especial, porque o art. 114, ora comentado, apenas diz respeito aos dissídios pertinentes a trabalhadores, isto é, ao pessoal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, hipótese que, certamente, não é a presente.”

O SF, quando apôs o acréscimo referido acima e não objeto de inclusão no texto promulgado, meramente explicitou, na linha do decidido na ADI 492, o que já se continha na expressão O SF, quando apôs o acréscimo referido acima e não objeto de inclusão no texto promulgado, meramente explicitou, na linha do decidido na ADI 492, o que já se continha na expressão ¿relação de trabalho¿, constante da parte inicial do texto promulgado.

A REQUERENTE, porque o texto promulgado não contém o acréscimo do SF, sustenta a inconstitucionalidade formal.

Entendo não ser o caso.

A não inclusão do enunciado acrescido pelo SF em nada altera a proposição jurídica contida na regra.


Mesmo que se entendesse a ocorrência de inconstitucionalidade formal, remanesceria vigente a redação do caput do art. 114, na parte que atribui à Justiça trabalhista a competência para as “relações de trabalho” não incluídas as relações de direito administrativo.

Sem entrar na questão da duplicidade de entendimentos levantada, insisto no fato de que o acréscimo não implica alteração de sentido da regra.

A este respeito o SUPREMO tem precedente.

Destaco do voto por mim proferido no julgamento da ADC 4, da qual fui relator:

“O retorno do projeto emendado à Casa iniciadora não decorre do fato de ter sido simplesmente emendado. “

Só retornará se, e somente se, a emenda tenha produzido modificação de sentido na proposição jurídica.

Ou seja, se a emenda produzir proposição jurídica diversa da proposição emendada. Tal ocorrerá quando a modificação produzir alterações em qualquer dos âmbitos de aplicação do texto emendado: material, pessoal, temporal ou espacial.

Não basta a simples modificação do enunciado pela qual se expressa a proposição jurídica.

O comando jurídico “ a proposição” tem que ter sofrido alteração.“

Não há que se entender que justiça trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos.Não há que se entender que justiça trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos.

Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos que são pela Lei 8.112/90 e pelo direito administrativo, são diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT. (…)’

16. A decisão do Min. Jobim, quanto a essa questão, foi referendada pelo Plenário desse Supremo Tribunal Federal na sessão de 05.03.06 de forma unânime.

17. Conquanto a ressalva excluída pelo Senado Federal quando da segunda votação tivesse pertinência apenas quanto à inclusão ou não, na competência da Justiça Federal, das lides dos servidores estatutários contra a administração pública, sustenta o Procurador Geral da República que, havendo o vício formal, não poderia ser aceito o texto do inciso I, tal com promulgado, sob pena de passar a ser aceita a idéia de que na expressão nele contida “ações oriundas de relações do trabalho” estariam incluídas as ações de natureza penal decorrentes de relações de trabalho. Senão vejamos:

“8. (…) Isso porque tal modificação tem o condão de afetar o sentido da proposição jurídica, com a possibilidade de aplicação elástica do inciso I, do art. 114, que trata genericamente de “ações oriundas de relações de trabalho”, não apenas no que se refere ao possível alcance de demandas referentes a relações estatutárias mantidas entre servidores públicos e a administração pública, mas principalmente no tocante à indevida tentativa de abrangência de questões de natureza penal, decorrentes de relações de trabalho”.

18. Entende a ANPT, tal como o em. Min. Nelson Jobim e essa eg. Corte, que não houve o vício formal.

19. Porém, discorda a ANPT quanto à motivação, porque a despeito de não ter havido alteração da proposição da norma votada pela Câmara dos Deputados, as duas casas do Congresso Nacional votaram a PEC 29 de forma a AMPLIAR a competência da Justiça do Trabalho e não para manter a competência tal como existia.

20. Com efeito, o Senado Federal, antes de votar em segundo turno, constatou o erro do texto votado em primeiro turno, tendo o relator dado ao caso solução mediante a aplicação de regra regimental que permite a “correção do texto” para enviar à promulgação o texto votado (PEC 29) e promovendo a “emenda” para nova apreciação da Câmara dos Deputados (a PEC 29-A) quanto ao texto inicialmente votado.

21. Efetivamente, o conteúdo do texto aprovado pelas duas casas do congresso nacional em dois turnos é no sentido de que foi atribuída, sim, à Justiça do Trabalho, a competência para processar e julgar TODAS as ações decorrentes da “relação de trabalho”.


22. Em preciso trabalho doutrinário, os Juízes do Trabalho João Humberto Cesário (do TRT da 23a. Região) e José Eduardo Resende Chaves Júnior (do TRT da 3a. Região), bem ainda os Procuradores do Trabalho Marcelo José Ferlin D`Ambroso (da PRT da 12a. Região) e Viviann Rodriguez Mattos (da PRT da 2a. Região), examinaram a alegação de vício formal, concluindo por sua inexistência, nos termos que se seguem:

2.2. Da inexistência de vício no processo legislativo

Para que o processo legislativo seja formalmente inconstitucional, necessário se faz que nele tenha ocorrido um vício de tamanha gravidade que comprometa o regime democrático, por não espelhar a real vontade dos representantes do povo nas duas Casas Legislativas, e seja impossível se manter o texto na parte em que o vício não se apresente, o que não ocorre no caso analisado.

O processo legislativo no Senado Federal, no caso da reforma do judiciário, foi totalmente atípico, pois, conforme se verifica nos extratos das atas de votação em Plenário, aquela Casa, a exemplo do que aconteceu com a votação dos 165 destaques, que foram votados de maneira açodada, e com critérios pouco usuais, inclusive em certos momentos sem amparo regimental (prevalecendo acordo de lideranças partidárias), o presidente da Casa, senador José Sarney, com o aval dos líderes partidários, extinguiu todos os interstícios previstos no Regimento Interno do Senado, entre o primeiro e o segundo turno, e em poucos minutos realizou as três sessões de discussão e votação em segundo turno da proposta.

Apesar de sua atipicidade, nenhuma inconstitucionalidade formal ocorreu, na medida em que, desde o começo, a intenção do Senado Federal era aprovar, em dois turnos, dois projetos de emenda constitucional: a primeira (PEC 29/2000) se destinava a apreciar o texto proposto originariamente no Relatório da Câmara dos Deputados, com as ressalvas que não lhe alterassem o núcleo essencial; e a segunda (PEC 29-A/2000), para constar itens novos ou mudanças realizadas no Senado Federal a serem apreciados pela Câmara. Nesse sentido, vale trazer a colação, a manifestação do Senador José Jorge:

“O SR. JOSÉ JORGE (PFL–PE. Pela ordem se revisão do orador) – … Ela foi dividida em duas partes: a que será promulgada, porque já veio no relatório da Câmara; e esta segunda parte, que contém itens novos ou mudanças realizadas pelo Senado e que voltará a Câmara para ser aprovada novamente e, então, ser promulgada”. (Publicação em 18/11/2004 no DSF Página(s): 36796 – 36803) (g.n.)

A celeuma se deu por erro de julgamento de cunho interpretativo do texto remetido pela outra Casa, por acreditar o Senador José Jorge que era a intenção da Câmara dos Deputados excepcionar os servidores públicos estatutários, por isto, no texto destinado à promulgação, a fim aclarar o dispositivo constante do inciso I do art. 114 (NR), acrescentou uma ressalva antes inexistente ao texto a ser levado à promulgação.

Não era a intenção finalística do Relator do texto não aprová-lo como remetido pela Câmara dos Deputados, mas apenas adequá-lo ao entendimento do C. STF (que, como se sabe, não é vinculativo no caso de emendas constitucionais, notadamente quando por se tratar de análise de lei em função da constituição e não de emenda) e torná-lo mais claro ao entendimento, a fim de evitar futuras controvérsias acerca da competência da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, que, inevitavelmente, acarretariam sérios prejuízos aos jurisdicionados, como, de fato, está acontecendo. Neste sentido, vale conferir a manifestação do Relator:

“Parecer sobre os textos:

Acolhemos o texto original da PEC 29/2000, nos termos do substitutivo, e, igualmente, os inciso VIII, IX e X, como definidos por esta Comissão. Por correlação, o § 3º do texto original é suprimido, e o § 4º daquela versão passa a ser § 3º do substitutivo.

Nos incisos I e II fazermos alterações para adequar a prescrição à jurisprudência do STF (CC 7134, de 12.6.2003, entre outras). Pela mesma razão, elaboramos alteração ao § 4º, que passa a § 3º no substitutivo.


Procedemos, também, alterações de técnica legislativa na enumeração dos incisos e transformação de parágrafos naqueles dispositivos” (g.n.) – (disponível no site: http://www.apmp.com.br/rjudiciario/docs/refjudsf-integra.doc).

Somente pouco antes da sessão de promulgação do texto aprovado no Senado Federal e que se verificou, por ter a Câmara dos Deputados se recusado a promulgar a emenda pelo acréscimo da exceção ao inciso I do art. 114, que o julgamento do Senador estava em dissonância com a posição da Câmara dos Deputados, pois, durante os debates havidos naquela Casa, a maioria qualificada dos Deputados votou pela ampliação da competência da Justiça do Trabalho para abranger todas as ações decorrentes da relação de trabalho, não sendo ventilada nenhuma exceção.

Nesse diapasão, aquilo que antes pensava tratar-se de uma mera adequação da disposição à técnica legislativa (aclarar a deliberação), diante da posição da Câmara dos Deputados, demonstrou-se uma alteração do texto original por ela aprovado, constatada apenas posteriormente à votação, o que, no entanto, não comprometia a essência, uma vez que a redação principal era exatamente igual, apenas a ressalva era excedente, o que a impedia de continuar no texto a ser levado à promulgação. Daí ter concordado o Senador José Jorge com o remanejamento da ressalva para que ele passasse a constar do texto destinado à apreciação da Câmara dos Deputados (PEC 29-A/2000 – Parecer nº 1.748-CCJ) para aprovação e, posterior promulgação.

Consigne-se que, o remanejamento do excedente para o texto a ser enviado à Câmara dos Deputados, além de autorizado pelos Senadores que deliberaram sobre a possibilidade de serem feitos ajustes nos textos, obteve a concordância tácita dos mesmos, uma vez que quando comunicados pelo Presidente daquela Casa sobre o assunto, e tiveram conhecimento do inteiro teor dos textos com as adequações ao devido lugar da matéria, não manifestaram qualquer oposição.

O remanejamento feito encontra-se ainda em perfeita consonância com o que decidido na ADI n° 3.472-MC/DF, uma vez que a expressão acrescentada pelo Senado possuía autonomia em relação à primeira parte do dispositivo, motivo pelo qual a supressão implementada pelo Senado Federal, por não ter sido promulgada e por ter dado azo ao retorno da proposta à Câmara dos Deputados, para nova apreciação, visando ao cumprimento do disposto no § 2º do art. 60 da Carta Política, atendeu plenamente o princípio do bicameralismo. O que não ocorreria se fosse promulgada contendo a redação excepcionada da competência.

Deste modo, verifica-se que o texto base que foi levado à promulgação tinha a concordância de ambas as Casas, preenchendo, assim, a formalidade exigida pelo art. 60 da CF, o que, no entanto, não ocorreu com a ressalva aprovada pelo Senado Federal.

Assim, além de não haver a ofensa ao art. 60, da CF, não houve qualquer prejuízo aos princípios democráticos, na medida em que a ressalva foi considerada aprovada em dois turnos, e inserida no texto remetido à Câmara dos Deputados para apreciação, como meio de ajustar-se a seu único destino possível dentro do processo legislativo, em prestígio ao princípio do bicameralismo, pois, caso contrário, o texto estaria fadado à inconstitucionalidade formal, posto que não houve aprovação, como exige a Constituição Federal, da ressalva feita pelo Senado Federal, pela Câmara dos Deputados.

23. Como se pode ver, o Senado Federal, ao aprovar em primeiro turno o texto contendo a ressalva — que afastava a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações dos servidores públicos “estatutários” –, assim o fez na PRESUNÇÃO de que o conteúdo da norma não alterava a proposição aprovada pela Câmara dos Deputados.

24. O esclarecimento feito pelo Relator da PEC no Senado Federal foi claro no sentido de que A PROPOSTA da Câmara Federal estava sendo acolhida e que, apenas visando a melhorar o texto, seria feito acréscimo para ajustá-lo à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:


“Parecer sobre os textos:

Acolhemos o texto original da PEC 29/2000, nos termos do substitutivo, e, igualmente, os inciso VIII, IX e X, como definidos por esta Comissão. Por correlação, o § 3º do texto original é suprimido, e o § 4º daquela versão passa a ser § 3º do substitutivo.

Nos incisos I e II fazermos alterações para adequar a prescrição à jurisprudência do STF (CC 7134, de 12.6.2003, entre outras). Pela mesma razão, elaboramos alteração ao § 4º, que passa a § 3º no substitutivo.

Procedemos, também, alterações de técnica legislativa na enumeração dos incisos e transformação de parágrafos naqueles dispositivos” (g.n.) – (disponível no site: http://www.apmp.com.br/rjudiciario/docs/refjudsf-integra.doc).

25. Naquele momento, quando da votação em primeiro turno, entendia o Senado Federal que estava acolhendo o texto encaminhado pela Câmara dos Deputados, e que as alterações feitas — para votação — não implicariam alteração do seu conteúdo, mas apenas adequação à jurisprudência do STF.

26. E foi exatamente por entender que o texto que aprovara em primeiro turno era o mesmo aprovado pela Câmara dos Deputados (sem a exceção), que revolveu o Senado Federal votar em segundo turno o mesmo texto da Câmara dos Deputados e deliberar pelo encaminhamento à Câmara dos Deputados, do texto não aprovado pelos Deputados Federais, que visava a excluir da competência da Justiça do Trabalho a de processar e julgar os servidores “estatutários” (a PEC 29-A).

27. E a maior evidência de que o Senado Federal, ao votar o texto do art. 114, I, em primeiro turno, não vislumbrou que estaria alterando o texto votado pela Câmara dos Deputados, é o fato de que, antes da votação em segundo turno e também da promulgação da EC 45, constatou-se o “erro de procedimento” ocorrido, tendo o Senado Federal votado o texto da Câmara dos Deputados em segundo turno e, por meio de sua Presidência, concordado com a promulgação do texto tal como votado por ele em segundo turno e pela Câmara dos Deputados.

28. Sabiam os senhores Senadores Federais que o conteúdo efetivamente objeto de deliberação nas duas casas do Congresso Nacional era no sentido de promover a ampliação da competência da Justiça do Trabalho.

29. Com efeito, o que não podia ocorrer, sob pena de incidir na violação do art. 60, § 2º, da CF, era a promulgação do texto aprovado pelo Senado Federal, em primeiro turno, já que este — no aspecto formal — contrariava o conteúdo do texto votado pela Câmara dos Deputados, pois enxertava texto não votado nas duas casas, conforme já decidiu esse eg. STF na ADI 3.372:

EMENTA: I. ADIn: legitimidade ativa: "entidade de classe de âmbito nacional" (art. 103, IX, CF): Confederação Nacional dos Membros do Ministério Público. 1. É certo que, na ADInMC 1.402, de 29.2.96, red. p/acórdão Maurício Corrêa, o Tribunal, na linha da jurisprudência então dominante na Casa, que desqualifica para a iniciativa da ADIn as chamadas "associações de associações", negou à CONAMP a qualificação de "entidade de classe de âmbito nacional"; no caso, a discussão seria ociosa, dado que, ao julgar, a ADIn-AgR 3153, 12.08.04, Pertence, o plenário da Corte abandonou o entendimento que exclui as entidades de classe de segundo grau do rol dos legitimados à ação direta. 2. Ademais, segundo o estatuto da CONAMP – agora Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – a qualidade de "associados efetivos" ficou adstrita às pessoas físicas integrantes da categoria, – o que basta a satisfazer a jurisprudência restritiva-, ainda que o estatuto reserve às associações afiliadas papel relevante na gestão da entidade nacional. II. ADIn: pertinência temática. Cuidando-se do processo de integração de membros do MP dos Estados na composição do Conselho Nacional do Ministério Público, é manifesta a interseção do tema da norma impugnada com os fins institucionais da representação da categoria profissional que a entidade requerente congrega. III. Conselho Nacional do Ministério Público: composição inicial (EC 45/2004, art. 5º, § 1º): densa plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade de norma atributiva de competência transitória para a hipótese de não se efetivarem a tempo, na forma do texto permanente, as indicações ou escolhas dos membros do Conselho Nacional do Ministério Público, por inobservância do processo legislativo previsto no § 2º do art. 60 da Constituição da República, dada a patente subversão do conteúdo da proposição aprovada pela Câmara dos Deputados, por força de emenda que lhe impôs o Senado, e afinal se enxertou no texto promulgado.


30. Se o Senado Federal não tivesse aprovado o texto já aprovado pela Câmara dos Deputados, sem lhe alterar o conteúdo, não haveria porque cindir a PEC 29 em duas propostas de emenda, uma primeira para ser submetida à promulgação e uma segunda (PEC 29-A) para ser devolvida à Câmara dos Deputados, de forma a ser observado exatamente o princípio da dupla votação nas duas casas do Congresso.

31. O Procurador Geral da República, na sua inicial, faz uma afirmação correta no ponto em que identifica o encaminhamento de dois textos idênticos, pelo Senado Federal, sendo um para promulgação (PEC 29) e outro para nova votação da Câmara dos Deputados (emenda, PEC 29-A). Mas se equivoca, d.v., ao concluir que a solução seria a inconstitucionalidade do texto promulgado, como se pode ver do seguinte trecho:

“11. Note-se, neste particular, que não se afigura possível que as Mesas das duas Casas legislativas resolvam desconsiderar a alteração introduzida pela CCJ do Senado no dispositivo da PEC, encaminhando à votação em segundo turno apenas parte do dispositivo cuja redação também obteve aprovação na Câmara, para dar vigência e eficácia futura a essa parte em que houve coincidência de votação. Tal procedimento implica eliminar a vontade legiferante de uma das Casas Legislativas, violando o processo legislativo previsto na Constituição, especificamente o art. 60, § 2º, a dispor: (…)”

32. Com efeito, não cogitou o Sr. Procurador Geral da República da possibilidade de que nem a Câmara dos Deputados Federais, nem o Senado Federal pretendiam excluir da competência da Justiça do Trabalho a que havia sido objeto de amplo debate e deliberação, qual seja a competência para processar e julgar as ações decorrentes de relação de trabalho que envolvem os servidores públicos estatutários.

33. A única hipótese em face da qual se poderia cogitar de ter ocorrido a violação ao art. 60, § 2º, da CF — não ocorrida, frise-se — é a de que o Senado Federal NÃO tivesse determinado o retorno da matéria pertinente à restrição da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações que envolvem os servidores públicos estatutários para nova votação na Câmara dos Deputados.

34. Veja-se, por obséquio, que é a subsistência do texto da EC 45, tal como promulgado, que permitirá atribuir alguma validade à PEC 29-A encaminhada pelo Senado Federal à Câmara dos Deputados.

35. É na PEC 29-A que está contido o texto, votado pelo Senado Federal, que restringe a competência da Justiça do Trabalho em face dos entes públicos, para excluir da sua competência outorgada pela EC 45 — em face da PEC 29 — e que ainda será objeto de votação dupla em cada uma das casas do Congresso Nacional.

36. Revela-se improcedente, assim, tanto a alegação do Procurador Geral da República, como a decisão do em. Min. Nelson Jobim e do Plenário desse eg. STF, d.v.

III – HIPÓTESE DE “CORREÇÃO DE ERRO”, PREVISTA NO REGIMENTO INTERNO DO SENADO FEDERAL, QUE LEGITIMA O TEXTO PROMULGADO, ASSIM COMO HIPÓTESE DE “EMENDA”, QUE LEGÍTIMA A EXISTÊNCIA DA PEC 29-A SUBMETIDA A NOVA VOTAÇÃO PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS.

37. Afirmou ainda o Sr. Procurador Geral da República que “dir-se-á que não há previsão de retorno à Casa iniciadora da proposta de emenda que sofre alteração na revisora como existe no processo legislativo ordinário (art. 65, parág. Único), lendo-se no enunciado que será aprovada a que obtiver “absoluta consonância na aprovação de todas as normas constantes da proposta pelas duas Casas”.”

38. Com a ressalva do devido respeito, o fato de não haver previsão no texto constitucional de “previsão de retorno à Casa iniciadora da proposta de emenda que sofre alteração na revisora como existe no processo legislativo ordinário (art. 65, parág. Único)” não implica a vedação constitucional de previsão no Regimento Internos das casas do Congresso Nacional de “previsão de retorno à Casa iniciadora da proposta de emenda que sofre alteração na revisora”, também para o processo legislativo de emenda constitucional.


39. A única vedação está no § 5º do art. 60, e se restringe a estabelecer que “a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havia por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”.

40. E é exatamente pelo fato de não existir vedação constitucional à “previsão de retorno à Casa iniciadora da proposta de emenda que sofre alteração na revisora” que o Senado Federal estabeleceu, no seu Regimento Interno, essa possibilidade, como se pode ver do art. 365, bem ainda do art. 372, que determina a observância, na tramitação da PEC das normas aplicáveis às demais proposições legislativas:

“CAPÍTULO I – DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

Art. 354. A proposta de emenda à Constituição apresentada ao Senado será discutida e votada em dois turnos, considerando-se aprovada se ob tiver, em ambos, três quintos dos votos dos membros da Casa (Const., art. 60, § 2o);

(…)

Art. 365. Aprovada, sem emendas, a proposta será remetida à Câmara dos Deputados; emendada, será encaminhada à Comissão de Constituição, Justica e Cidadania, que terá o prazo de três dias para oferecer a redação final.

Art. 366. A redação final, apresentada à Mesa, será votada, com qualquer número, independentemente de publicação.

Art. 367. Considera-se proposta nova o substitutivo da Câmara a proposta de iniciativa do Senado.

Art. 368. Na revisão do Senado à proposta da Câmara aplicar-se-ão as normas estabelecidas neste Título.

Art. 369. Quando a aprovação da proposta for ultimada no Senado, será o fato comunicado à Câmara dos Deputados e convoca da sessão para promulgação da emenda (Const., art. 60, § 3o).

Art. 370. (Revogado)

Art. 371. É vedada a apresentação de proposta que objetive alterar dispositivos sem correlação direta entre si.

Art. 372. Aplicam-se à tramitação da proposta, no que couber, as normas estabelecidas neste Regimento para as demais proposições.

Art. 373. A matéria constante de proposta de emenda à Constituição rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (Const., art. 60, § 5o).

41. Do exame do processo legislativo, o que se pode depreender é que ocorreu exatamente aquilo que está previsto no Regimento Interno do Senado Federal como sendo a hipótese de “correção de erro”, e que possui disciplina específica. Senão vejamos:

“CAPÍTULO XV – DA CORREÇÃO DE ERRO

Art. 325. Verificada a existência de erro em texto aprovado e com redação definitiva, proceder-se-á da seguinte maneira:

I – tratando-se de contradição, incoerência, prejudicialidade ou equívoco que importe em alteração do sentido do projeto, ainda não remetido à sanção ou à Câmara, o Presidente encaminhará a matéria à comissão competente para que proponha o modo de corrigir o erro, sendo a proposta examinada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania antes de submetida ao Plenário;

II – nas hipóteses do inciso I, quando a matéria tenha sido encaminhada à sanção ou à Câmara, o Presidente, após manifestação do Plenário, comunicará o fato ao Presidente da República ou à Câmara, remetendo novos autógrafos, se for o caso, ou solicitando a retificação do texto, mediante republicação da lei;

III – tratando-se de inexatidão material, devida a lapso manifesto ou erro gráfico, cuja correção não importe em alteração do sentido da matéria, o Presidente adotará as medidas especificadas no inciso II, mediante ofício à Presidência da República ou à Câmara, dando ciência do fato, posteriormente, ao Plenário.

42. Como se pode ver, na hipótese de correção de erro — que foi o caso, já que o Relator do Senado Federal afirmou que o Senado teria acolhido a proposta da Câmara, mas que ele procederia uma retificação do texto para ajustá-lo à jurisprudência do STF — não havia necessidade de devolução do texto para nova aprovação da Câmara Federal.


43. O texto devolvido para votação na Câmara Federal foi exatamente o trecho que excepcionava da Justiça do Trabalho a competência para julgar os servidores estatutários, que foi extirpada quando da promulgação.

44. Tanto o procedimento de “correção de erro” (supra, 39), como o de “devolução” em razão de “emenda”, estão previstos no Regimento Interno do Senado Federal para o procedimento legislativo da legislação ordinária, que se aplica às Emendas Constitucionais:

“CAPÍTULO I – DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

Art. 354. A proposta de emenda à Constituição apresentada ao Senado será discutida e votada em dois turnos, considerando-se aprovada se ob tiver, em ambos, três quintos dos votos dos membros da Casa (Const., art. 60, § 2o); (…)

Art. 365. Aprovada, sem emendas, a proposta será remetida à Câmara dos Deputados; emendada, será encaminhada à Comissão de Constituição, Justica e Cidadania, que terá o prazo de três dias para oferecer a redação final. (…)

Art. 369. Quando a aprovação da proposta for ultimada no Senado, será o fato comunicado à Câmara dos Deputados e convoca da sessão para promulgação da emenda (Const., art. 60, § 3o). (…)

Art. 372. Aplicam-se à tramitação da proposta, no que couber, as normas estabelecidas neste Regimento para as demais proposições.”

45. No caso sob exame, sabe-se que a Comissão de Constituição e Justiça adotou exatamente os dois procedimentos previstos no regimento: (a) um quanto ao texto votado duas vezes em cada uma das casas, que foi submetido à promulgação, pertinente à PEC 29, e (b) um quanto ao texto que foi votado apenas em primeiro turno no Senado Federal, que foi devolvido à Câmara dos Deputados para ser lá objeto de nova votação, na PEC 29-A.

46. Considerando a promulgação do texto tal como votado pela Câmara dos Deputados, não há como negar que a Comissão de Constituição e Justiça entendeu não ter ocorrido alteração de mérito em face da “correção de erro” que se operou após a primeira votação no Senado Federal e foi objeto de segunda votação.

47. Mas que houve um “erro de procedimento” quando da primeira votação no Senado Federal, isso não há dúvida, tanto assim que propiciou a adoção do rito regimental de “correção de erro”, para permitir a promulgação do texto aprovado por ambas as casas do Poder Legislativo, como também a adoção do rito de “emenda de redação” para encaminhar à Câmara dos Deputados o texto modificado pelo Senado Federal para nova votação.

48. A adoção desses procedimentos, porém, longe de macular o texto promulgado, o legitimam, d.v.

IV – ESCLARECIMENTOS PRELIMINARES QUANTO AO MÉRITO: EVENTUAIS VÍCIOS FORMAIS DA EC 45/2004 NÃO DIZEM RESPEITO À QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

49. Sustenta o Sr. Procurador Geral da República que os vícios formais relacionados à tramitação da PEC da qual se originou a EC 45/2004 levariam à conclusão de que a mens legislatoris jamais foi no sentido de atribuir a competência penal ordinária à Justiça do Trabalho.

50. Entretanto, a própria argumentação exposta pelo Procurador Geral da República demonstra que os supostos vícios formais apontados não possuem nenhuma relação com a questão específica da competência penal da Justiça do Trabalho.

51. Com efeito, o problema formal alegado restringe-se exclusivamente à parte final do inciso I, do art. 114, que fora aprovado pelo Senado em primeiro turno com a ressalva expressa de que estariam excluídos da competência da Justiça do Trabalho “os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação.”

52. Não teria ocorrido qualquer vício formal com relação à parte do texto, votado em ambas as casas do Congresso Nacional, pertinente à competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações (todas elas) decorrentes de relação de trabalho.


53. Realmente, a parte final do inciso I — que não teria sido objeto da dupla votação pelas duas casas do Congresso Nacional — dizia respeito exclusivamente à questão dos servidores públicos, motivo pelo qual é manifestamente descabida a conclusão do Procurador Geral da República de que a exclusão da referida exceção seria suficiente para afastar da competência da Justiça do Trabalho igualmente as questões de natureza penal.

54. Ademais, esse eg. Supremo Tribunal Federal já rejeitou a alegação de vÍcio formal, restando intocado o texto do art. 114, I, da CF, tal como promulgado.

V – A (NOVA) COMPETÊNCIA PENAL (CONSTITUCIONAL) DA JUSTIÇA DO TRABALHO NÃO INTERFERE NA COMPETÊNCIA (CONSTITUCIONAL) ESPECÍFICA DA JUSTIÇA FEDERAL PREVISTA NO ART. 109, VI, DA CF.

55. Mostra-se, d.v., incompreensível a argumentação desenvolvida pelo Sr. Procurador Geral da República no sentido de que, por meio do texto do inciso I, do art. 114, da CF, não se poderia transferir as competências da Justiça Federal para a Justiça do Trabalho.

56. E se mostra efetivamente incompreensível a afirmação, porque o que se discute a partir do novo texto constante do inciso I, do art. 114, da CF, não é a possível atribuição de competência para a Justiça do Trabalho julgar crimes contra a organização do trabalho – pois essa está atribuída expressamente à Justiça Federal, no art. 109, VI, da CF – e sim a atribuição de competência para a Justiça do Trabalho julgar os demais crimes contra o trabalho, os quais nunca pertenceram à Justiça Federal.

57. Nesse sentido, esse eg. STF, antes da EC 45/2004, sempre entendeu que, com a exceção dos crimes contra a organização do trabalho, todos os demais crimes inerentes às relações de trabalho seriam da competência da Justiça Estadual. O critério utilizado para tal dicotomia era o da natureza coletiva do bem jurídico tutelado, como se observa pela ementa do RE 156527 (Relator Ministro Ilmar Galvão, DJ 27.05.94):

“COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 109, VI, PRIMEIRA PARTE, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Em face do mencionado texto, são da competência da Justiça Federal tão-somente os crimes que ofendem o sistema de órgãos e institutos destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores. Acórdão que decidiu em conformidade com essa orientação. Recurso não conhecido

58. Seguindo a orientação desse eg. STF — mas antes da EC 45 –, o eg. STJ também entendia que, ressalvada a hipótese da competência da Justiça Federal, os crimes que diziam respeito a trabalhadores individualmente considerados seriam da competência da Justiça Estadual, o que se verifica do seguinte julgado (HC 36230, Relator Ministro Nilson Naves, DJ 28.11.2005):

“Crimes contra a organização do trabalho. Redução a condição análoga à de escravo/frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Competência (federal/estadual).

1. A competência é federal quando se trata de ofensa ao sistema "de órgãos e instituições que preservam coletivamente os direitos do trabalho".

2. Na hipótese, porém, de ofensa endereçada a trabalhadores individualmente considerados, a competência é estadual.

3. Precedentes do STJ.

4. Caso de competência estadual.

5. Ordem concedida de ofício, declarados nulos somente os atos decisórios. Habeas corpus substitutivo julgado prejudicado.”

59. Assim, as reformas introduzidas pela EC 45/2004 em nada comprometeram a competência da Justiça Federal.

60. Por essa razão, é irrelevante, d.v., a afirmação contida da petição inicial de que “o Senado Federal rejeitou, durante a tramitação da PEC nº 29/2000, emendas e destaques apresentados com vistas à inclusão de competência criminal à Justiça do Trabalho em relação a crimes contra a administração da justiça e contra a organização do trabalho.”

61. De fato, a referida rejeição implicou tão somente a continuidade da competência da Justiça Federal em relação aos crimes contra a organização do trabalho, em nada influindo sobre a questão dos demais crimes inerentes às relações de trabalho, que nunca foram da competência da Justiça Federal.


62. Toda a questão se resume a saber se a EC 45/2004 deslocou uma competência, que antes cabia residualmente à Justiça Estadual, para a Justiça do Trabalho.

63. Daí porque mostra-se improcedente a afirmação contida na petição inicial no sentido de que “não é razoável depreender-se uma competência de forma implícita quando a própria Constituição, de forma explícita, já estabelece qual é o órgão do Judiciário que detém jurisdição em matéria penal.”

64. Ora, com exceção dos crimes contra a organização do trabalho, não há regra explícita da Constituição a respeito dos crimes inerentes às relações de trabalho vistas sob o prisma individual.

65. Dessa forma, apenas a interpretação sistemática e finalística da EC 45/2004 pode levar à conclusão a respeito de quais órgãos seriam competentes para julgar os crimes relacionados ao trabalho naquilo que não digam respeito à própria organização do trabalho. E tal interpretação, como se verá adiante, é inequívoca no sentido de que tal competência foi atribuída à Justiça do Trabalho.

* * *

66. Não desconhece a ANPT o fato de que a questão da interpretação do art. 109, VI, da Constituição, especialmente no que se refere ao crime de redução à condição análoga de escravo, está sendo objeto de um novo exame pelo Plenário desse eg. STF, em julgamento ainda não concluído do RE 398041. Vale ressaltar o resumo que consta do Informativo nº 378, desse eg. Tribunal:

“Crime de Redução a Condição Análoga à de Escravo e Competência

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 1ª Região que declarara a incompetência absoluta da justiça federal para processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149). O Min. Joaquim Barbosa, relator, deu provimento ao recurso para anular o acórdão recorrido e determinar sua devolução ao TRF para julgamento da apelação. Entendeu que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, se enquadram na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho. Concluiu que, nesse contexto, o qual sofre influxo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, informador de todo o sistema jurídico-constitucional, a prática do crime em questão se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de competência da justiça federal (CF, art. 109, VI). Acompanharam o relator os Ministros Eros Grau, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence. Em divergência, o Min. Cezar Peluso negou provimento ao recurso, ao fundamento de que os crimes contra a organização do trabalho são aqueles que tipicamente, e tipificadamente, dizem respeito à relação do trabalho e não os que eventualmente tenham essa relação, como no crime sob análise. O Min. Carlos Velloso também negou provimento ao recurso, mantendo a jurisprudência do STF no sentido de que apenas compete à justiça federal o julgamento de crimes contra a organização do trabalho que afetem diretamente o sistema de órgãos e instituições do trabalho. Após, o Min. Gilmar Mendes pediu vista dos autos.

RE 398041/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.3.2005.(RE-398041)”

67. O debate existente no Plenário sobre a interpretação do art. 109, VI, da CF, não interfere, d.v., no julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade.

68. É que a discussão posta na ação direta de inconstitucionalidade diz respeito à competência residual relativa aos crimes inerentes às relações de trabalho, que estavam atribuídas à Justiça dos Estados, mas, agora, com a EC 45, foi outorgada à Justiça do Trabalho.


69. A competência residual extrai-se da Súmula n. 115 do extinto Tribunal Federal de Recursos, que vem sendo reafirmada tanto pelo Supremo Tribunal Federal, como pelo Superior Tribunal de Justiça, assim como pelos demais órgãos da Justiça Federal. Senão vejamos o seu texto:

"Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho quando tenham por objeto a organização geral do trabalho, ou os direitos dos trabalhadores considerados coletivamente."

70. Assim, qualquer que seja o resultado do julgamento supramencionado, ele apenas poderá restringir a competência penal da Justiça do Trabalho, conforme a maior ou menor extensão que se dê à expressão “crimes contra a organização do trabalho”, tendo em vista, repita-se, a interpretação que esse eg. STF der ao art. 109, VI, da CF.

71. Entretanto, a competência penal da Justiça do Trabalho atribuída pela EC 45 é aquela que era atribuída à Justiça Estadual, razão pela qual deverá ser preservada em tudo aquilo que não for da competência expressa da Justiça Federal.

VI – A PRETENSÃO DO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA ESTÁ ASSENTADA EM ALEGAÇÕES GENÉRICAS E INSUSTENTÁVEIS, D.V.

72. Como já esclareceu a ANPT, inexiste regra expressa da Constituição Federal tratando da competência residual para julgar os crimes inerentes às relações de trabalho.

73. Daí porque a petição inicial procura afastar a competência da Justiça do Trabalho com base em inconstitucionalidades genéricas e insustentáveis, tais como as assentadas na violação aos princípios do devido processo legal e o do juiz natural.

74. Ora, é manifestamente indefensável a tese de que, ao delegar à Justiça do Trabalho a competência criminal residual que diga respeito às relações do trabalho, o constituinte derivado violou o devido processo legal e o juiz natural.

75. Afinal, o juízo natural está sendo previamente definido na Constituição Federal e estará sujeito às mesmas regras e deveres que vinculam os juízes federais e os juízes de direito da Justiça Estadual.

76. Logo, a argumentação desenvolvida na inicial só pode ser fruto de um preconceito contra a magistratura trabalhista, como se ela ainda estivesse composta por juízes leigos (classistas), o que de resto também não afastaria a possibilidade de a Constituição Federal atribuir a ela competência criminal, como estabelece para o Júri Popular, com a participação mista de juiz togado e do cidadão.

VII – A INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E FINALÍSTICA DA EC 45/2004 É INEQUÍVOCA NO SENTIDO DE QUE FOI ATRIBUÍDA COMPETÊNCIA PENAL À JUSTIÇA DO TRABALHO

77. O ponto central defendido na ação é o de que “a Emenda Constitucional nº 45/2004, não conferiu à Justiça do Trabalho qualquer competência em matéria criminal”, a despeito de no inciso I, do art. 114, ter o legislador constituinte, expressamente, afirmado que seria da competência da Justiça do Trabalho julgar as ações decorrentes da relação de trabalho, SEM EXCEPCIONAR qualquer modalidade de ação.

78. Tal argumento não aproveita, d.v., à tese defendida na inicial, pois, se a EC 45/2004 não conferiu à Justiça do Trabalho a competência criminal residual de forma expressa, igualmente não o fazia a própria Constituição Federal, ao não atribuir à Justiça Federal ou à Justiça dos Estados essa competência criminal residual.

79. É a partir da constatação de que o texto pretérito da Constituição Federal não atribuía, quer à Justiça Federal, quer à Justiça dos Estados, a competência criminal residual, que se haverá de interpretar o novo texto constitucional, após a reforma implementada pela EC n. 45.

80. No caso, a análise sistemática e finalística da EC 45 mostra que, na parte que toca às alterações empreendidas no art. 114, a mesma não teve outra finalidade senão a de ampliar a competência da Justiça do Trabalho.


81. Afinal, além das diversas hipóteses específicas descritas nos incisos I a VIII, do art. 114, da CF, ainda subsiste a regra que atribui à Justiça do Trabalho a competência para julgar “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.” (atual inciso IX que, antes da EC 45 constava da parte final do caput do art. 114).

82. Assim, todas as matérias, aspectos e desdobramentos da relação de trabalho -– salvo as exceções contempladas na própria Constituição, como é o caso da competência especial da Justiça Federal para julgar os crimes contra a organização do trabalho – são de competência da Justiça do Trabalho, não havendo nenhuma razão que justifique a exclusão da competência criminal.

83. A ampliação da competência da Justiça do Trabalho decorre de um processo lento e precedente à própria EC 45/2004, envolvendo várias conquistas anteriores, como aconteceu em relação às ações de indenizações por danos materiais e morais relacionadas à relação ao emprego, consideradas pelo eg. STF como sendo da sua competência, ainda que sem regra expressa da Constituição, além, é claro, da extirpação dos Juízes leigos pela EC n. 24/99.

84. A EC 45/2004 somente finalizou este processo, mostrando claramente a evolução de um paradigma subjetivo, em que a Justiça do Trabalho era vista como a Justiça do Trabalhador, para um paradigma objetivo, em que a Justiça do Trabalho é vista como um todo orgânico apto a julgar as relações de trabalho em seus diversos desdobramentos.

85. A ampliação qualitativa e quantitativa da competência da Justiça do Trabalho está muito bem analisada em trabalhos desenvolvidos por eminentes magistrados e procuradores e que acompanham o presente pedido. Vale ressaltar os seguintes trechos:

a) do Juiz Guilherme Guimarães Feliciano:

“2.5. Por conseguinte, não se pode mais afirmar que a competência material da Justiça do Trabalho esteja adstrita às lides tipicamente trabalhistas, i.e., à observância/inobservância de direitos trabalhistas “stricto sensu” (artigo 7º da CRFB). A jurisprudência consolidada no âmbito dos tribunais superiores e o “telos” da Reforma do Poder Judiciário (EC n. 45/2004) demonstram, à saciedade, que a Justiça do Trabalho deixou de ser a «Justiça do trabalhador» (ou quiçá «Justiça do empregado») e passou a ser, propriamente, a Justiça do Trabalho. De uma perspectiva tuitiva “a parte subjecti” (a do trabalhador subordinado), evoluiu para uma perspectiva funcional “a parte objecti” (a do trabalho como projeção da personalidade humana), com “vis atractiva” para toda a matéria concernente ao trabalho humano de fundo consensual (elemento volitivo), com pessoalidade mínima (elemento tendencial) e caráter continuativo ou coordenado (elemento funcional).”

b) dos Juízes do Trabalho João Humberto Cesário e José Eduardo Resende Chaves Júnior, e dos Procuradores do Trabalho Marcelo José Ferlin D”Ambroso e Viviann Rodrígez Mattos:

“A ordem constitucional anterior firmava a competência trabalhista, em função da pessoa – trabalhador e empregador – não em razão da natureza da matéria. Em outras palavras, a competência da Justiça do Trabalho decorria de litígios que tivessem origem na relação de trabalho subordinado, qualificado pela condição jurídica das pessoas envolvidas: empregador e trabalhador.

Após a Emenda Constitucional n. 45/04 a situação ganhou contornos bem distintos, deixando a competência da Justiça do Trabalho de se guiar pelo aspecto subjetivo (sujeitos ou pessoas envolvidas na relação de emprego), para se orientar pelo aspecto meramente objetivo, qual seja, ações oriundas da relação de trabalho, sem qualquer referência à condição jurídica das pessoas envolvidas no litígio.

Como corolário lógico e natural da expressão da jurisdição atribuída à Justiça do Trabalho pela EC 45/04, no citado art. 114, sustentado no princípio da unidade de convicção, esta será competente tanto para a ação de natureza cível quanto para a de natureza criminal que nascem da relação de trabalho, em reverência à especialização e funcionalidade da Justiça do Trabalho.


Segundo o princípio fundamental da unidade de convicção, como anotou o Ministro Cezar Peluso no CC nº 7.204-1, “não convém que causas, com pedidos e qualificações jurídicos diversos, mas fundadas no mesmo fato histórico, sejam decididas por juízos diferentes”. Assim, se o mesmo fato tiver de ser analisado mais de uma vez, deve sê-lo pelo mesmo Juízo, por não favorecer a aplicação de justiça, “por conta dos graves riscos de decisões contraditórias, sempre inteligíveis para os jurisdicionados e depreciativas para a justiça”, a repartição ou partilhamento de competências.

86. O que os referidos pronunciamentos demonstram cabalmente é que a atribuição da competência penal residual à Justiça do Trabalho decorre da intenção da EC 45/2004 de dar unidade e racionalidade ao sistema, concentrando na Justiça do Trabalho, salvo as exceções expressas no texto constitucional, todas as demandas e ações que digam respeito às relações de trabalho.

* * *

87. Não obstante a interpretação sistemática e finalística, cumpre ressaltar que há expressa menção, no art. 114, IV, da CF, de que a Justiça do Trabalho possui competência para julgar o habeas corpus, em um claro reconhecimento de que a Justiça do Trabalho detém competência penal.

88. E nem se afirme, como faz a inicial da ação direta, que este habeas corpus previsto no inciso IV, do art. 114, apenas seria pertinente à prisão civil, não apenas porque não há qualquer indicação nesse sentido, como também porque a atribuição de competência para julgar habeas corpus pressupõe a atribuição de competência criminal.

89. Tanto assim que esse Supremo Tribunal Federal ao negar a competência para a Justiça do Trabalho julgar habeas corpus, antes da EC 45, assim o fazia sob o fundamento de que o habeas corpus constitui modalidade de ação de natureza penal, como se constata do seguinte julgado (STF, Pleno, CJ n. 6.979-DF, Rel. p/ acórdão Min. Ilmar Galvão, DJ, 26.02.93):

“CONFLITO DE JURISDIÇÃO. HABEAS CORPUS. ORDEM DE PRISÃO DE DEPOSITARIO INFIEL DADA POR JUIZ DO TRABALHO, EM PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. Sendo o habeas corpus, desenganadamente, uma ação de natureza penal, a competência para seu processamento e julgamento será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil, como no caso de infidelidade de depositario, em execução de sentença. Não possuindo a Justiça do Trabalho, onde se verificou o incidente, competência criminal, impõe-se reconhecer a competência do Tribunal Regional Federal para o feito.”

90. Após a EC 45, esse eg. Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de examinar o tema, oportunidade em que, dado o fato de que se tratava de habeas corpus contra decisão proferida em habeas corpus julgado antes da EC 45, prevaleceria como válida a decisão do STJ e inválida a decisão do TST. Mas ressalvou essa eg. Corte que, agora, tal competência passou para a Justiça do Trabalho (STF, 1a. Turma, HC , Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ. 14.10.05):

“Trabalho: coação atribuída ao Tribunal Regional do Trabalho: coexistência de acórdãos diversos para o mesmo caso, emanados de tribunais de idêntica hierarquia (STJ e TST) : validade do acórdão do STJ, no caso, dado que as impetrações foram julgadas antes da EC 45/04.

Até a edição da EC 45/04, firme a jurisprudência do Tribunal em que, sendo o habeas corpus uma ação de natureza penal, a competência para o seu julgamento “será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil, como no caso de infidelidade de depositário, em execução de sentença”; e, por isso, quando se imputa coação a Juiz do Trabalho de 1º Grau, compete ao Tribunal Regional Federal o seu julgamento, dado que a Justiça do Trabalho não possui competência criminal (v.g., CC 6.979, 15.8.91, Velloso, RTJ 111/794; HC 68.687, 2ª T., 20.8.91, Velloso, DJ 4.10.91).

91. Se o legislador constituinte não promulgou texto que contém dispositivo inútil ou inócuo — e promoveu, efetivamente, a criação de uma competência criminal para a Justiça do Trabalho — o que se pode depreender é que a “interpretação conforme” pretendida pela ação direta é que estaria implicando uma restrição indevida ao texto do referido inciso.


92. Acresce que, do ponto de vista da lógica e da adequação, nenhuma outra Justiça está melhor aparelhada do que a Justiça do Trabalho para julgar os crimes inerentes às relações de trabalho — assim como nenhum ramo do Ministério Público Federal está melhor aparelhado do que o Ministério Público do Trabalho para atuar nos crimes inerentes às relações de trabalho –, exatamente em razão do pleno domínio do tema que possuem os magistrados e os procuradores do trabalho, de forma a melhor propiciar, inclusive, o atendimento aos princípios constitucionais maiores, relacionados à proteção dos trabalhadores.

93. Não é sem razão que a análise do direito comparado, especialmente a partir do exemplo de Portugal e da Espanha, levam à conclusão de que a Justiça do Trabalho deve ter jurisdição criminal, como um consectário primordial para que cumpra a sua finalidade de tutelar as relações de trabalho em todos os seus desdobramentos.

* * *

94. Ainda nesse sentido, o exemplo da Justiça Eleitoral só reforça a idéia de que a competência penal é um componente necessário das Justiças especializadas, não precisando ser atribuída de forma expressa pela Constituição.

95. É por essa razão que, embora a Constituição não atribuía a competência criminal à Justiça Eleitoral, nunca se questionou sobre a competência desta para julgar os crimes eleitorais.

96. A questão está exemplarmente abordada no estudo realizado pelos Juízes do Trabalho João Humberto Cesário e José Eduardo Resende Chaves Júnior e pelos Procuradores do Trabalho Marcelo José Ferlin D”Ambroso e Viviann Rodrígez Mattos, do qual se extrai a seguinte parte:

“Embora a tradição tenha consagrado a visão de que a competência para a categoria jurídica «crime» deva vir explicitada na Constituição, para fins de atribuição de competência penal, não existe qualquer fundamento científico ou dogmático a amparar tal entendimento.

De fato, ao analisar-se o disposto nos arts. 118 a 121 da Constituição, neles não se lê qualquer alusão à competência criminal da Justiça Eleitoral, que, todavia, segue julgando crimes eleitorais.

Confunde-se, na verdade, desde longa data, em decorrência da existência de qualquer essencialidade técnica nos critérios de definição de competência, o princípio da legalidade, que vigora no direito penal material, para efeitos da condenação criminal, com a definição, própria do direito processual penal, do ramo judiciário encarregado de proceder ao julgamento da lide.”

97. Todas essas razões mostram claramente que, diante dos propósitos da EC 45/2004, não há como justificar a subtração da competência penal à Justiça do Trabalho, tal como sustenta o Procurador Geral da República, o que refletirá necessariamente sobre o exercício das competências dos Procuradores da Justiça do Trabalho.

VIII – PEDIDO

98. Requer a ANPT, preliminarmente, que seja deferido o seu pedido de intervenção no feito, na qualidade de amicus curiae, para o fim de que seja juntada aos autos a presente manifestação, bem como que lhe seja assegurado o direito de realizar sustentação oral no julgamento.

99. Pelo exposto restou demonstrado que:

(a) não houve vício formal na promulgação da EC 45, porque inexiste qualquer ofensa ao art. 60, § 2º, da CF;

(b) ainda que houvesse o vício formal, o art. 114, I, da CF, ele não afetaria o texto que foi aprovado e submetido à votação dupla das duas casas do Congresso Nacional, na parte em que atribuiu à Justiça do Trabalho competência para julgar todas as ações decorrentes de relação do trabalho, inclusive as ações penais;

(c) o inciso I, do art. 114, da CF, atribuiu à Justiça do Trabalho a competência criminal residual, dos crimes inerentes às relações de trabalho, que antes da EC 45 era atribuída, também de forma residual, à Justiça dos Estados, razão pela qual inexiste qualquer conflito com a regra do art. 109, VI, da CF, que atribuiu à Justiça Federal a competência para os crimes contra a organização do trabalho;

(d) o inciso IV, do art. 114, da CF, atribuiu competência à Justiça do Trabalho para julgar habeas corpus em face de ações penais;

(e) definida a competência da Justiça do Trabalho também para as ações penais, restará definida, igualmente, a competência para o Ministério Público do Trabalho exercer tais competências perante a Justiça do Trabalho, por força dos artigos 128 e 129 da própria CF.

100. Assim, requer a ANPT que essa eg. Corte julgue improcedente a ação.

Brasília, 10 de abril de 2006.

ALBERTO PAVIE RIBEIRO

(OAB-DF, nº 7.077)

 

ANA FRAZÃO

(OAB-DF, nº 12.847)

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