Defensoria adormecida

Servidor do MPF quer suspender a contração de dativos para a JF

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24 de abril de 2006, 17h20

Há 17 anos, desde a Constituição de 1988, a União está devendo ao país a implementação definitiva da Defensoria Pública da União. Durante esse tempo, o órgão vem sendo substituído pela contratação de advogados dativos. O servidor Danilo de Almeida Martins, do Ministério Público Federal, representado pelo advogado Valério Alvarenga Monteiro de Castro entrou com Ação Popular na 2ª Vara Federal do Distrito Federal contra essa contratação.

Na ação, Martins alega que já é passada a hora da implementação definitiva da Defensoria Pública da União. Ele pede antecipação de tutela para que sejam suspensas as contratações de advogados dativos no âmbito da Justiça Federal em todo país, bem como reduzidos os valores pagos aos dativos para R$ 73,16.

Segundo a ação, o custo de um defensor público da União relativo a cada assistência prestada tem o valor de R$ 73,16 enquanto que os valores pagos à advocacia dativa pelo Conselho da Justiça Federal variam de R$ 140,88 a R$ 507,17. “Assim, a cada contratação de um advogado dativo pela Justiça Federal, o prejuízo a ser considerado deve ser o total do seu custo, ou seja, de R$ 140,88 a R$ 507,17”, argumenta.

O servidor do MPF lembra que hoje existem apenas 29 núcleos da Defensoria Púbica instalados em todo o Brasil, dos quais cinco funcionam sem a presença de defensores. “A Defensoria Pública da União também está ausente na esmagadora maioria das cidades onde as Justiças Federal e do Trabalho já se instalaram, o que fere a determinação da Constituição para a prestação desse serviço público essencial, que é direito fundamental dos brasileiros e estrangeiros residentes no país.”

Martins alega que a falta da efetiva implementação da Defensoria Pública da União decorre da “inconstitucional transferência do ônus da assistência judiciária gratuita da União para o Poder Judiciário”, mediante o ato administrativo de contratação de advogados dativos no âmbito da Justiça Federal.

“Enquanto o Poder Judiciário acobertar essa imoral e vergonhosa indiferença do Estado para com o pobre, o Executivo persistirá em sua inércia e 92 milhões de brasileiros continuarão pseudo-assistidos em seus direitos.”

Leia a íntegra da ação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA ____ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA-DF

DANILO DE ALMEIDA MARTINS, brasileiro, servidor público do Ministério Público Federal, (…) com fundamento no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea ‘a’, inciso LXXIII, da Constituição da República, c/c o artigo 1º da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO POPULAR

COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

PARA A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATOS LESIVOS AO PATRIMÔNIO DA UNIÃO E À MORALIDADE ADMINISTRATIVA

em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, representada judicialmente pela Advocacia-Geral da União, que possui sede no Setor de Indústria Gráficas – Quadra 06 – Lote 800 – Palácio Alberto de Brito Pereira, CEP 70.610-460, Brasília/DF;

pelos fundamentos de fato e de direito a seguir apresentados:

1. DOS FATOS

1.1 DA OMISSÃO DA UNIÃO EM IMPLANTAR EFETIVAMENTE A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

Como é cediço, dentre os direitos e garantias fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição da República, o Acesso à Justiça, previsto nos incisos XXXV, LIV e LV, é cláusula inafastável para o exercício pleno da cidadania, sendo um de seus instrumentos, o direito à Assistência Jurídica Integral e Gratuita, disposto no inciso LXXIV do mesmo artigo 5º:


LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficência de recursos.”

Aliás, tal garantia encontra-se intimamente ligada aos princípios da isonomia e da inafastabilidade da jurisdição, vez que somente com a universalização do acesso aos jurisdicionados é que se pode, efetivamente, falar em igualdade.

De outra parte, a Defensoria Pública da União é a instituição que recebeu da Carta Política de 1988[1] a outorga de atribuições para o exercício de tal mister em face de demandas em curso na Justiça Federal, tendo sua atividade regulamentada na Lei Complementar nº 80/94.

Entretanto, nota-se que a União, há 17 anos, se recusa a cumprir devidamente o determinado pela Constituição da República. Ao revés, transfere sua obrigação a particulares por meio da contratação de advogados dativos no âmbito da Justiça Federal.

Importante se mostra, aqui, enumerar os fatos reveladores de que a União simplesmente ignora a relevância da Instituição no contexto do Estado Democrático de Direito:

1) Hoje, o número de Defensores Públicos da União é de 96 (noventa e seis), não chegando a 10% do número de unidades jurisdicionais a serem atendidas pela instituição (Tribunais e Varas na Justiça Federal, na Justiça do Trabalho, na Justiça Militar, na Justiça Eleitoral, além de todos Tribunais Superiores e instâncias administrativas federais) e a 1,8% (um vírgula oito por cento), se comparado com o número de cargos responsáveis pela Advocacia de Governo (hoje existem 6.200[2] ou 7.400 cargos das carreiras da Advocacia da União – a MP 258, de 22/07/2005, criou mais 1.200 cargos de Procurador da Fazenda Nacional); Ademais, a média é de 958 mil necessitados por Defensor Público da União, considerando-se que mais de 92 milhões de brasileiros que ganham até 2 salários-mínimos mensais, segundo dados do IBGE. (dados retirados do site da ANDPU – ANEXO II)

2) Existe um anteprojeto de Lei, de nº 08027.001098/2001-15, que tramita há 4 (quatro) anos no Ministério do Planejamento, com a previsão de serem criados 169 cargos de Defensor Público da União. Em contrapartida, em novembro de 2004, foi realizado um concurso público para provimento de cargos para Defensor Público da União, estando ainda em vigência, com candidatos aprovados que podem ser aproveitados. (ANEXO III)

3) Existe, ainda, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº. 3622) por omissão do presidente da República pela não implementação efetiva da Defensoria Pública da União (DPU), proposta pela Associação dos Defensores Públicos da União (ADPU). (ANEXO IV)

4) O Conselho Nacional de Justiça expediu ofício ao presidente da República recomendando a implantação definitiva da Defensoria Pública da União, em cumprimento ao estabelecido no artigo 134 da Constituição Federal, com aumento de cargos de defensores públicos da União e cargos administrativos, visando ao aumento da eficiência, da racionalização e da produtividade do sistema, bem como o maior acesso à Justiça. (ANEXO V)

5) Foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial para estudar a viabilidade de implantação definitiva da Defensoria Pública da União, demonstrando que a efetiva implantação da DPU irá economizar até R$ 10 milhões por ano, já que, a cada hipossuficiente que não pode ser atendido pela Defensoria Pública da União, a Justiça nomeia um defensor dativo, ao qual se paga entre R$ 140,88 e R$ 507,17. Embora os trabalhos já tenham sido concluídos e apresentados ao Governo, até agora, nenhuma providência nesse sentido foi tomada pela atual administração federal. (O relatório final está no ANEXO VI e na página da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão: http://www.pgr.mpf.gov.br/pgr/pfdc/informativos/2005/060/Anexo_Informativo%20060.PDF)


6) Também o Tribunal de Contas da União, em um Relatório de Avaliação do Programa Assistência Jurídica Integral e Gratuita, publicado no primeiro semestre deste ano, cita inobservâncias do Governo Federal. O levantamento registrou insuficiência de recursos humanos, orçamentários, financeiros e materiais que inibem o alcance dos objetivos dos programas, bem como a inadequação da estrutura da Defensoria Pública da União nos estados para o atendimento à população carente. (ANEXO VII)

Não obstante todas essas iniciativas, a inércia do Governo Federal é evidente. De todo oportuno notar que tais procedimentos, embora louváveis, não têm o condão de impor à União a efetiva implementação da Defensoria Pública da União.

Existem hoje apenas 29 núcleos da DPU instalados em todo o Brasil, cinco dos quais funcionam sem a presença de defensores. A Defensoria Pública da União também está ausente na esmagadora maioria das cidades onde as justiças Federal e do Trabalho já se instalaram, o que fere a determinação da Constituição para a prestação desse serviço público essencial, que é direito fundamental dos brasileiros e estrangeiros residentes no país.

Esse fato leva os cidadãos mais humildes a não saberem a quem recorrer, pois não há qualquer órgão para aconselhamento e promoção de seus direitos individuais quando lesados por ente federal. Nesse momento é que se tem a mais veemente negação do direito fundamental de Acesso à Justiça.

Conforme Afonso da Silva[3] "Os pobres têm acesso muito precário à justiça. Carecem de recursos para contratar bons advogados. O patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência. A Constituição tomou, a esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo, segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV). Referimo-nos à institucionalização das Defensorias Públicas, a quem incumbirá a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV (art. 134).

1.2. DO ATO LESIVO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO E À MORALIDADE ADMINISTRATIVA:

A FALTA DA EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO DECORRE DA INCONSTITUCIONAL TRANSFERÊNCIA DO ÔNUS DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA DA UNIÃO PARA O PODER JUDICIÁRIO, MEDIANTE O ATO ADMINISTRATIVO DE CONTRATAÇÃO DE ADVOGADOS DATIVOS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL.

Conforme comprova o quadro comparativo contido no ANEXO II do Relatório Final do Grupo Interministerial criado pelo Decreto de 15 de Abril de 2005 (Relatório anexado à presente Ação Popular – ANEXO VI), atualmente a Despesa Orçamentária relativa a cada Defensor Público da União por Assistido está na casa de R$ 73,16 (setenta e três reais e dezesseis centavos), quantia muito inferior ao pago à Advocacia Dativa pelo Conselho da Justiça Federal, que varia de R$ 140,88 a R$ 507,17 por processo (Resolução 281, de 15/10/2002). Importante destacar que esta ressalva relativa aos gastos da Defensoria Pública da União/Assistido encontra-se no próprio quadro comparativo, em sua nota explicativa nº 5, página 29 do Relatório.

De outro lado, existem candidatos aprovados em concurso para ingresso na carreira de Defensor Público da União realizado em novembro de 2004, os quais, se nomeados, diminuiriam ainda mais os gastos da União na prestação de Assistência Judiciária Gratuita, assim como revela a projeção feita no referido relatório, a qual contava com 280 cargos de Defensores Públicos da União já no ano de 2005.

Ressalte-se que a contratação de Advogados Dativos pela Justiça Federal, além de mais onerosa, fere sobremaneira o princípio da Moralidade Administrativa, eis que a insistência na contratação desses profissionais privados termina por subverter a forma de investidura em cargo público constitucionalmente prevista, qual seja, a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (artigo 37, inciso II, CF/88). Além disso o ato de contratar Advogados Dativos vai de encontro ao Princípio da Moralidade na medida em que, conforme ressalta o Presidente da Associação dos Defensores Públicos da União, Dr. Holden Macedo da Silva[4] Somente a assistência “judiciária” é prestada pelo mecanismo dos escritórios modelos e convênios. Os necessitados ficam sem a assistência “extrajudicial”. Mais uma vez descumpre-se a Constituição. E somente estes argumentos constitucionais não esgotam a questão. A sistemática dos convênios não atende aos interesses dos advogados (pois paga-se relativamente mal), não atende aos necessitados (pois em vários casos a defesa de seus direitos é mal feita) e não atende também à economia de recursos públicos (pois a produtividade de um advogado conveniado é muitas vezes menor do que a de um Defensor Público).


Por fim, observa-se que a contratação de Advogados Dativos nada mais é do que uma forma de o Executivo se desvencilhar de sua obrigação constitucional, transferindo o ônus da Assistência Judiciária Gratuita ao Poder Judiciário, o que não pode ser admitido. De fato, com a ausência de Defensores Públicos da União, o juiz é obrigado a nomear um advogado para defender o réu, que é pago com recursos do Poder Judiciário.

2. DO DIREITO

2.1 DO CABIMENTO DA AÇÃO E DA LEGITIMIDADE

O artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal prevê: "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".

O artigo 1º da Lei 4.717/65 dispõe “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.”

Um instrumento de defesa de interesses difusos e coletivos é a ação popular, prevista em nossa legislação infra constitucional na Lei nº 4.717, de 1965. Com a configuração que lhe deu a CF de 1988, esta ação visa a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Legitima-se como demandante o cidadão, ou seja, pessoa física que esteja no gozo dos seus direitos políticos, sendo sua comprovação realizada pela juntada de cópia do título eleitoral (ANEXO I), conforme reza o art. 1º, § 3º da Lei da Ação Popular. Admite-se não apenas pretensão anulatória do ato lesivo, mas igualmente a de tutela preventiva tendente a impedir sua prática e, ainda, se for o caso, a de tutela cautelar para suspender-lhe a execução. O autor da ação popular legitima-se como tal porque, ainda quando esteja imediatamente demandando proteção a direito titularizado em nome de determinada pessoa jurídica, no caso, o Poder Judiciário, está, na verdade, defendendo mediatamente interesses da sociedade, a quem pertencem, em última análise, os bens tutelados.

Quanto ao sujeito passivo do processo, o art. 6º da Lei 4.717/65 diz que "a ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades que se considerem lesadas em seu patrimônio, e, ainda, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, assim como contra os beneficiários diretos do ato, se houver".

A Constituição assegura no artigo 5º, inciso LXXIV que “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficência de recursos” e que a Defensoria Pública da União é a instituição que recebeu da Carta Política de 1988[5] a outorga de atribuições para o exercício de tal mister em face de demandas em curso na Justiça Federal, tendo sua atividade regulamentada na Lei Complementar nº 80/94.

2.2 DO ATO LESIVO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO

A lesividade ao patrimônio público está cabalmente comprovada, conforme estudo comparativo realizado pelo Grupo Interministerial de Trabalho instituído pelo Decreto de 15 de Abril de 2005 (ANEXO VI), que aponta um custo infinitamente menor para o Estado na contratação de Defensores Públicos da União ao invés da contratação de Advogados Dativos. Nos termos defendidos no relatório, o custo de um Defensor Público da União relativamente a cada Assistência por ele prestada tem o valor de R$ 73,16 (setenta e três reais e dezesseis centavos), enquanto que os valores pagos à Advocacia Dativa pelo Conselho da Justiça Federal variam de R$ 140,88 (cento e quarenta reais e oitenta e oito centavos) a R$ 507,17 (quinhentos e sete reais e dezessete centavos). Infere-se daí que a cada contratação de um Advogado Dativo, o Estado gasta, no mínimo, R$ 67,72 (sessenta e sete reais e setenta e dois centavos) e, no máximo R$ 434,01 (quatrocentos e trinta e quatro reais e um centavo) a mais do que seria gasto com a regular investidura no cargo de Defensores Públicos da União. Nunca é demais lembrar que, na prática, com relação ao Poder Judiciário, o prejuízo a ser considerado não deve nem mesmo descontar a parcela relativa ao custo de um Defensor Público da União, já que seu custeio não é da esfera de competência do Poder Judiciário. Assim, a cada contratação de um Advogado Dativo pela Justiça Federal, o prejuízo a ser considerado deve ser o total do seu custo, ou seja, de R$ 140,88 (cento e quarenta reais e oitenta e oito centavos) a R$ 507,17 (quinhentos e sete reais e dezessete centavos). Daí a nulidade do ato ora questionado.


2.3 DO ATO LESIVO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Por outro lado, mesmo que se ignorasse a evidente lesividade ao patrimônio público, a presente ação popular encontra fundamento autônomo na ofensa ao princípio da moralidade administrativa, assim como defendido por Rodolfo de Camargo Mancuso, para quem a moralidade administrativa é fundamento autônomo para a ação popular e “numa categoria jurídica passível de controle jurisdicional, per se”[6].

Vê-se que não importa se o ato seja formalmente legal. O que se busca aqui é tutelar a coletividade de atos materialmente comprometidos com a moralidade administrativa e o ato ora combatido, a contratação de Advogados Dativos, fere gravemente a moralidade administrativa em vários aspectos.

Um porque consiste, em última instância, em uma forma de subverter a forma de investidura em cargo público constitucionalmente prevista, qual seja, a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (artigo 37, inciso II, CF/88).

De fato, a Constituição garante que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição), incumbindo à Defensoria Pública o desempenho de tal mister (art. 134 da Constituição). O ingresso na carreira da Defensoria Pública da União se faz mediante a aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, tal como disposto no artigo 24 da Lei Complementar nº. 80/94:

“Seção I

Do Ingresso na Carreira

Art. 24. O ingresso na Carreira da Defensoria Pública da União far-se-á mediante aprovação prévia em concurso público, de âmbito nacional, de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, no cargo inicial de Defensor Público da União de 2ª Categoria.”

A seu turno, a contratação de Advogados Dativos requer, do “candidato”, os pré-requisitos de: não ter sofrido punição no exercício da profissão, não estar inadimplente com as anuidades da OAB, “ter noções básicas de direito” e “grafia correta” (cf. artigo intitulado Defensor “Dativo” ou Defensor “AD HOC”: Razões para o seu banimento do Processo Civil e do Processo Penal” do presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos da União, in http://www.justica.gov.br/defensoria/pdf/artigos/artigo_ad_hoc_rolden.pdf).

Um verdadeiro contra-senso.

Não se pode admitir que, ainda hoje, o Estado possa atribuir tal competência a particulares improvisando defensores dativos ou defensores ad hoc para prestar assistência jurídica. Da mesma forma que hoje não mais se justifica a nomeação de juízes e promotores ad hoc, o mesmo deve se dizer da Defensoria Pública, também elencada como função essencial à justiça.

Em última hipótese, poder-se-ia admitir a contratação de tais profissionais particulares apenas a título emergencial, para suprir uma excessiva demanda em um curto espaço de tempo ou em alguma cidade sede da Justiça Federal em que, por acaso, não houvesse ali um Defensor Público da União. A atuação dos Advogados Dativos deve ser SUPLETIVA à dos Defensores Públicos da União e não SUBSTITUTIVA como vem sendo feita pela União. Entretanto, contrariando os princípios da moralidade administrativa e também o da eficiência, o Estado vem se desvencilhando de sua incumbência de prestar a assistência jurídica ao necessitado de forma vergonhosa e há mais de 17 (dezessete) anos!

Como se não bastasse, a ofensa ao princípio da moralidade também se manifesta na inconstitucional transferência da competência de arcar com o ônus de prestar assistência jurídica da União para o Poder Judiciário, conforme já se aludiu nesta ação.

Enquanto o Poder Judiciário acobertar essa imoral e vergonhosa indiferença do Estado para com o pobre, o Executivo persistirá em sua inércia e 92 milhões de brasileiros continuarão pseudo-assistidos em seus direitos.


3. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A Constituição da República, em seu art. 109, trata da competência dos juízes federais:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho, e as sujeitas à Justiça Eleitoral, e à Justiça do Trabalho;

Figurando no pólo passivo da presente demanda a União Federal, é cristalina a competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente demanda.

4. DO PEDIDO

4.1. DA CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

4.1.1. DA VEROSSIMILHANÇA E DO PERIGO NA DEMORA

A verossimilhança das alegações resulta da própria narrativa até aqui expendida. Há uma situação de flagrante inconstitucionalidade, decorrente de uma omissão injustificável da União, que comprovadamente possui recursos para fazer frente às despesas com a garantia constitucional dos necessitados em receber do Estado Assistência Jurídica gratuita e qualificada, mas insiste em transferir o ônus desta garantia ao Poder Judiciário por meio da contratação de Advogados Dativos na Justiça Federal ante a inexistência de um quadro amplo de Defensores Públicos da União, ferindo sobremaneira o princípio da moralidade. A lesividade ao patrimônio público, então, está veementemente comprovada por meio dos valores referentes ao custo de um Defensor Público da União por Assistido em relação ao valor pago ao Advogado Dativo na Justiça Federal, referidos no ANEXO II do Relatório Final do Grupo Interministerial criado pelo Decreto de 15 de Abril de 2005 (Relatório anexado à presente Ação Popular – ANEXO VI).

O que se tem, aqui, é a própria evidência do direito pleiteado, e não um mero juízo de plausibilidade.

O perigo da demora também é manifesto. A negação de um direito fundamental, consagrado sem restrições pela Constituição, por si só já reclama um provimento judicial para corrigi-la o quanto antes. “Terceira dimensão do Estado de direito, pilar fundamental do Estado de direito, coroamento do Estado de direito são algumas das expressões utilizadas para salientar a importância, no Estado de direito, da existência de uma protecção jurídico-judiciária individual sem lacunas”, nas palavras de CANOTILHO[7]. A cada Advogado Dativo contratado, o gasto para o Patrimônio Público é aumentado em mais que o dobro, o que, por si só, impõe a imediata atuação do Judiciário para corrigir esse desperdício de dinheiro público.

No caso concreto o periculum in mora acentua-se, pois os lesados pela omissão estatal são pessoas em situação de extrema pobreza, impossibilitadas, material (são leigas e não possuem recursos) e formalmente (não possuem o jus postulandi), de provocar o Judiciário para fazer cessar eventual lesão ou ameaça a seus direitos. Como bem ressaltado no Relatório de Avaliação do Programa Assistência Jurídica Integral e Gratuita do Tribunal de Contas da União (ANEXO VII), a assistência jurídica integral e gratuita dos necessitados, na opinião dos magistrados da Justiça Federal, é bem mais eficaz se feita por Defensores Públicos da União do que por Advogados Dativos. Transcreve-se excerto:

Qualidade dos serviços prestados

6.12. Pelas entrevistas realizadas com os juizes federais, por um lado verificou-se que, dependendo do critério de seleção dos advogados dativos, muitos juizes não estão plenamente satisfeitos com a atuação desses profissionais, por outro, a maior parte deles, ressaltou a excelente qualidade técnica do trabalho prestado pelos defensores públicos.


6.13. Outro aspecto relatado pelos juizes, foi o baixo grau de comprometimento na condução dos processos pelos advogados dativos. Cumpre salientar que os advogados dativos só recebem seus honorários, valores fixados pela Resolução nº 281/2002, do Conselho da Justiça Federal, após o trânsito em julgado do processo.

6.14. Os juizes federais entrevistados que se manifestaram sobre a atuação dos advogados dativos, enumeraram vários fatores que influenciam no desempenho dos trabalhos desenvolvidos por estes profissionais junto à Justiça Federal:

critérios diferenciados para a seleção dos advogados dativos nas Varas e Juizados Especiais visitados, a exemplo do Rio de Janeiro/RJ e Porto Alegre/RS, uma vez que, no primeiro, há um convênio com a OAB para que esta selecione os advogados, enquanto que, no segundo, os advogados são selecionados dentre aqueles regularmente matriculados nos cursos preparatórios para a carreira da magistratura;

Os advogados dativos não dispõem das garantias e prerrogativas atribuídas aos defensores públicos da União, tais como: contagem em dobro de todos os prazos, requisição de documentos de autoridades públicas, etc.;

Falta de treinamentos para que os dativos atuem em matérias específicas, como a Previdenciária e a de Sistema Financeiro de Habitação;

6.15. Face ao que foi exposto, cabe ressaltar a opinião do Dr. Antonio José Maffezoli Leite, Presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo e membro do Comitê de Organização do Movimento pela Defensoria Pública, no artigo Defensoria Pública no Brasil e mobilização social, extraído da publicação oficial da Associação de Juizes para a Democracia nº 32, de agosto de 2004, que apresenta uma síntese do papel a ser desenvolvido pelo Estado na garantia do acesso à Justiça das pessoas carentes.

Isto tudo demonstra que somente a conscientização e a mobilização social possibilitam cobrar do Poder Público a formulação e a execução de uma política pública de qualidade. Demonstra também que a assistência jurídica às pessoas carentes vai muito além do mero fornecimento de um advogado para fazer a defesa de uma pessoa acusada criminalmente, devendo ser integral, educativa e preventiva, e que a Defensoria Pública é o órgão mais vocacionado para trabalhar pela efetivação dos direitos humanos das pessoas pobres.

Daí a necessidade de se assegurar a esses excluídos, com a maior brevidade, o que a Constituição impõe ao Poder Público sem restrições: prestar-lhes assistência jurídica integral e gratuita pelo órgão constitucionalmente atribuído de tal função.

É importante frisar que há realmente fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pois a não concessão da tutela antecipatória só fará por permitir que continuem os gastos desnecessários com a defesa dos necessitados na Justiça Federal.

4.1.2 DO PEDIDO LIMINAR

Mister, pois, a imediata concessão da tutela antecipatória, o que, desde já, e com fundamento no art. 273, I, do CPC, requer-se que:

1. o Estado suspenda, em todo o território nacional, a contratação de advogados dativos designados para atuar na esfera da Justiça Federal enquanto a União Federal não enviar o anteprojeto de lei nº 08027.001098/2001-15 para o Congresso Nacional, para que sejam criados os 169 cargos de Defensor Público da União ali previstos a fim de que se possibilite o provimento dos referidos cargos pelos candidatos aprovados no certame de novembro de 2004 e seja minorizado o problema da assistência judiciária aos hipossuficientes no âmbito da Justiça Federal.


2. como pedido liminar subsidiário, enquanto não houver o envio do referido anteprojeto de lei para o Congresso Nacional, sejam reduzidos os valores pagos aos Advogados Dativos que atuem perante a Justiça Federal em todo território nacional ao valor de R$ 73,16 (setenta e três reais e dezesseis centavos), a fim de que o Erário não mais seja onerado com tal forma de contratação.

4.2. DO PEDIDO

1. Por todo o exposto, pede seja confirmada a tutela antecipatória suspendendo-se em definitivo a contratação de advogados dativos no âmbito da Justiça Federal em todo território nacional.

2. Subsidiariamente que sejam reduzidos em definitivo os valores pagos aos Advogados Dativos que atuem perante a Justiça Federal em todo território nacional ao valor de R$ 73,16 (setenta e três reais e dezesseis centavos)

3. Seja citada a União Federal, através da Advocacia-Geral da União, órgão constitucionalmente incumbido de representar a União em juízo, para, querendo, contestar a presente ação, no prazo legal, sob pena de revelia e confissão;

4. Requer, por fim, provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especificamente documental, testemunhal e pericial.

5. Dá-se à causa, para efeitos meramente fiscais, o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Nestes termos,

Pede deferimento.

Brasília, 20 de março de 2006

___________________________________________

VALÉRIO ALVARENGA MONTEIRO DE CASTRO

OAB nº 13.398/DF

_________________________________

DANILO DE ALMEIDA MARTINS

Título de Eleitor nº 00096432020/62


[1] Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5.º, LXXIV..

Parágrafo único: Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais pare sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais".

[2] 1.280 Advogados da União


1.200 Procurador da Fazenda Nacional (ou 2.400, pois foram criados 1.200 pela MP 258/2005)

3.780 Procuradores Federais

[3] JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo, 11a. ed., Malheiros, págs. 214 e 559

[4] Defensor “Dativo” ou Defensor “AD HOC”: Razões para o seu banimento do Processo Civil e do Processo Penal in http://www.justica.gov.br/defensoria/pdf/artigos/artigo_ad_hoc_rolden.pdf

[5] Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5.º, LXXIV..

Parágrafo único: Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais pare sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais".

[6] Ação popular, São Paulo, Ed. RT, 1994, págs. 70 e 71.

[7] CANOTILHO. JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 3. ed., 1999, p. 268.

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