Prestação de contas

Correção incide a partir do momento da retenção indevida

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23 de abril de 2006, 7h00

Em caso de condenação do advogado em ação de prestação de contas, a correção monetária e os juros moratórios sobre o saldo credor devem incidir a partir do momento que deveria ter repassado ao cliente os valores recebidos, durante o cumprimento do mandato.

O entendimento é da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso do advogado José Carlos Barbuio contra acórdão que favoreceu seu cliente, o Auto Posto Ibirarema, de São Paulo.

“A prestação de contas é inerente ao instituto do mandato, sendo obrigação do mandatário prevista no Código Civil e na Lei n° 8.906/94 (Estatuto da Advocacia)”, afirma a ministra em seu voto.

O posto de gasolina entrou com ação de prestação de contas contra seu advogado alegando que este atuou como seu mandatário judicial e tinha o dever de prestar contas a respeito de valores recebidos e não repassados, durante o cumprimento do mandato.

A primeira instância julgou procedente a ação condenando o advogado a prestar contas ao posto além de condená-lo ao pagamento de R$ 455 mil, devidamente corrigido desde 22 de setembro de 1999.

Em Recurso Especial ao STJ o advogado discutia se em ação de prestação de contas é cabível ou não a incidência de correção monetária sobre o saldo credor apurado na segunda fase da ação e, em caso positivo, a partir de quando é que deverá ser computada.

O advogado alegou que o acórdão recorrido teria violado o arigo 918 do Código de Processo Civil, pois em ação de prestação de contas não se “autoriza o cômputo de correção monetária”. Disse também que ainda que fosse admitida a correção esta seria a partir do ajuizamento da ação e não a partir do momento que deveria ter repassado ao posto os valores recebidos durante o cumprimento do mandato.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, deixar de corrigir monetariamente o saldo credor “implicaria se permitir um enriquecimento sem causa daquele que recebeu valores numa data, não os repassou a quem de direito”.

A ministra afirmou que, no entanto, como o advogado não cumpriu as obrigações contratuais praticou ilícitos, razão pela qual a correção monetária deve incidir a partir do momento que deveria ter repassado ao posto os valores recebidos durante o cumprimento do mandato, nos termos da Súmula 43 do STJ.

Infração disciplinar

Nancy Andrighi também concluiu que além de ter praticado ilícitos contratuais, o advogado não observou o disposto no artigo 34, XXI, do Estatuto da Advocacia, onde constitui infração disciplinar “recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele”.

Dessa forma a ministra determinou a expedição de cópia dos autos ao Tribunal de Ética e Disciplina da seccional paulista da OAB para apuração de eventual infração ética pelo advogado.

Leia o voto da ministra

RECURSO ESPECIAL Nº 687.101 – SP (2004/0145679-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: JOSÉ CARLOS BARBUIO

ADVOGADO: ANTÔNIO JOSÉ NEAIME E OUTROS

RECORRIDO: AUTO POSTO IBIRAREMA LTDA

ADVOGADO: ARLEY LOBÃO ANTUNES E OUTROS

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. MANDATO. ADVOGADO. OBRIGATORIEDADE. SALDO CREDOR APURADO NA SEGUNDA FASE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. INCIDÊNCIA ARTS. 1.301 E 1.303, DO CÓDIGO CIVIL/1916. SÚMULA 43/STJ.

– A prestação de contas é inerente ao instituto do mandato, sendo obrigação do mandatário prevista no Código Civil e na Lei n.° 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

– Comete ilícitos contratuais o mandatário que não presta contas ao mandante e não lhe entrega o que recebeu em nome desse. Exegese dos arts. 1.301 e 1.303, ambos do Código Civil/1916

– Se o advogado não presta contas ao cliente por quantias recebidas no processo e é condenado em ação de prestação de contas, a correção monetária e os juros moratórios sobre o saldo credor devem incidir a partir do momento que deveria ter repassado ao cliente os valores recebidos durante o cumprimento do mandato. Incidência da Súmula n.° 43 do STJ e do art. 1.303 do Código Civil/1916.

– Incide correção monetária em todos os débitos judiciais, inclusive sobre o saldo credor apurado em sentença da segunda fase de ação de prestação de contas.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.


Brasília (DF), 06 de abril de 2006 (data do julgamento).

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Recurso especial interposto por José Carlos Barbuio, com arrimo nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo extinto 2.º TAC/SP.

Ação:de prestação de contas, movida por Auto Posto Ibirarema Ltda, ora recorrido, em face do ora recorrente, sob o fundamento de que esse atuou como mandatário judicial (advogado) do recorrido e por isso tinha o dever de prestar contas a respeito de valores recebidos e não repassados ao constituinte, durante o cumprimento do mandato.

Sentença: julgou procedente a ação; na primeira fase, condenou o recorrente a prestar contas ao ora recorrido; e na segunda fase, declarou em favor do recorrido um saldo credor de R$ 455.432,49 (quatrocentos e cinqüenta e cinco mil, quatrocentos e trinta e dois reais e quarenta e nove centavos) devidamente corrigido desde 22 de setembro de 1999 (fls. 1.231).

Acórdão: deu parcial provimento à apelação do ora recorrente, alterando a sentença apenas quanto aos honorários de sucumbência, ficando assim ementado:

“PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – PROVA PERICIAL – ESCLARECIMENTO DO PERITO JUDICIAL – OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 435 DO CPC – NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA.

‘Os esclarecimentos do perito judicial devem ser pleiteados em conformidade com o que dispõe o artigo 435, do CPC, sobretudo quando já transitou em julgado a decisão que declarou encerrada a instrução e designou audiência de instrução e julgamento. Nesta hipótese, o requerimento de conversão do julgamento em diligências implica em reabrir a fase probatória já ultimada e acobertada pela preclusão’.

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – SALDO CREDOR – CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA A PARTIR DA RETENÇÃO INDEVIDA.

‘A correção monetária representa singela recomposição do valor e poder aquisitivo da moeda. Assim, deve incidir a partir do momento em que o devedor incidiu em mora, isto é, deixou de repassar ao seu credor, pois, de outro modo, o inadimplente será beneficiado por enriquecimento ilícito’.

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PREVALÊNCIA DA ÚLTIMA CONDENAÇÃO NA HIPÓTESE DE SUCUMBÊNCIA DO MESMO LITIGANTE NAS DUAS FASES.

‘Quando o mesmo litigante sucumbe nas duas fases da ação de prestação de contas, deve preponderar, de forma majorada, os honorários advocatícios arbitrados na segunda fase, em substituição ao que foi arbitrado na primeira fase, em face da unicidade da lide’.” (fls. 1.230/1.231)

Embargos de declaração: não foram opostos.

Recurso especial: alega violação, em síntese, aos artigos:

a) 918 do CPC, pois “a cognição da via de prestação de contas não autoriza o cômputo de correção monetária. Tais valores devem ser relegados à eventual discussão em pleito executório.”(fls. 1.252); e

b) 1.°, § 2.° da Lei n.° 6.899/81, pois se admitida a correção monetária na ação de prestação de contas, o se cômputo é a partir do ajuizamento da ação e não a partir do momento que deveria ter repassado ao recorrido os valores recebidos durante o cumprimento do mandato.

Alega, ainda, haver dissídio jurisprudencial sobre esses artigos.

Prévio juízo de admissibilidade: Após contra-razões, foi o especial inadmitido na origem.

Para melhor exame da controvérsia posta nos autos, dei provimento ao agravo de instrumento n.° 588.664/SP, determinando a subida do recurso especial a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a discussão em saber se em ação de prestação de contas é cabível ou não a incidência de correção monetária sobre o saldo credor apurado na segunda fase da ação e, em caso positivo, a partir de quando é que deverá ser computada.

a) Da alegada violação aos arts. 918 do CPC e 1.°, § 2.° da Lei n.° 6.899/81.

O acórdão recorrido afirmou que “O artigo 918, do CPC, por outro lado, não veda a incidência da correção monetária, pois estabelece que a sentença deve declarar o ‘saldo’. E, não teria sentido inadmitir a correção monetária.” (fls. 1.238/1.239).

Alega o recorrente que o acórdão recorrido teria violado o art. 918 do CPC, pois em ação de prestação de contas não se “autoriza o cômputo de correção monetária” (fls. 1.252); e, ainda que fosse admitida, o se cômputo seria a partir do ajuizamento da ação e não a partir do momento que deveria ter repassado ao recorrido os valores recebidos durante o cumprimento do mandato, razão pela qual o acórdão recorrido teria violado também o art. 1.°, § 2.° da Lei n.° 6.899/81.


Não tem fundamento algum a alegação do recorrente de que o art. 918 do CPC veda a incidência de correção monetária sobre o saldo credor apurado na segunda fase da ação.

Com efeito, primeiro, porque isto não está disposto no referido artigo, cuja redação é a seguinte: “O saldo credor declarado na sentença poderá ser cobrado em execução forçada.”; e, segundo, porque “A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça está orientada no sentido de estender a correção monetária a todos os débitos, seja de que natureza forem, no que diz respeito àqueles resultantes de decisão judicial, com a edição da Lei nº 6.899/81.” (REsp n.° 9.782/RS, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 24.06.1991).

Portanto, se a sentença proferida na segunda fase da ação de prestação de contas declara um saldo credor, cria um débito judicial no qual deve incidir a correção monetária, que nada acrescenta ao débito e tão-somente preserva o valor da moeda aviltada pelo processo inflacionário. Deixar-se de corrigir monetariamente o saldo credor implicaria em se permitir um enriquecimento sem causa daquele que recebeu valores numa data, não os repassou a quem de direito e só posteriormente prestou contas judicialmente e acabou condenado a pagar aquilo que já deveria ter entregue muito tem antes.

Quanto ao momento de incidência da correção monetária, por seu turno, de se notar que a relação jurídica que deu causa à ação de prestação de contas foi um contrato de mandato ad judicia, razão pela qual incidem na espécie o disposto nos arts. 1.301 e 1.303, ambos do Código Civil/1916, e na Súmula n.° 43 do STJ.

Com efeito, da leitura do acórdão recorrido extrai-se que o recorrente foi contratado pelo recorrido para impetrar mandado de segurança “perante a Justiça Federal, concernentes aos valores retidos por companhias distribuidoras de derivados de petróleo quando da venda de produtos, referentes ao PIS-faturamento e ao Finsocial, sob alegação que tais numerários não lhe foram repassados e os que foram esporadicamente não estavam corrigidos monetariamente.” (fls. 1.233)

Nessa linha de entendimento, se o recorrente levantou valores em nome do recorrido deveria tê-los entregado a ele logo após os levantamentos e não aguardar que fosse ajuizada a ação de prestação de contas e apurado o saldo credor, muito tempo depois do término do mandato. A este respeito, Orlando Gomes afirma que: “Concluída sua atividade, o mandatário tem obrigação de dar contas ao mandante, respondendo pelos prejuízos a que der causa por sua culpa. Deve-lhe transferir vantagens obtidas e os proveitos granjeados. Cabe-lhe entregar, pois, o que recebeu, devolver o que não gastou.” (Contratos, 5.ª ed., 1975, Editora Forense: Rio de Janeiro, pp. 414/ 415).

No entanto, como o recorrente não cumpriu essas obrigações contratuais, praticou ilícitos, razão pela qual a correção monetária deve incidir a partir do momento que deveria ter repassado ao recorrido os valores recebidos durante o cumprimento do mandato, nos termos da Súmula n.° 43 do STJ.

Realmente, o recorrente praticou dois atos ilícitos decorrentes do descumprimento de duas obrigações contratuais que assumiu na qualidade mandatário do recorrido, quais sejam, não prestou contas (cfr. 1.301 do Código Civil/1916) e não entregou tudo que recebeu em nome do recorrido (cfr. 1.303, do Código Civil/1916). O recorrido sofreu prejuízo no momento que o recorrente deixou de repassar-lhe o que era seu de direito.

Por conseqüência, a correção monetária e os juros moratórios devem incidir a partir do momento que o recorrente deveria ter repassado ao recorrido os valores recebidos durante o cumprimento do mandato. Aliás, nesse sentido são os seguintes precedentes da Turma: REsp n.° 66.619/MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 13.09.1999 e REsp n.° 95.141/MG, também de relatoria do Min. Zveiter, DJ 13.09.1999)

Diante disso, não há que se falar em violação aos arts. 914 e 1.016, § 2.°, ambos do CPC.

Por fim de se notar que além de ter praticado ilícitos contratuais, o recorrente, na qualidade de advogado do recorrido, pelo menos à primeira vista, não observou o disposto no artigo 34, XXI, da Lei n.º 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), que afirma que constitui infração disciplinar “recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele”, o que faz incidir o disposto no art. 37 do mesmo Estatuto.

b)Do dissídio jurisprudencial.

Relativamente à pretensão calcada na alínea “c”, do permissivo constitucional, tem-se que o acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência desta Turma, razão pela qual, obsta a pretensão do recorrente, a incidência, na hipótese, da Súmula n.° 83 desta Corte.

Forte em tais razões, não CONHEÇO do recurso especial e determino a expedição de cópia dos autos ao Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo, para apuração de eventual infração ética pelo recorrente.

É como voto.

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