A alma do negócio

Especialistas dizem que Lula faz, sim, propaganda antecipada

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22 de abril de 2006, 7h00

A democracia é um aprendizado permanente. Tanto mais se ela tem pouco mais de vinte anos. E os jovens, nessa idade, todos sabem como são: acham que sabem tudo quando a coisa não é bem assim.

Este ano o país fará a quinta eleição direta para presidente de sua era moderna. E na esteira de uma tsunami de acusações de irregularidades eleitorais. São muitos e enormes os problemas divisados pelos brasileiros – e por quem mais quiser observar. Mas o que mais impressiona observadores e choca o próprio Judiciário é a desenvoltura do presidente da República em capitalizar as atenções do eleitorado antes da abertura da temporada eleitoral. Os demais partidos mais ainda, claro.

Neste ano, o Tribunal Superior Eleitoral já recebeu mais de uma dúzia de representações contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – a maioria ajuizada pelo PSDB. A reclamação é comum: Lula usa das prerrogativas do cargo para se promover eleitoralmente. E até julho, quando o candidato fica proibido de participar de uma série de atos oficiais, a Justiça Eleitoral deve receber outras tantas representações.

O argumento da oposição é simples: se o presidente tem o direito de se manifestar publicamente e o dever de prestar contas de seu governo à população, por outro lado não pode usar a estrutura ou os eventos oficiais para fazer propaganda eleitoral antecipada.

A tarefa de definir o que é eleitoral e o que é oficial nessa questão não é fácil. As regras determinam que, quem faz propaganda eleitoral antecipada deve responder por ela junto com seu partido. Num recente julgamento, contudo, o TSE decidiu que o advogado-geral da União pode defender o presidente em processos eleitorais enquanto ele não se registra como candidato. Um ministro, pelo menos, discordou. “E se o presidente for multado por fazer campanha extemporânea, quem paga? Nós?”, pergunta Marco Aurélio Mello, um dos juízes incumbidos da análise das representações contra o presidente.

Especialistas em Direito Eleitoral concordam num ponto: o candidato que ocupa o posto de chefe do Executivo tem uma espécie de mais-valia e pode se beneficiar se não houver controle intenso de seus atos. “A linha que separa a propaganda eleitoral antecipada da prestação de contas é muito tênue, e a definição do que é ou não propaganda também é muito subjetiva”, afirma o advogado Eduardo Nobre.

Fato consumado

Para o ministro Marco Aurélio, “o dia-a-dia confirma que a regra de permanência no cargo é perniciosa, porque as distorções ocorrem em todos os níveis de poder. É de se pensar na necessidade da licença”. Mas, mais do que uma questão de afastamento ou não do cargo, o problema seria cultural. “Nos Estados Unidos, por exemplo, os candidatos têm uma fidelidade maior às regras. No Brasil ainda se confere um peso muito grande para o fato consumado, mesmo que calcado no desvio de conduta. E isso dá margem para os abusos.”

O advogado Arnaldo Malheiros concorda: “Por já fazer parte da tradição na democracia dos EUA, os candidatos convivem melhor com as regras da reeleição”. Para Eduardo Nobre, além da tradição, faltou também ao Brasil criar, junto com a emenda da reeleição, “mecanismos necessários para evitar a situação que hoje se presencia”.

No julgamento de uma das representações contra Lula, os ministros entenderam que o fato de o presidente enaltecer realizações de seu mandato sem mencionar candidatura ou pleito não caracteriza propaganda. A decisão foi unânime.

Contudo, a tese que beneficiou o presidente pode complicar sua situação quando os ministros se debruçarem sobre a reclamação do PSDB de que Lula fez campanha antecipada em Parnaíba, na cerimônia de anúncio do programa de interiorização da Universidade Federal do Piauí. Na mesma ocasião em que disse que o homem público faz campanha 365 dias por ano, o presidente prometeu: “a partir de 2007, nós vamos começar a criar biomedicina, fisioterapia, psicologia e licenciatura em matemática, com 100 vagas cada um”.

Caberá ao TSE definir a questão, mas especialistas concordam que, ao prometer realizar programas em 2007, o presidente escorregou e fez propaganda eleitoral. “Falar sobre programas que serão concluídos depois do término do primeiro mandato caracteriza propaganda antecipada”, afirma Eduardo Nobre. “A partir do momento em que o presidente fala em 2007 o discurso ganha cunho eleitoral, porque ele se declarou candidato”, opina Malheiros.

A discussão em torno do suposto uso da máquina administrativa pelo presidente Lula teve seu auge com recente propaganda da Caixa Econômica Federal. Na peça, uma pessoa pergunta sobre o orçamento da habitação e o vice-presidente da CEF responde: “O anúncio do presidente Lula reserva R$ 19 bilhões para a habitação. Vai atender 600 mil famílias. É o maior recurso dos últimos doze anos”.

A opinião comum é de que a peça publicitária feriu o princípio da impessoalidade esculpido na Constituição Federal (parágrafo 1o, artigo 37), segundo o qual “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.

Para Arnaldo Malheiros, ainda que Lula não fosse candidato estaria caracterizada promoção pessoal. “Seja ou não propaganda eleitoral antecipada, é acima de tudo propaganda institucional ilegal.”

O mais grave, lamenta o ministro Marco Aurélio, é o exemplo. Se o presidente da República pode fazer o que faz, diz ele, “todos os candidatos a prefeito, a governador e a outros postos vão seguir pelo mesmo caminho”.

*Texto originalmente publicado na revista Update, da Câmara Americana de Comércio.

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