Direito de imagem

SBT é condenado por violar imagem de oficial de Justiça

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21 de abril de 2006, 7h00

O SBT — Sistema Brasileiro de Televisão foi condenado a indenizar o oficial de Justiça Ronaldo Melão em R$ 30 mil, por danos morais, por violação do direito de imagem. A decisão é do juiz João Carlos Calmon Ribeiro, da 17ª Vara Cível de São Paulo. Cabe recurso.

Segundo os autos, Ronaldo Melão foi até a sede de emissora para levar uma ordem judicial que proibia a emissora de transmitir jogos do Campeonato Paulista de 2003. Um dos jornalistas que fazia parte do quadro do programa exibido pela jornalista Sônia Abrão abordou o oficial de Justiça, ao vivo, e insistiu em exibir sua imagem sem a sua autorização expressa.

Na ação de indenização, Ronaldo Melão alegou que a emissora praticou “auto-tutela, influenciado no ato processual em favor dos seus próprios interesses”. O SBT contestou o argumento. Disse que “não praticou ato ilícito, exercendo livremente o direito de informar e que todo o “dramalhão” descrito na petição inicial não condiz com a reportagem.”

O juiz não acolheu o argumento. “Os meios de comunicação não podem nunca utilizar o direito sagrado de informação para justificar os seus próprios interesses”, entendeu. De acordo com o juiz, embora “o laudo não apresente as imagens do autor sendo abordado de frente pelo repórter da ré, fica patenteado pela transcrição dos comentários da repórter-âncora o induzimento para que o autor, no regular exercício de suas funções como oficial de justiça, fosse impedido de cumprir a ordem judicial, gerando mais confusão e, o que é pior, utilizando o meio de comunicação em causa própria.”

Está “patente o abuso do direito de informar e também da utilização de meios intimidatórios na exposição indevida da pessoa do autor, como se ele fosse o culpado pela confusão”, reconheceu o juiz João Carlos Calmon Ribeiro.

Leia a íntegra da decisão

Processo Nº 583.00.2003.025718-8

Texto integral da Sentença

Vistos. RONALDO MELÃO ajuizou a presente ação de indenização por dano moral em face da TVSBT CANAL 4 DE SÃO PAULO S/A, alegando, em síntese, que, na condição de Oficial de Justiça, e em cumprimento a mandado judicial, teria sido abordado por repórter de programa jornalístico da ré que insistiu em exibir a sua imagem sem a sua autorização expressa, colocando o microfone da emissora em riste próximo ao seu rosto.

Com isso, segundo o autor, a ré teria praticado auto-tutela, influenciando no ato processual em favor dos seus próprios interesses, daí porque socorre-se da presente demanda para pleitear a condenação da ré no pagamento de indenização em decorrência da violação ao direito de imagem.

Regularmente citada (fls.54), a ré ofereceu contestação (fls. 56/77), instruída com documentos (fls. 79/99), argüindo, preliminarmente, ausência de pressuposto processual válido, uma vez que inexiste notificação premonitória prevista no artigo 57 da Lei de Imprensa, e, no mérito, sustentando a aplicação da referida Lei, pugna pela improcedência da ação, discorrendo sobre o conteúdo da ordem judicial que padecia de dúvidas quanto a sua autenticidade e certeza.

Argumenta, ainda, que não praticou ato ilícito, exercendo livremente o direito de informar e que todo o “dramalhão” descrito na petição inicial não condiz com a reportagem. Impugna, também, a pretensão de indenização para ressarcimento dos danos morais que carece de comprovação, não se tratando do denominado dano “in re ipsa” e invoca para tanto o artigo 944 do Código Civil. Subsidiariamente pugna pela necessidade de tarifação para fins de arbitramento do dano moral, propugnando pela improcedência do pedido, caso não acolhida a preliminar.

O autor se manifestou em réplica (fls.102/110), seguindo-se a especificação de provas (fls.122/123 e 125), sendo o feito saneado (fls. 149/149vº), deferindo-se a produção de prova pericial, consubstanciada no laudo de fls. 223/247. A instrução foi encerrada e os debates foram substituídos pela apresentação de memoriais (fls. 288/294 e 296/300). É o relatório. DECIDO. Cuida-se de ação de indenização por dano moral fundada na violação do direito de imagem do autor.

Observo que a insistência da ré em ver aplicada a Lei de Imprensa não encontra guarida, na medida em que esta vetusta Lei, em razão das regras contidas no atual Código Civil, no que tange ao ato ilícito e suas conseqüências no campo da indenização, a par do que a Constituição Federal de 1988 já resguardava quanto à possibilidade de indenização para ressarcimento dos danos morais, não pode ser aplicada, na medida em que isto redundaria em tarifação de eventual indenização, reconhecimento de prescrição que na verdade é regulada pelo disposto no artigo 206, parágrafo, 3º, V, do Código Civil.

Aliás, a prevalecer a tese da ré, estar-se-ia prestigiando um regime jurídico incompatível com as atuais regras que definem o ato ilícito em geral, não se podendo fazer distinção de uma ofensa pelo meio em que é difundido se isto diminui o direito do ofendido de buscar uma justa reparação. Em suma: aplica-se o regime jurídico previsto no vigente Código Civil como fundamento de direito da pretensão deduzida pelo autor.

Ultrapassada a fase instrutória, dela foi possível extrair que o pedido é procedente. Com efeito, a prova pericial, que consistiu em degravação de parte do programa televisivo ancorado pela apresentadora Sônia Abrão, é conclusiva quanto a exposição do autor na reportagem relacionada ao cumprimento da ordem judicial que impedia a ré de veicular o Campeonato Paulista de Futebol (vide resposta ao quesito V a fls. 246).

Conquanto o laudo não apresente as imagens do autor sendo abordado de frente pelo repórter da ré, fica patenteado pela transcrição dos comentários da repórter-âncora o induzimento para que o autor, no regular exercício de suas funções como oficial de justiça, fosse impedido de cumprir a ordem judicial, gerando mais confusão e, o que é pior, utilizando o meio de comunicação em causa própria (confiram-se as fotos de fls. 242/244, em especial a primeira foto em que o autor está de costas e há aparentemente alguém com a mão perto do seu rosto, presumindo que empunhasse um microfone).

A transcrição de parte dos comentários da repórter-âncora mostra-se pertinente, pois falam por si mesmos e revelam de maneira clara a intenção de diminuir ou dificultar o cumprimento de ordem judicial, expondo o oficial de justiça a uma situação que poderia ter sido evitada. A repórter-âncora a fls. 229 faz proselitismo quanto ao direito de sua emissora de transmitir o Campeonato Paulista de Futebol. Informa à sua audiência que a justiça deu ganho de causa ao SBT quanto a transmissão exclusiva e lamenta quanto a situação tão desagradável e tensa, referindo-se evidentemente ao cumprimento da ordem judicial.

Ao final dessa parte de transcrição do programa a repórter-âncora diz: “Que é isso! Olha gente, tem um oficial de justiça querendo que seja válida a decisão, a liminar que a Globo ganhou em primeira instância”, para em seguida já a fls. 230 insistir que o direito de transmissão exclusiva era do SBT, concluindo em seu comentário evidentemente tendencioso “É lamentável esse tipo de atitude, é triste para a história da televisão brasileira, não é? É, que coisa!”. Em seguida a repórter-âncora chega a manter diálogo com um comandante de helicóptero que sobrevoa o local para depois falar com o advogado do SBT no local identificado como Dr. Marcelo na foto de fls. 237, vindo deste a conduta ilícita, consistente em obstruir o cumprimento da ordem, pois segundo o advogado “(…) só que o que é que acontece (sic), os oficiais de justiça querem por que querem cumprir! E eles não podem, por uma série de motivos.”

Após a repórter-âncora falar com o presidente da Federação Paulista de Futebol termina por insistir que a transmissão do Campeonato Paulista era do SBT. Nítido que o repórter do SBT ao abordar o autor que estava exercendo suas funções profissionais deu causa não só a expor a imagem deste e também do Poder Judiciário a uma situação de questionamento acintoso e de afronta, que não era lícito dele exigir e nem tampouco ele representava a instância para revogação daquela ordem.

Se a ré tinha ou não o direito a transmitir o Campeonato Paulista de Futebol, não vem ao caso. O que ocorreu na esfera da imagem e dignidade do autor foi justamente a exposição de sua figura, diminuição de suas funções por meio de atuação da ré, em causa própria. Patente o abuso do direito de informar e também da utilização de meios intimidatórios na exposição indevida da pessoa do autor, como se ele fosse o culpado pela confusão gerada pela ré e por usa emissora concorrente.

Os meios de comunicação não podem nunca utilizar o direito sagrado de informação para justificar os seus próprios interesses, agravando mais a conduta do ilícito quando expõe pessoas que apenas têm a incumbência funcional de cumprir as ordens. É evidente que o autor sentiu-se intimidado e humilhado e esta situação por si só configura o denominado dano moral “in re ipsa”, dispensando qualquer repercussão danosa.

O dever de indenizar, portanto, se impõe. Busca-se na fixação de indenização para reparação do dano moral um valor de desestímulo, mas que não sirva de fonte de enriquecimento sem causa e, por isso, baseia-se nos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, para externar o conceito aberto do denominado “prudente arbítrio” do juiz.

Na espécie, levando em consideração tais critérios e em especial a gravidade da atuação da ré, por meio de seus prepostos (rectius: repórter local e repórter-âncora), fixo a indenização para ressarcimento dos danos morais em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), observada a correção monetária, desde o ajuizamento da ação e juros de 1% ao mês desde a citação, a fim também de que não venha a repetir tais expedientes.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com o fim de condenar a ré a pagar ao autor a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), corrigida monetariamente desde o ajuizamento da ação e acrescida de juros de 1% ao mês desde a citação. Em razão da sucumbência arcará a ré com as custas, despesas processuais e verba honorária fixada em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. P.R.I. São Paulo, 30 de março de 2006 JOÃO CARLOS CALMON RIBEIRO Juiz de Direito

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