Direitos do trabalhador

Entrevista: ministro Ronaldo Lopes Leal

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21 de abril de 2006, 7h00

Aos 69 anos, o ministro Ronaldo Lopes Leal assumiu a presidência do Tribunal Superior do Trabalho, nesta segunda-feira (17/4). A menos que haja alterações na legislação, ficará no cargo até fevereiro, quando completa a idade limite de 70 anos, para servidores públicos. “Devemos trabalhar como se fossemos viver eternamente”, diz ele que, em privado, lamenta a aposentadoria compulsória em menos de um ano. Na prática, está enfrentando a contrariedade com uma extraordinária disposição para concretizar os muitos planos que tem para a Justiça do Trabalho.

Segundo Leal, os dois grandes problemas da Justiça Trabalhista brasileira são: a fase de execução e o próprio TST, que sobrecarregado com a grande quantidade de processos, deixa de exercer a sua obrigação constitucional de uniformizar a jurisprudência. Com um programa de computador numa mão e uma resolução na outra, o novo presidente tem idéias muito claras para descongestionar tanto a fase de execução dos processos quanto o próprio acumulo de ações no TST.

Nesta entrevista concedida por telefone à Consultor Jurídico o presidente do TST falou também da reforma trabalhista e sindical, de flexibilização da legislação, de informalidade do emprego e da ampliação das competências da Justiça do Trabalho. “Pode-se mudar a lei, desde que não se retirem os direitos dos trabalhadores garantidos pela Constituição”, ele diz.

Ronaldo Leal graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi juiz do trabalho e presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). É ministro do Tribunal Superior do Trabalho desde dezembro de 1995. Tornou-se corregedor-geral de Justiça do Trabalho em 10 de abril de 2002 e em 13 de abril de 2004 passou a ser vice-presidente do TST até tomar posse como presidente nesta segunda-feira.

Leia a íntegra da entrevista:

ConJur — O que o senhor acha das propostas de Reforma Trabalhista e Sindical?

Ronaldo Leal — Com relação à Reforma Trabalhista, temos uma Constituição rígida que garante os direitos básicos e fundamentais dos trabalhadores e que não podem ser modificados. No Brasil não se pode ampliar ou diminuir os direitos trabalhistas em função de conjunturas econômicas. Já medidas previstas na CLT estão sujeitas a modificações, desde que não implique retirar direitos dos trabalhadores porque a Constituição não permite. Com relação à Reforma Sindical, a proposta ainda está bem complicada e do jeito que está caminhando é melhor que não exista reforma nenhuma. A reforma quer dar um poder aos sindicatos que não seria compatível com a realidade sindical brasileira.

ConJur — A CLT precisa de reformas?

Ronaldo Leal — A CLT precisa passar por uma modernização, mas isso não significa retirar direitos dos trabalhadores. Não é viável uma flexibilização dos direitos dos trabalhadores no Brasil porque a Constituição garante a permanência desses direitos. Mesmo a modernização da CLT não precisa ser uma prioridade. Normas obsoletas que existem na CLT simplesmente deixam de ser aplicadas.

ConJur — Com a emenda 45 e a nova competência da Justiça Trabalhista, processos de outros tribunais estão sendo encaminhados para a Justiça do trabalho. Muitos processos já foram encaminhados? O TST está preparado para analisar essas questões e para receber essa demanda?

Ronaldo Leal — A Justiça do trabalho por enquanto não está assustada com a quantidade de processos que estão chegando de outros tribunais. Da mesma maneira que a Justiça Trabalhista está preparada para julgar questões que envolvem o trabalhador regido pela CLT, pode julgar casos de empresas de natureza mais autônoma já que o trabalhador continua sendo subordinado ao patrão.

ConJur — Como a Justiça do Trabalho pretende enfrentar o problema do emprego informal?

Ronaldo Leal — O trabalho informal deve diminuir bastante com a ampliação da competência da Justiça Trabalhista pela Emenda 45 de 2005, já que o trabalho informal passou a ser julgado pela Justiça do Trabalho. Por isso, as empresas que tinham o receio de serem acionadas pela Justiça Trabalhista e contratavam o trabalhador informalmente não terão mais como escapar das suas obrigações trabalhistas.

ConJur — Uma das críticas em relação à Justiça do Trabalho está nos valores discrepantes estipulados como indenização por dano moral. O senhor pretende fazer alguma coisa em relação a isso?

Ronaldo Leal — Só a jurisprudência poderá resolver esse problema. Mas essa questão não é enfrentada só pela Justiça do Trabalho, também existem casos de valores destoantes de indenização por danos morais na Justiça Comum. Esse problema ocorre porque o valor estipulado para indenização por danos morais acaba sendo subjetivo e isso só será resolvido com a formação de jurisprudência.

ConJur — O senhor disse que um dos problemas da Justiça do Trabalho é a execução. Que tipo de solução o senhor propõe?

Ronaldo Leal — O TST está investindo em um programa chamado Cálculo Rápido que irá permitir que uma sentença de primeiro grau já possa sair líquida, com valores calculados. Esse cálculo poderá ser revisto usando o mesmo programa nos tribunais regionais se o juiz alterar a decisão e a condenação. Quando a decisão transitar em julgado, já se poderá saber qual é o valor da condenação e não haverá mais uma fase de liquidação da sentença. Nesse momento, o trabalhador já vai fazer a constrição dos bens do devedor e se o devedor não pagar pode-se aplicar o sistema Bacen-Jud. Para que tudo isso aconteça, basta apenas promover uma mudança de cultura nos tribunais para implementar o programa. Esse processo para implantar o sistema na Justiça do Trabalho deve demorar de um a dois anos no mínimo, mas trará uma agilidade enorme para a Justiça Trabalhista.

ConJur — Muitas empresas, que tiveram todas as suas contas bloqueadas no Bacen-Jud, criticam o sistema e dizem que ele inviabiliza o funcionamento da empresa. Como isso pode ser resolvido?

Ronaldo Leal — Esse problema está resolvido na nova versão do Bacen-Jud que já está sendo utilizado. Com essa nova versão, o sistema tem 24 horas para desbloquear todo e qualquer excesso que tenha sido bloqueado. Outra idéia para solucionar esse problema é que o próprio devedor indique qual a conta que deve sofrer bloqueios. Além do mais, fiz um apelo aos juízes de primeiro grau para que não façam bloqueio online de contas de sócios das empresas e de terceiros sem que tenham absoluta certeza de que estes sejam efetivamente responsáveis pela dívida trabalhista.

ConJur — E com relação à grande quantidade de processos que são encaminhados ao TST que acabam impossibilitando a Corte de se dedicar à uniformização de jurisprudência. O que pode ser feito com relação a esse problema?

Ronaldo Leal — Esse problema é um pouco mais complicado de solucionar porque temos que dialogar com o Congresso Nacional e com a Ordem dos Advogados do Brasil para apresentar modificações na legislação. Mas algo que pode ser feito internamente é tentar dar prioridade no TST para os casos que implicam formação de novas súmulas. Isso porque surgem novas teses nos tribunais regionais que são julgadas e que o TST só vai uniformizar com uma súmula depois de três ou quatro anos. Para agilizar a uniformização da jurisprudência, o TST fez uma resolução administrativa que determina que os tribunais regionais identifiquem na capa do processo as ações apresentam teses novas, para que este seja separado dos demais e examinado com prioridade no TST. Já temos 4,5 mil processos no TST assinalados que estão nas mãos dos relatores, mas que não têm dado a prioridade no julgamento. Por isso vamos determinar que essa resolução seja cumprida por todos os ministros do TST. Essa uniformização de jurisprudência impede que grande parte dos processos suba ao TST desafogando a nossa pauta.

ConJur — Existem outras medidas que serão tomadas para diminuir os processos no TST?

Ronaldo Leal — Na medida em que os tribunais regionais julgarem uma lei inconstitucional, esses mesmo órgãos proporiam um controle concentrado da norma e o TST julgaria o caso como uma ação declaratória, como se fosse uma ADI do Supremo, e já emitiria uma súmula sobre o caso. Também penso em criar uma espécie de Sistema de Transcendência em que o TST só julgaria processos que obedecessem ao critério da relevância, ou seja só julgaria o que julgasse relevante.

ConJur — O senhor tem algum projeto de investimento na área de tecnologia?

Ronaldo Leal — O objetivo maior é fazer com que o processo trabalhista se torne totalmente virtual, seria o fim do processo de papel. O projeto piloto deverá ser implantado no Conselho Superior de Justiça Trabalhista e depois poderá ser usado nos outros tribunais. Contratamos a Fundação Getúlio Vargas para estabelecer uma uniformização de rotinas nos tribunais e esse processo vai demorar cerca de oito meses, para que depois o sistema de informática seja implantado.

ConJur — Segundo os dados do CNJ de 2004, a Justiça do Trabalho é a que tem a maior porcentagem de recursos, tanto da primeira para segunda instância (74%) quanto da segunda para o TST (40%). Como o senhor analisa este fato?

Ronaldo Leal — Uma das causas desse alto grau de recorribilidade é que o órgão público é obrigado a recorrer e ele é responsável por um grande número de recursos. A partir do momento em que o órgão público for dispensado de recorrer por súmulas administrativas esse índice de recorribilidade deve diminuir.

ConJur — A Justiça trabalhista deve julgar ação que envolve servidores públicos?

Ronaldo Leal — Apesar de achar que qualquer relação de trabalho deve ser julgada pela Justiça do Trabalho, não entendo que a Justiça trabalhista deva se envolver nesta questão. Isso porque, por tradição, a Justiça do Trabalho deve proteger o trabalhador. No caso do serviço público, o protegido nessa relação é a administração pública e não o servidor.

ConJur — O senhor assumiu o TST com 69 anos. De acordo com as normas da aposentadoria compulsória, o senhor teria menos de um ano para colocar todos esses projetos em prática na presidência TST. Como será isso?

Ronaldo Leal — Precisamos exercer nossas tarefas como se fossemos viver eternamente. De qualquer forma, o homem passa os seus conhecimentos e projetos para outro que poderá assumir as responsabilidades. É preciso que se trabalhe pensando desta maneira até que seja resolvido esse problema da aposentadoria compulsória para que haja a ampliação da aposentadoria para os 75 anos, e aí então teria mais tempo para concretizar esses planos.

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