Livre para voar

Flávio Maluf é autorizado a viajar para o exterior

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20 de abril de 2006, 18h25

O empresário Flávio Maluf terá seu passaporte devolvido pela Polícia Federal e está autorizado a deixar o país para fazer viagem de negócios. A decisão é do ministro Gilson Dipp, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em pedido de Habeas Corpus impetrado pelo advogado José Roberto Batochio contra decisão da desembargadora federal Vesma Kolmar, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Trata-se da terceira liminar conseguida por Flavio Maluf contra o TRF-3.

Ano passado, Flavio Maluf e seu pai, o ex-prefeito e ex-govenador Paulo Salim Maluf, ficaram presos na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo por decisão da juíza Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal. Foram acusados de tentativa de manipulação de testemunhas no processo a que respondem por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e desvio de dinheiro público.

Em sua decisão, o ministro Gilson Dipp escreveu: "Processo recebido na coordenadoria com despacho do relator e considerando os despachos de fls. 239/241 e deferindo a liminar requerida pela impetração, determinando a entrega, ao paciente, do seu passaporte, o qual se encontra na Segunda Vara Criminal Federal de São Paulo, mediante recibo, para a realização da viagem indicada, devendo, porém, ser devolvido o referido documento de indentidade internacional no prazo máximo de 24 horas após o retorno do acusado, previsto para 5 de maio de 2006, conforme informado pelo impetrante. Após prestadas as informações, dê-se vista ao MPF".

Leia a íntegra do pedido

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Os advogados JOSÉ ROBERTO BATOCHIO, GUILHERME OCTÁVIO BATOCHIO e RICARDO TOLEDO SANTOS FILHO, brasileiros, casados, devidamente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob nos 20.685, 123.000 e 130.856, respectivamente, todos com escritório nesta Capital, na Avenida Paulista, no 1471, 16o andar, vêm, com o respeito devido, a Vossa Excelência para, com fundamento no artigo 5o, inciso LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, nos artigos 201 usque 210 do Regimento Interno dessa Colenda Corte de Justiça, e nos demais dispositivos que regulamentam a matéria, impetrar, em favor de FLÁVIO MALUF, brasileiro, casado, engenheiro e empresário, inscrito no CPF/MF sob no 064.335.778-57, residente e domiciliado nesta Capital, na Rua dos Goivos, no 111, Cidade Jardim, também encontrável na Av. Pres. Juscelino Kubitschek, no 1830, Torre I, 11o andar (sede da EUCATEX S/A), a presente ORDEM DE HABEAS CORPUS COM PLEITO DE MEDIDA LIMINAR, em razão dos motivos fáticos e jurídicos fundamentos articulados às folhas 3 e seguintes desta impetração.

Apontando como autoridade coatora a Exma. Sra. Desembargadora do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3a Região, Dra. VESNA KOLMAR (habeas corpus no 2006.03.00.015660-7), requerem digne-se Vossa Excelência receber o presente mandamus e ordenar o seu processamento nas formas da lei.

Nestes termos,

P.P.Deferimento.

São Paulo, 20 de março, 2006.

José Roberto Batochio, advogado.

OAB/SP no 20.685

Guilherme Octávio Batochio, advogado.

OAB/SP no 123.000

Ricardo Toledo Santos Filho, advogado.

OAB/SP no 130.856


I – HISTÓRICO DOS FATOS .

O Paciente é empresário e Diretor-Presidente de três grupos industriais, dentre eles EUCATEX S/A e GRANDFOOD IND. E COM. LTDA. (este, um dos trinta maiores produtores de ração animal do mundo), conglomerados que empregam, atualmente, cerca de 2600 funcionários diretos e 5500 indiretos, e cujo faturamento anual bruto soma, em média, cerca de R$ 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais). A grande maioria dessa receita bruta advém de exportações, o que significa ingresso de divisas no Brasil.

Suas empresas, como assoalhado, exportam produtos de manufatura nacional para mais de 40 (quarenta) países, fato que obriga o Paciente a viajar com freqüência, a negócios, ao exterior (cerca de seis ou sete vezes ao ano), havendo, nos anos que passaram, fechado contratos de exportação que somam centenas de milhões de dólares americanos.

A documentação que instrui este mandamus demonstra, à exuberância, a necessidade, mais que isso, a imprescindibilidade, da presença do Paciente em reuniões, feiras e outras negociações que envolvem trocas comerciais no plano internacional, que têm lugar em diversos países, para a discussão e fechamento de contratos de exportação diversos, dos quais depende a saúde financeira das empresas que administra e, por conseqüência, a subsistência dos postos de trabalho dos funcionários que emprega, além de cooperar no esforço nacional de exportação.

Sucede, todavia que seu documento de identidade internacional (passaporte) se acha acautelado nos autos da Ação Penal no 2001.61.81.005327-0, cujos trâmites se dão pelo Juízo da 2a Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, ao arrepio da lei e da Constituição Federal, o que o impede de dar continuidade às atividades laborais que desempenha, causando perdas às suas empresas e comprometendo, induvidosamente, a eficiência dos respectivos negócios.

Presentemente, exempli gratia – como já sucedeu no ano passado –, viu-se o Paciente convocado para importantíssimos eventos (fechamento de contratos, inclusive de exportação) nos Estados Unidos da América e na Europa, dos quais viu-se obrigado a se ausentar, em flagrante prejuízo para a definição de políticas de comércio exterior e dos rumos das atividades econômico-financeiras (sobretudo exportações) dos grupos empresariais que representa naqueles dois países (cf. documentação inclusa). Tudo por conta da indevida retenção de seu passaporte, que o impede de ir e vir.

Por estas razões, e também diante da flagrante ilegalidade e da manifesta falta de justa causa para a retenção de seu documento de identidade internacional pelo Juízo, pleiteou o Paciente sua restituição, para poder viajar a negócios.

Cumpre sublinhar, a propósito, que em ocasião precedente, aquele Juízo já houvera deferido pedido semelhante, tendo o Paciente empreendido viagem de negócios ao exterior e, quando do seu retorno ao País, depositado novamente seu passaporte na secretaria da Vara (cf. documentação inclusa). Tudo com disciplina e pontualidade.

Acresce, ainda, o fato de aquele Juízo ter restituído, definitivamente, aos co-réus MAURÍLIO MIGUEL CURY e LÍGIA MALUF, seus passaportes, sob o fundamento de que “nada há que impeça a [sua] restituição” (cf. documentação anexa). Contra essa decisão não se irresignou o MPF.

No último dia 18, todavia, sobreveio decisão que indeferiu o pleito do Paciente (aqui ato coator primário), vazada nos seguintes termos:

Processo no 2001.61.81.005327-0

Indefiro o pedido de fls. 2178/3188, de restituição do passaporte de FLÁVIO MALUF.

Como bem assinalado pelo MPF em sua manifestação de fls. 3212/3216, a situação processual de FLAVIO MALUF é diversa da dos acusados MAURICIO (sic) MIGUEL CURY e LIGIA MALUF.


(cf. documentação anexa)

Nada obstante não se tenha especificado em quê diferiria a situação processual do Paciente daquela relativa aos citados co-réus – o que fulminaria referida decisão, que deveria ter vindo fundamentada, a teor do quanto prescreve o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal –, fato é que nesse mesmo decisum o Juízo houve por bem determinar a devolução, ainda que em caráter temporário, dos passaportes de Paulo Maluf e de Sylvia Maluf, genitores do Paciente e também co-imputados na mesma ação penal.

Entenda-se tamanho paradoxo…

Recentemente, vê-se o Paciente mais uma vez convocado por clientes e fornecedores para reuniões que deverão ter lugar nos Estados Unidos, Alemanha e Itália. Sua presença nessas reuniões comerciais, por mais uma vez, se exibe absolutamente indispensável para a continuidade dos negócios de suas empresas, sendo desnecessário mencionar os prejuízos decorrentes da sua ausência nos eventos já realizados, inclusive decorrentes de lucros cessantes que estão sendo apurados.

Eis porque reiterou o pleito de restituição do seu documento de identidade internacional, pedido este mais uma vez indeferido. Desta feita, sob os seguintes fundamentos:

Trata-se, em síntese, de pedido formulado pelo réu FLÁVIO MALUF no sentido de lhe ser restituído o passaporte, a fim de que possa atender a compromissos profissionais no exterior.

DECIDO.

Na decisão deste juízo de fls. 2393 a 2395, que recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, foi determinado: "Intimem-se imediatamente os denunciados para que entreguem a este juízo seus passaportes, os quais serão acautelados no cofre desta Secretaria. Oficie-se ao Diretor da Polícia Federal, comunicando-o de que os réus estão expressamente proibidos de saírem do país enquanto perdurar a presente ação penal, informando essa decisão às Superintendências Regionais".

Em 09/01/2006, o acusado FLÁVIO MALUF requereu a restituição de seu passaporte, conforme consta da petição de fls. 3178/3188, o que foi indeferido pela MMa Juíza titular desta Vara.

O requerimento apresentado em 15/02/2006 contém os mesmos fundamentos daqueles constantes da petição supracitada. Não houve modificação fática significativa a justificar nova decisão sobre matéria já decidida nestes autos.

Cumpre mencionar, ainda, que a decisão que autorizava a restituição dos passaportes de PAULO MALUF e SYLVIA LUTFALLA MALUF, teve sua eficácia suspensa pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 3a Região. Vale citar trecho da decisão proferida pelo eminente relator, Dr. Higino Cinacchi: “Ao juiz é conferido poder de decretar medidas tendentes a acautelar a tramitação regular e o resultado útil do processo. Tanto assim é que não houve insurgência quando, ao receber a denúncia, o Digno Juízo determinou a apreensão dos passaportes, proibindo viagens ao exterior. E o fato do juízo não ter reconhecido, de início, necessidade de decretar a prisão cautelar do réu, não o impede de determinar providências outras que repute indispensáveis ao interesse público que a ação penal envolve". (grifo nosso).

Dessarte, diante da inexistência de alteração dos fatos alegados quando do requerimento formulado em 09/01/2006, indeferido por este Juízo, do contido na decisão que recebeu a denúncia e da possibilidade de adoção de medidas cautelares com o escopo de preservar a regularidade do processo e, em especial, o seu resultado útil, indefiro o pedido formulado.

Intimem-se.

São Paulo, 22 de fevereiro de 2006.

VERIDIANA GRACIA CAMPOS

Juíza Federal Substituta


(cf. documentação inclusa)

A ilegalidade e o abuso em que consubstancia a indisponibilidade de seu passaporte – e, conseguintemente coarcta seu direito de ir e vir – estratifica, de outro bordo, hialina violação ao direito de trabalhar do Paciente. Em suma, está impedido de se locomover para fora do país e de exercer o direito constitucional do trabalho lícito. Execrável situação de constrangimento ilegal.

Irresignado com tais e ilícitas limitações, o Paciente, por seus advogados aqui impetrantes, aforou ordem de habeas corpus perante o E. Tribunal Regional Federal da 3a Região, onde o feito foi distribuído à insigne Desembargadora Federal VESNA KOLMAR, aqui autoridade coatora como órgão fracionário daquela Corte (HC no 2006.03.00.015660-7).

Sua Excelência, apreciando o pedido de outorga de provisão jurisdicional de urgência, indeferiu a liminar pleiteada na impetração, qual seja, a de restituição – temporária ou definitiva – do citado documento de identidade e de viagem de titularidade do Paciente, mesmo em face de inequívoca ilegalidade, encampando a ilícita coação.

Veja-se o quanto ficou decidido no ato coator:

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por José Roberto Batochio, Guilherme Octávio Batochio e Ricardo Toledo Santos Filho em favor de Flávio Maluf contra ato da MMa Juíza Federal da 2a Vara Criminal de São Paulo/SP que indeferiu o pedido de restituição do passaporte do paciente. Os impetrantes alegam, em síntese, que:

a) a retenção do documento de identidade internacional do paciente pelo Juízo de primeiro grau constitui flagrante ilegalidade, uma vez que o impede de exercer seu trabalho;

b) a decisão que indeferiu o pedido de restituição do passaporte não foi fundamentada;

c) os passaportes dos co-réus Maurílio Miguel Curi e Lígia Maluf Cury, que se encontram na mesma situação do paciente, foram restituídos em 19 de dezembro de 2.005, motivo pelo qual não há óbice para a restituição do documento do paciente; É o breve relatório. Decido.

Em uma análise prévia dos autos, não verifico a existência de constrangimento ilegal que justifique a reforma da decisão recorrida.

Com efeito, a apreensão dos passaportes dos denunciados constitui medida cautelar que tem por fim assegurar a regular tramitação do processo, impedindo que os acusados promovam viagens ao exterior, local onde, consoante relata a denúncia, movimentaram clandestinamente expressivas quantias em dinheiro por meio de diferentes operações bancárias, inclusive por offshores em nome dos denunciados.

Também, a gravidade dos delitos imputados ao paciente impõe a devida precaução com relação a deferimento de qualquer liberalidade, ademais, conforme ressaltou o Ministério Público Federal quando da manifestação sobre o pedido de restituição do passaporte (fls. 200), o paciente não indicou o itinerário da viagem, nem as datas de saída e de retorno ao país.

Outrossim, os documentos acostados aos autos pelos impetrantes não demonstram a imprescindibilidade da referida viagem do paciente.

Por fim, ao contrário do que afirmam os impetrantes, a decisão da MM. Juíza de primeiro grau, que indeferiu o pedido do paciente, está suficientemente fundamentada, destacando que o requerimento da defesa apresentado em 15.02.2006 é mera reiteração do pedido protocolizado em 09.01.2006, indeferido pela Juíza titular da 2a Vara Criminal e acrescentou que os ora impetrantes não trouxeram nenhum fato novo a justificar o reexame do pedido.

Por esses fundamentos indefiro a liminar.

Dê-se vista ao Ministério Público Federal.


Intimem-se.

São Paulo, 13 de março de 2.006.

VESNA KOLMAR

DESEMBARGADORA FEDERAL

RELATORA

Nessa decisão entende-se – mais que isso, proclama-se, sem rebuços – que as liberdades constitucionalmente asseguradas são meras “liberalidades” que o Judiciário pode ou não reconhecer… A constituição e as garantias que declara são de incidência condicionada à exegese…

…a gravidade dos delitos imputados ao paciente impõe a devida precaução com relação a deferimento de qualquer liberalidade…

(textual do ato coator)

Há entendimentos – como se vê – que traduzem a idéias de que o Poder Constituinte (originário e derivado), como expressão direta da soberania do Povo, se submete, quanto à eficácia das normas que dele se originam, a hermenêuticas lastreadas na legitimidade de autoridades do Estado recrutadas por vias outras que não a do voto universal, e secreto…

Este, em resumo, o histórico dos fatos.

II – DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL .

Acha-se o Paciente sob inequívoco constrangimento ilegal, consubstanciado na supressão de seu direito de ir e vir (pela retenção indevida de seu documento de identidade internacional) e no impedimento de exercer o seu trabalho, tudo à absoluta falta de justa causa e ao manifesto arrepio da lei.

A situação fática aqui versada configura típica coação ilegal, a teor do que dispõe o artigo 648, incisos I e IV, do Código de Processo Penal:

Art. 648: A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa.

Demonstremos a ilegalidade.

III – DA AUSÊNCIA DE PREVENÇÃO E DA NECESSÁRIA LIVRE DISTRIBUIÇÃO DO PRESENTE MANDAMUS.

Preconiza o artigo 71 do Regimento Interno desse Colendo Superior Tribunal de Justiça que:

Art. 71 – A distribuição do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso torna preventa a competência do relator para todos os recursos posteriores, tanto na ação quanto na execução referentes ao mesmo processo; e a distribuição do inquérito e da notícia-crime, bem como a realizada para efeito da concessão de fiança ou de decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa, prevenirá a da ação penal.

§ 1º Se o relator deixar o Tribunal ou transferir-se de Seção, a prevenção será do órgão julgador.

§ 2º Vencido o relator, a prevenção referir-se-á ao Ministro designado para lavrar o acórdão.

§ 3º Se o recurso tiver subido por decisão do relator no agravo de instrumento, ser-lhe-á distribuído ou ao seu sucessor.

§ 4º A prevenção, se não for reconhecida, de ofício, poderá ser argüida por qualquer das partes ou pelo órgão do Ministério Público, até o início do julgamento.

Por expressa disposição regimental, pois, a distribuição do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso, é que torna preventa a competência do relator para todos os recursos posteriores, tanto na ação quanto na execução referentes ao mesmo processo.


Na espécie, o que se vê é que não há qualquer recurso ou ação mandamental interposta do processo de que é originário este writ (processo no 2001.61.81.005327-0), a determinar sua distribuição por prevenção (cf. doc. incluso).

Isso estabelecido, esta ordem de habeas corpus deve ser distribuída livremente, em observância ao princípio constitucional do juiz natural.

IV – DO PRIMEIRO FUNDAMENTO DA IMPETRAÇÃO:

A – DO CABIMENTO DO PRESENTE WRIT E DA PLENA POSSIBILIDADE DE SUA COGNIÇÃO EM RELAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. DA FLAGRANTE ILEGALIDADE QUE SE ABATE SOBRE O PACIENTE.

Inicie-se por esclarecer que não se desconhece o enunciado da Súmula no 691 do Excelso Supremo Tribunal Federal, recentemente abrandada pelo Plenário do Pretório Excelso (em medida impetrada em favor do próprio Paciente), à vista de caso de flagrante e manifesta ilegalidade da liminar indeferida e atacada em habeas corpus.

Repita-se: a Suprema Corte vem decidindo, assim como esse STJ, que, em casos de flagrante ilegalidade, é de ser conhecida ordem de habeas corpus impetrada contra decisão que indeferiu liminar pleiteada em outro mandamus em instância inferior:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. LIMINAR INDEFERIDA PELO RELATOR, NO STJ. SÚMULA 691-STF.

I. – Pedido trazido à apreciação do Plenário, tendo em consideração a existência da Súmula 691-STF.

II. – Liminar indeferida pelo Relator, no STJ. A Súmula 691-STF, que não admite habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em HC requerido a Tribunal Superior, indefere liminar, admite, entretanto, abrandamento: diante de flagrante violação à liberdade de locomoção, não pode a Suprema Corte, guardiã-maior da Constituição, guardiã-maior, portanto, dos direitos e garantias constitucionais, quedar-se inerte.

III. – Precedente do STF: HC 85.185/SP, Ministro Cezar Peluso, Plenário, 10.8.2005. Exame de precedentes da Súmula 681-STF.

VI. – Liminar deferida.

(STF, Pleno, HC no 86.864-9/SP)

Assim, nos termos do que já decidido no AgRg no HC no 84.014 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO), admite-se exceção ao enunciado da súmula 691, quando se trate de flagrante constrangimento ilegal, que é o caso.

(cf. Medida Liminar concedida nos autos do Habeas Corpus no 85.185-1/SP, Relator o Ministro Cezar Peluso)

E no precedente mencionado decidiu-se que:


A Súmula do Supremo Tribunal Federal revela, como regra, o não-cabimento do habeas contra ato de relator que, em idêntica medida, haja implicado o indeferimento de liminar. A exceção corre à conta de flagrante constrangimento ilegal que, uma vez não verificado, impede a seqüência do habeas corpus.

(Ag.Reg. no Habeas Corpus no 84.014, Rel. Min. MARCO AURÉLIO)

No mesmo sentido vem decidindo reiteradamente essa Colenda Corte de Justiça:

“HABEAS CORPUS” – Decreto de prisão – Pedido visando liminar negada em outro “habeas corpus” – Possibilidade, em caráter excepcional – Ilegalidade manifesta do ato coator – Medida concedida.

Ementa oficial: Pedido objetivando obtenção de liminar negada em outro habeas corpus. Possibilidade, em caráter excepcional, quando o ato coator apresenta manifesta ilegalidade, com efeitos danosos irreparáveis.

(STJ – HC no 3.215-2 – 5a Turma – J. 5.4.95 – Rel. Min. Assis Toledo – DJU 29.5.95)

Somente em situações excepcionais, demonstrativas de patente constrangimento ilegal, admite-se a concessão de habeas corpus contra decisão monocrática de relator que indefere liminar em outro habeas corpus.

(STJ – HC no 7.386/GO, DJ 22/2/99, Rel. Min. Hamilton Carvalhido)

Na via da excepcionalidade, admite-se habeas corpus contra decisão que indeferiu pedido liminar em writ impetrado perante o e. tribunal a quo, ainda não julgado. Em tais casos, o ato coator deve apresentar manifesta ilegalidade, com efeitos danosos irreparáveis (…)

(STJ – HC no 26.659/CE, Rel. Min. Jorge Scartezzini)

No mesmo sentido (HC no 11.639-BA, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm compreensão assentada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que denega liminar, a não ser que reste demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. (enunciado 691 da Súmula do STF);

(STJ – HC no 43606/PB, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa)

Em idêntico sentido: AgRg no HC no 35.049/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti.


Não cabe habeas corpus contra indeferimento de liminar, a não ser que reste demonstrada flagrante ilegalidade no ato atacado, hipótese não verificada in casu, sob pena de indevida supressão de instância.

(STJ – HC no 34.386/SP, Rel. Min. GILSON DIPP)

Não cabe habeas corpus para obter a concessão de liminar, negada em outra impetração, salvo flagrante ilegalidade ou decisão teratológica.

(STJ – AgRg no HC no 37.229/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves)

Em princípio, ressalvando manifesta ilegalidade, descabe o uso de habeas corpus para cassar indeferimento de liminar.

(STJ – HC no 34.509/RN, Rel. Min. Felix Fischer)

Ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, a jurisprudência desta Corte não conhece de Habeas Corpus manejado contra decisão denegatória de liminar em writ impetrado perante Tribunal a quo, sob pena de supressão de instância.

(STJ – HC no 26705/GO, Rel. Min. César Asfor Rocha)

Não cabe habeas corpus contra indeferimento de liminar, a não ser que reste demonstrada flagrante ilegalidade no ato atacado, hipótese não verificada in casu, sob pena de indevida supressão de instância.

(STJ – HC no 34.817/SP, Rel. Min. Gilson Dipp)

Sobre a Súmula 691 do STF, LUIZ FLÁVIO GOMES doutrina que:

Em termos práticos ela significa o seguinte: se o relator, em algum tribunal superior (STJ ou STM), indefere liminar, ainda que se trate de uma flagrante ilegalidade, deveria o STF abster-se de conhecer eventual HC impetrado contra o indeferimento da liminar e, em conseqüência, da própria ilegalidade. Isso, em poucas palavras, significa evidente denegação de justiça. Convenhamos, o STF, como máximo intérprete da Constituição e última esperança do injustiçado, não pode prestar-se a tamanha insensibilidade. Parece, destarte, não haver dúvida que ele deve cancelar o enunciado da referida súmula, que não honra a sua história em matéria de tutela das liberdades fundamentais.


Sintetizando o que Alberto Z. Toron já escreveu sobre o assunto (cf. site Consultor Jurídico – www.conjur.com.br), se o STF, bem como qualquer juiz, pode conhecer de qualquer ilegalidade e conceder de ofício habeas corpus, parece não haver nenhuma dúvida de que o enunciado da Súmula 691 é flagrantemente inconstitucional, porque contraria o princípio da inafastabilidade da jurisdição. A jurisdição é indeclinável, isto é, não pode ser negada. Havendo patente ilegalidade, como no caso acima descrito, cabe à Suprema Corte conhecer de eventual habeas corpus e corrigir a ilegalidade. O contrário disso significa negar a própria condição de juiz, assim como a missão constitucional da jurisdição, de corrigir desmandos e abusos.

Não pode nossa Suprema Corte ignorar que a garantia da jurisdição é a garantia das garantias (ou garantia de fechamento, como sublinha a doutrina espanhola – cf. PEÑA FREIRE, Antonio Manuel, La garantia en el Estado constitucional de derecho, Madrid: Trotta, 1997, p. 227 e ss.). A missão central do Poder Judiciário, nos dias atuais, já não é só a de resolver conflitos intersubjetivos, aplicando o direito ao caso concreto. Sua orientação principal está voltada para a tutela dos direitos e garantias fundamentais. Enquanto o legislativo está subordinado ao interesse da maioria, o Judiciário vive em função do direito, competindo-lhe precipuamente a correção dos desvios e ilegitimidades dos outros poderes ou dos demais órgãos do próprio Poder Judiciário. Deparando-se com flagrante ilegalidade, ainda que gerada a partir da negação de uma liminar por tribunal superior, não há dúvida que ele deve intervir, para afastar o constrangimento ilegal.

A garantia da jurisdição, por isso mesmo, tem que ser efetiva. Não pode o STF, destarte, dentro do seu âmbito de competência, interpretar o ordenamento jurídico de modo restritivo em termos de tutela das liberdades. O juiz do terceiro milênio já não se submete a uma vinculação inarredável com o texto legal. Seu compromisso é com a Constituição e seus valores superiores. Se a justiça é o valor-meta de todo Estado Constitucional e Democrático de Direito, não pode o Judiciário inibir-se e anular-se diante de uma injustiça. O modelo liberal de jurisdição está ultrapassado. Do império da lei passamos para o império do direito. Da função corretiva dos abusos de outros poderes ou de outros órgãos jurisdicionais o STF não pode jamais abrir mão, sob pena de não cumprir sua missão constitucional.

(in “Quando há flagrante ilegalidade cabe HC contra o STJ que indeferira liminar em outro HC?”)

Luiz Flávio

Nem se diga que a concessão de medida liminar neste mandamus importaria “supressão de instância” eis que, como bem observado por Alberto Zacharias Toron em oportuno artigo específico sobre o tema:

Haveria, em qualquer caso, ofensa à hierarquia dos tribunais ou as suas competências? A resposta, uma vez mais, veementemente, é negativa e pelo simples fato de que uma coisa é o julgamento da liminar e outra, como é cediço, o do processo devidamente instruído. Em ambos os casos, julgada e denegada a impetração pelo tribunal local ou regional, o de grau superior deverá julgar prejudicado o writ que recebera, pois agora a coação por ventura existente decorrerá da denegação da ordem e não mais do indeferimento da liminar. O raciocínio não muda se, por exemplo, o Tribunal Superior chegar até mesmo a conceder a ordem ratificando a liminar. É que a decisão colegiada está cingida aos termos de uma cognição provisória e mais limitada jungida à questão da liminar.

(“A súmula 691 do Supremo Tribunal Federal e o amesquinhamento da garantia do Habeas Corpus”)


Mesmo porque, na hipótese de impetração de ordem de habeas corpus substitutiva de habeas corpus,

…o STF vai apreciar, sem nenhum salto, tema que não decorre diretamente da decisão do juiz de primeiro grau, mas de ministro de Tribunal Superior que julga em nome do tribunal, como órgão fraccionário, e que tem, em matéria de habeas corpus, por expressa disposição constitucional, seus atos diretamente debaixo da jurisdição da Suprema Corte (art. 102, I, letra i).

A Súmula neste último caso, pesa dizê-lo, não poderia ir contra a expressa previsão constitucional e vedar a impetração de habeas contra a denegação da liminar. E, tampouco, se a impetração fosse decorrente de uma sucessão de negativas de liminares iniciada pelo relator no tribunal local ou regional. É que, primeiramente, não está em jogo diretamente a decisão do juiz de primeiro grau, mas a do relator no tribunal. Depois, não vedando a Constituição o manejo do habeas corpus contra o indeferimento da liminar, soa especioso que, pela via exegética, se queira restringir o alcance da tutela da liberdade do cidadão. Ainda mais quando está em foco o acerto ou desacerto da concessão da liminar que, pode, embora raro, encontrar no Pretório Excelso guarida sem que, como visto, se atinja ou se restrinja a competência do tribunal inferior quanto ao julgamento do mérito da ação constitucional ou, por outra, se fira a autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal nos limites do que decidiu.

(idem)

Como se vê, já é pacífico o entendimento de que, em casos de manifesta ilegalidade – como é o de que aqui se trata –, não incide – nem pode incidir – o enunciado da Súmula no 691/STF, que foi abrandada pela própria Suprema Corte.

B – DA MANIFESTA FALTA DE JUSTA CAUSA DA RETENÇÃO DO PASSAPORTE DO PACIENTE E DA EVIDENTE ILEGALIDADE DA DECISÃO HOSTILIZADA.

A indisponibilidade de seu documento de identidade internacional representa, sem dúvida, no caso do Paciente, restrição ao livre exercício do seu direito de trabalho, garantia que lhe é assegurada constitucionalmente.

De fato, preconiza o artigo 5o, inciso XIII, da Constituição Federal que:

Art. 5o

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Tal restrição, aliás (de ter o passaporte apreendido e ser impedido de se ausentar do País), a rigor, carece de previsão legal – daí porque manifestamente ilegal –, o que a incompatibiliza, igualmente, com o disposto no artigo 5o, inciso II, da Constituição Federal, verbis:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Isso sem se falar no princípio da presunção de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, art. 5o, inciso LVII) e no quanto preceitua o citado artigo 5o da Lex Legum, no seu inciso XV:

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.

A supressão da atividade laboral que se impõe ao Paciente é, como se vê, flagrantemente inconstitucional e estratifica sério gravame ao seu status dignitatis et libertatis.


O confinamento ao território nacional – ou exílio local – a que se acha ele submetido, de outro lado, configura inaceitável constrangimento ilegal, a ser conjurado por este mandamus.

Nesse sentido a jurisprudência:

PENAL E PROCESSUAL PENAL – INQUÉRITO POLICIAL – CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO – PRISÃO PREVENTIVA – DECRETO CONSTRITIVO REVOGADO PELO TRIBUNAL A QUO – IMPOSIÇÃO DE RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO PACIENTE – AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA VIAJAR – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.

Tendo o decreto de prisão preventiva sido desconstituído pelo Tribunal a quo, em razão, fundamentalmente, da ausência de preenchimento de seus pressupostos, previstos no art. 312, do CPP, consubstancia-se em constrangimento ilegal a imposição, por aquela Corte, da necessidade de prévia autorização judicial para que o paciente possa viajar, mormente quando o mesmo tem comparecido a todos os chamamentos da autoridade policial e judicial, o que demonstra sua inclinação em contribuir para a boa elucidação do fato delituoso que ainda se encontra em fase inquisitorial.

De outro lado, inexiste previsão legal para a imposição da restrição ora sub exame (ex vi, art 5o, II, da CF: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"). Nesse diapasão, já se pronunciou esta Corte, por ocasião do julgamento do RHC 1944/SP, de relatoria do eminente Ministro PEDRO ACIOLI.

Recurso provido para retirar a consignação impositiva de autorização judicial, contida no v. acórdão recorrido, devendo o paciente, apenas, proceder à comunicação ao Juízo para viagens ao exterior.

(STJ – RHC 12575 / RJ)

PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS" REU EM AÇÃO PENAL. AUTORIZAÇÃO PARA VIAGEM AO EXTERIOR. NEGATIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

Desconstituído for “habeas corpus” prisão preventiva, com soltura do réu para responder aos termos da ação penal em liberdade, consubstancia constrangimento ilegal a negativa de autorização para obtenção de viagem ao exterior em tratamento de saúde.

"Habeas Corpus" concedido.

(STJ – HC 6283 / RJ)

PROCESSO PENAL. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS.

I – Não pode o Judiciário assenhorar-se das prerrogativas do Legislativo, criando novas formas inibidoras ao direito de ir e vir, sem a devida fundamentação e forma prescrita em lei.

II – Recurso a que se dá provimento.

(STJ – HC 1.944-3/SP)

Em parecer lançado nesse writ, a Egrégia Procuradoria Geral da República assim se manifestou:

EMENTA. Sendo a liberdade ambulatória garantida constitucionalmente a todos os cidadãos, constitui flagrante constrangimento ilegal a exigência de licença para viajar, o que suporia atividade relativamente proibida, a qual só com permissão pudesse ser exercida.


6. “Autorização” ou “licença” para viajar só se admitiria se a liberdade ambulatória fosse relativamente proibida, como o porte de arma, cabendo à autoridade administrativa conceder alvará caso a caso, permitindo o que em princípio fosse relativa e genericamente proibido. Esse o conceito vulgar de licença coincidente com o jurídico: “Licenciar é libertar uma atividade que, sendo em geral vedada, só com permissão pode ser exercida (M. Caetano).

7. Ir, vir ou permanecer são manifestações da liberdade ambulatória que, para cerceada, exige ato de autoridade competente, nas situações definidas em lei, obediente ao due process of law.

O Egrégio Tribunal Regional Federal da 2a Região, igualmente, deixou decidido que:

PENAL E PROCESSUAL PENAL – PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART. 5o, INC. LVII – RESTRIÇÕES AO DIREITO DE LIBERDADE – PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NA LEI PROCESSUAL PENAL – ACUSADO EM LIBERDADE. INEXISTÊNCIA DE MEDIDA ACAUTELATÓRIA – SAÍDAS PARA O EXTERIOR CONDICIONADAS À AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – DESCABIMENTO – EXCLUSÃO DO NOME DO PACIENTE DO SISTEMA NACIONAL DE PROCURADOS E IMPEDIDOS (SIMPI) – CONCESSÃO DA ORDEM.

1 – Dispondo a CF/88 em seu art. 5o, inc. LVII, que presume-se inocente o acusado até que sobrevenha o trânsito em julgado da sentença que lhe aplique condenação, somente se justificam restrições à liberdade individual antes desse evento, quando expressamente previstas na Lei Processual penal.

2 – Não se configurando a situação do Paciente sequer como liberdade provisória, a ele não se aplicam as prescrições da espécie contidas no CPP, pelo que não se pode vedar a sua pretensão de viajar ao exterior sob condição de prévia autorização judicial, como vinha sendo imposto pela autoridade impetrada, haja vista o manifesto constrangimento produzido por esta medida.

3 – Exclusão do nome do Paciente do Sistema Nacional de Procurados e Impedidos – SIMPI, até que contra ele seja, eventualmente, decretada alguma medida acautelatória.

4 – Ordem concedida.

(TRF2 – HC no 97.02.18978-0)

No mesmo sentido:

HABEAS CORPUS – RÉU EM LIBERDADE – VIAGEM AO EXTERIOR CONDICIONADA À PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE (ART. 5o, LVII, CF).

I – Tratando-se de réu não afiançado, e que não está em gozo de liberdade provisória, constitui constrangimento ilegal a imposição de prévia autorização judicial para viagem ao exterior;

II – Qualquer restrição à liberdade de locomoção só pode ocorrer com base em dispositivo legal expresso e através de decisão fundamentada, tendo em vista a presunção a presunção de não-culpabilidade consagrada pela Constituição Federal (art. 5o, LVII);


III – Hipótese em que se leva em conta a situação atual do Paciente, pelo eu fica ressalvada a possibilidade de futuras restrições oriundas de eventual decretação de prisão preventiva ou provisória, ou, ainda, decorrentes de sua condenação;

IV – Ordem que se concede.

(TRF2 – HC no 97.02.41744-9/RJ)

Como visto, não se justifica a restrição que se impõe ao Paciente, sob qualquer pretexto, até porque com a edição da Lei no 9.271, de 17/4/96, que alterou a redação dos artigos 366 usque 370 do Código de Processo Penal, ao acusado que responde a processo penal em liberdade sequer se exige o dever de comunicar eventuais ausências do foro da causa (ainda que sejam elas superiores a oito dias, como previa o antigo artigo 369 do CPP), bastando uma mera comunicação ao Juízo em caso de alteração de residência, sob pena de revelia. Eis o texto legal:

Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao Juízo.

Assim, a oblíqua restrição à liberdade de locomoção que se inflige ao Paciente caracteriza evidente constrangimento ilegal.

De outro banda, o Paciente compareceu ao ato do interrogatório designado por aquela augusta Vara Federal Criminal e, longe de causar embaraço à normalidade da tramitação do feito, sempre se mostrou cooperativo, diligente, obediente às determinações judiciais e respeitoso – como não poderia deixar de ser – para com o Juízo. Tem comparecido a todos os atos processuais, inclusive, à audiência realizada no último dia 17-03-06. Nada, absolutamente nada, periclitaria, portanto, com o deferimento do pleito, mesmo porque os valores depositados no exterior nas contas correntes cuja titularidade se imputa ao Paciente se acham bloqueados.

Agora, idiossincrasias outras, posições radicais ou obstinações postulatórias não podem, certamente, se sobrepor à ordem constitucional, ao ordenamento jurídico de hierarquia inferior nem ao sereno equilíbrio a ser mantido ao longo da persecução penal, que deve se operar dentro das balizas do due process of law.

De mais a mais, repita-se que o Juízo de primeiro grau houve por bem restituir, em caráter definitivo, os passaportes dos co-réus MAURÍLIO MIGUEL CURI e LÍGIA MALUF CURY, tendo decidido, aos 19 de dezembro último, que “nada há que impeça a restituição dos passaportes” (cf. documentação inclusa). Por quê razão, então, o do Paciente não pode ser liberado (para o trabalho)?

Ora, se não há qualquer óbice para que tivessem sido restituídos os documentos de identidade internacional de co-réus que se acham em idêntica situação processual à do Paciente (e se o Juízo não especificou em que diferiria a situação processual do Paciente da daqueles co-réus é porque são elas mesmo rigorosamente idênticas), por simetria, por coerência e por aplicação analógica do quanto preceitua o artigo 580 do Código de Processo Penal, deve seu passaporte a ele ser também devolvido, até para que possa voltar a exercer plenamente suas atividades profissionais.

Mesmo porque aquele Juízo houve por deixar assente às fls. 3126/3127 dos autos que: “Sem os documentos, não há sustentáculo à imputação de fato criminoso contra os acusados” (cf. doc. incluso).

Se assim é, não merece mesmo prevalecer a restrição imposta ao Paciente que, se em algum tempo teve razão de ser (o que se admite somente ad argumentandum tantum), à evidência não pode mais perdurar.


Ou será que, como se assoalha o jargão da política partidária dos últimos tempos, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”?

Ignora-se o princípio constitucional da isonomia? E o da legalidade dos atos restritivos da liberdade humana? FEURBACH saiu de moda? Também BELING? Onde já se viu “criarem-se”, pretorianamente e sem previsão legal, novas modalidades de restrição de liberdade de quem está processado? Constituição Federal às favas? Em nome do quê ou de quem?

E mais: acaso é dado ao Judiciário Legislar? Se assim for, então que exerça a jurisdição o Congresso Nacional…

O tempora, o mores!

Autoritarismo escancarado e intolerável submeter-se o Paciente a confinamento territorial ao arrepio do ordenamento jurídico!

As organizações de Direitos Humanos recomendam que em casos de trabalho escravo ou de impedimento do livre exercício do direito de trabalho – sem correção jurisdicional – sejam denunciados à OIT e à COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OEA, já que a nenhum ser humano deve ser proibido ou suprimido o direito de trabalhar para o sustento próprio e de sua família.

Parece ser o caso em foco.

Felizmente há no Brasil, no entanto, juízes comprometidos com a estrita legalidade da persecução penal e com o respeito às garantias processuais de índole constitucional dos cidadãos. É o compromisso do Poder Judiciário com a ordem constitucional que se deseja ver aqui cumprido.

Quanto ao sofisma rudimentar que quer introduzir no nosso Direito o esdrúxulo, data venia, “princípio jurídico” de que “quem pode o mais, pode o menos”, indaga-se: podendo o juiz criminal prender, ante tempus, o réu do sexo masculino acusado de espancar a esposa (que é o mais), poderia também obrigá-lo a se travestir de mulher, e assim vagar pelas ruas (que é o menos), ou compelir alguém processado por crime contra o patrimônio a pendurar cartaz no pescoço com os dizeres "sou ladrão”?

Essas medidas vexatórias, não há negar, são menos que a supressão da liberdade pelo decreto de prisão processual.

Ou não?

Com a palavra, esse Egrégio Tribunal…

A anterior e expressa previsão legal das medidas restritivas não devem estar cumprida e previamente fixadas na lei? Ou será que isso saiu de moda? Estamos em um “vale tudo”, ou melhor, em um “pode tudo” na jurisdição penal? Ora, ora…

As restrições à liberdade humana, repita-se antes que caia no esquecimento geral, no nosso ordenamento jurídico, ainda são típicas e enumeradas numerus clausus, sendo rematada heresia jurídica essa estória de que quem pode o mais pode o menos… Pode coisíssima nenhuma!

Quem pode alguma coisa, pode o que a lei diz que pode, e tão-somente isso. Nem mais e nem menos.

Analogia em matéria de liberdade humana é reflexão de gabinetes autoritários (tão freqüentes nos últimos tempos), de vocação autocrática, liberticida até, não compatível com o Estado de Direito Democrático, data maxima venia.

Nosso sistema não prevê qualquer tipo de pena antecipada para quem está sendo processado. Antes, a Constituição Federal ordena, queiram ou não os autoritários de plantão, que todos devam ser presumidos inocentes até decisão condenatória passado em julgado. Antes disso não pode haver pena e muito menos pena não prevista na lei, como a de exílio local, supressão do direito de trabalho com confinamento territorial, este muito utilizado no Estado totalitário, denominado Estado Novo, na década de 1940, e também na ditadura militar (Jânio Quadros foi confinado em Campo Grande, MS). Será que a cor do autoritarismo não é mais verde oliva, agora seria de tons mais escuros?


Repita-se, ad nauseam: não há no ordenamento jurídico brasileiro a pena de confinamento territorial, de exílio local ou de proibição da atividade laborativa que está sendo imposta ao Paciente.

Quer ele, por isso, seja singelamente aplicada a lei para assegurar o seu lídimo direito, conjuradas as investidas buro-autocráticas que vem assolando setores da jurisdição do País nos últimos tempos, acima ou a latere da lei.

Por tais razões, esta restrição ao direito e ir e vir é não só manifestamente ilegal como arbitrária e abusiva, a reclamar o ajuizamento deste remédio heróico.

Eis porque, repudiando-se essa non scripta poena – francamente violadora do princípio constitucional da legalidade – que se está impondo ao status libertatis do Paciente, postula-se aqui a concessão desta ordem de habeas corpus para que a ele se restitua seu passaporte, também para que possa trabalhar e atender a compromissos profissionais essenciais ao bom desempenho comercial das empresas que administra. A justiça não pode negar ao Paciente o direito ao lícito trabalho!

V – DA CONCLUSÃO E DO PEDIDO .

Em face de todo o acima exposto e com fundamento no artigo 5o, inciso LXVIII, da Carta Política, artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, artigos 178 usque 188 do Regimento Interno dessa Colenda Corte de Justiça, além dos demais dispositivos legais que regem a espécie, impetra-se, em favor de FLÁVIO MALUF, qualificado no preâmbulo, a presente ordem de habeas corpus, que se requer seja concedida para lhe seja restituído, definitivamente, seu documento de identidade internacional (passaporte), assegurando-lhe o direito de trabalhar, ou, alternativamente, lhe seja deferido empreender as viagens necessárias ao desempenho de suas atividades profissionais, tantas vezes quantas forem necessárias, fazendo-se, em ambas as hipóteses, as comunicações necessárias às Autoridades Públicas competentes.

VI – DA MEDIDA LIMINAR E DO AFASTAMENTO DA SÚMULA 691 DO STF DADA A ESCANCARADA ILEGALIDADE IMPOSTA AO PACIENTE.

À vista de todo o exposto, e demonstrados o periculum in mora (periclitam o bom desenvolvimento dos negócios das empresas do Paciente e os milhares de empregos que delas dependem) e o fumus boni juris (aqui, aliás, mais que fumaça de bom direito o que aqui se vê é evidente afronta à franquia constitucional do Paciente e flagrante violação de direito seu: liberdade de locomoção e direito ao trabalho) que autorizam a concessão de MEDIDA LIMINAR, postula-se aqui dita provisão jurisdicional de urgência para se determinar seja imediatamente restituído ao Paciente seu passaporte para que empreenda a viagem a trabalho justificada documentalmente nos autos, aprazada para os meses de março/abril/maio do corrente ano, tudo para que se afaste providência demeritória e de constrangimento ilegal que, no julgamento do mérito, será conjurada pela concessão definitiva do presente writ.

Dada a manifesta e vítrea ilegalidade (restrição à liberdade de locomoção em hipótese não autorizada ou prevista na lei, mas de criação pretoriana e sem o devido processo legal legislativo), cabe afastar aqui a incidência do verbete 691 da Corte Excelsa, consoante, têm decidido, reiteradamente, os Egrégios Tribunais Superiores.

É o que, respeitosamente, se deixa requerido.

Nestes termos,

P.Deferimento.

São Paulo, 20 de março, 2006.

José Roberto Batochio, advogado.

OAB/SP no 20.685

Guilherme Octávio Batochio, advogado.

OAB/SP no 123.000

Ricardo Toledo Santos Filho, advogado.

OAB/SP no 130.856

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