Credor e devedor

Empregado que vira dono não pode cobrar verba trabalhista antiga

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20 de abril de 2006, 16h21

Empregado que assume a empresa não pode cobrar dos antigos proprietários o pagamento de verba e indenização trabalhista. Com esse entendimento, a 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) livrou a Little Sam School de pagar as obrigações trabalhistas para uma ex-funcionária. Cabe recurso.

A ex-empregada ingressou com processo na 5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, reclamando o pagamento de verbas e indenizações devidas pela escola. A Little Sam School, em sua defesa, sustentou que não teria mais responsabilidade sobre as dívidas, pois a própria autora da ação era sua sucessora trabalhista. Ela assumiu o negócio por meio da empresa que constituiu, de nome Target.

Por entender que houve culpa recíproca, a primeira instância julgou o pedido procedente em parte. A ex-empregada apelou ao TRT paulista. Insistiu que a Little School deveria arcar com todos os títulos trabalhistas devidos.

O juiz Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira, relator do recurso, não acolheu o pedido. Para ele, a ex-empregada “deu vida a uma personalidade jurídica, tendo assumido todo o patrimônio mobiliário da reclamada, inclusive a carteira de renomados clientes”.

De acordo com o relator, “a assunção de todo aparato comercial, bem assim o ponto comercial e a carteira de clientes, afiguram, à luz da Consolidação das Leis do Trabalho, sucessão de empregadores”.

“Diante deste quadro, pergunta-se: a quem a reclamante pode executar? A ela mesma é a resposta que decorre da lógica, pois entre ela e a reclamada operou-se a sucessão de empregadores”, observou o juiz.

No entendimento do juiz Celso Ricardo de Oliveira, “temos uma situação sui generis no presente feito, donde se extrai o instituto jurídico da confusão”, previsto no artigo 381 do Código Civil Brasileiro de 2002, quando na mesma pessoa se confundem as qualidades de credor e devedor. “Prevendo essa hipótese, o Código de Processo Civil especificou a solução no eventual litígio, quer seja, a extinção do feito sem julgamento do mérito”, concluiu. A decisão da 10ª Turma foi unânime.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ORDINÁRIO

PROCESSO TRT/SP nº 00371.2003.465.02.00.0

ORIGEM: 5ª VARA DO TRABALHO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

Recorrente: Elaine Ana Alcantara

Recorrido: Little Sam School S/C Ltda

10ª TURMA

EMENTA: Sucessão Trabalhista. Ex-empregada que constitui empresa e assume ponto comercial, patrimônio e cartela de clientes. Operado o instituto da Confusão.

Tendo a reclamada, em face de dificuldades econômicas, repassado à reclamante todo o mobiliário da empresa, ponto comercial e cartela de clientes de sopesada importância, cuja empregada criou empresa para esse fim, tendo prosseguido com êxito nos negócios, e mantido a ex-empregadora como sua colaboradora, restou operada a Sucessão Trabalhista, e por corolário, a Confusão entre devedora e credora, à luz do artigo 381 do Código Civil de 2002.

Consoante leciona Maurício Godinho Delgado, in Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição, “a separação de bens, obrigações e relações jurídicas de um complexo empresarial, com o fito de se transferir parte relevante dos ativos saudáveis para outro titular (direitos, obrigações e relações jurídicas), preservando-se o restante de bens, obrigações e relações jurídicas no antigo complexo – agora significativamente empobrecido, afeta, sim, de modo significativo, os contratos de trabalho, produzindo a sucessão trabalhista com respeito ao novo titular (artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho)”.

In casu, latente se vislumbra operada a sucessão, e via de conseqüência, a confusão entre autora e ré.

Com fulcro no artigo 267, X, Código de Processo Civil, julgo extinto o feito sem julgamento do mérito, e face do Efeito Expansivo Objetivo Interno do Recurso.

Relatório

Inconformada com a r. sentença das folhas 82/85, cujo relatório adoto, que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos da presente reclamatória, dela recorre, ordinariamente, a reclamante.

Sustenta, em suas razões, que a r. decisão de origem merece reforma, no que pertine à justiça gratuita, rescisão, fixação de salários, depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prescrição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, descontos fiscais e previdenciários, multa artigo 467 da Consolidação das Leis do Trabalho, e litigância de má fé.

Preparo inexistente.

Contra-razões às fls. 96/100.

Manifesta-se a D. Procuradoria às fls. 101 sustentando não haver interesse público a justificar a emissão de parecer circunstanciado.

Relatados

VOTO

Admissibilidade:

Conheço, pois preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Justiça Gratuita:


A r. sentença atacada indeferiu de forma fundamentada e expressa a gratuidade de justiça (fl. 82), posto que constatado que a reclamante é empresária, sócia proprietária de estabelecimento de ensino, cuja sociedade restou formada para assumir as atividades da ré, que não tinha condições de prosseguir nos negócios comerciais, em face de dificuldades econômicas.

Ou seja, a reclamante deu vida a uma empresa, que recebeu por “doação” todo o patrimônio mobiliário respectivo, inclusive a carteira de clientes.

Embora haja declaração de pobreza nos autos, no curso da instrução processual se verificou que não correspondiam a verdade as aposições contidas no documento da folha 07, pois a reclamante é empresária atuante de forma ativa, tendo assumido os compromissos da reclamada com a empresa que criou, mantendo clientes renomados, tal o que se depreende do depoimento da folha 77, pois “os alunos da Mercedes à época da Little Sam atualmente são alunos da Target”, sendo Mercedes a multinacional da industria automobilística e Target a atual empresa da reclamante.

Portanto, irreparável a r. sentença de 1º grau, a qual mantenho.

CONTRATO DE TRABALHO:

Pretende a autora, em suas razões recursais, a reforma da r. sentença a quo, no que pertine à rescisão, não concordando com a solução de 1º grau que reconheceu a culpa recíproca no ato terminativo. Aduz ainda ser credora de diferenças salariais, depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e critérios para descontos do Imposto sobre a renda, além, da aplicação da multa do artigo 467 da Consolidação das Leis do Trabalho e declarada a litigância de má-fé da reclamada.

Porém, não lhe assiste razão, e sequer reputo escorreita a solução dada pela r. sentença de piso.

Com efeito, dispõe o artigo 515 do Código de Processo Civil que “a apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada”, sendo que o § 1º do citado dispositivo dispõe que “serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo Tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro”.

Importa, ainda, salientar a disposição contida no artigo 516 do Código de Processo Civil, verbis: “ficam também submetidas ao Tribunal as questões anteriores à sentença, ainda que não decididas”.

Importante salientar que neste recurso decorrerá a aplicação do efeito EXPANSIVO OBJETIVO INTERNO, sustentado por Nelson Néri Junior (Código de Processo Civil Comentado – NELSON NERY JUNIOR E ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Editora RT, 6ª edição, 2002) segundo o qual, quando o tribunal, v.g., ao apreciar apelação interposta contra sentença de mérito declara um ato preliminar que atingirá todo o ato impugnado (sentença).

Tornando ao âmago da questão, conforme já observado no item retro decidido, acerca da justiça gratuita, a reclamante é sócia proprietária de estabelecimento de ensino, cuja sociedade restou formada para assumir patrimônio, clientela e atividades da ré, que não tinha condições de prosseguir nos negócios comerciais, em face de propaladas dificuldades econômicas.

Restou latente nos autos que a reclamante deu vida a uma personalidade jurídica, tendo assumido todo o patrimônio mobiliário da reclamada, inclusive a carteira de renomados clientes, tal o que se depreende do depoimento da folha 77, pois “os alunos da Mercedes à época da Little Sam atualmente são alunos da Target”, sendo Mercedes a multinacional da industria automobilística e Target a atual empresa da reclamante, vale lembrar.

A assunção de todo aparato comercial, bem assim o ponto comercial e a carteira de clientes, afiguram, à luz da Consolidação das Leis do Trabalho, sucessão de empregadores.

Com efeito, discorre o artigo 448 da Consolidação das Leis do Trabalho que “a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”, sendo que o artigo 10 do mesmo diploma estabelece que “qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”.

Embora o legislador trabalhista tenha adotado o termo empresa, a mens legislatoris do instituto verte no sentido de transferência de estabelecimento, ai incluídos os fatores de produção, os quais elenca Sussekind, apud Ferrara, em sendo os recursos naturais, o trabalho humano e o capital. A transferência desses fatores ficou evidente nos autos, tendo a reclamante com sua empresa assumido a sede da empresa, conhecido ponto comercial, todo o mobiliário e a carteira de clientes, tendo mantido, inclusive, a reclamada como sua colaboradora.

Mas, quem melhor define a sucessão na doutrina hodierna, é Maurício Godinho Delgado, in Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição segundo o qual a sucessão trabalhista também se opera quando “a separação de bens , obrigações e relações jurídicas de um complexo empresarial, com o fito de se transferir parte relevante dos ativos saudáveis para outro titular (direitos, obrigações e relações jurídicas), preservando-se o restante de bens, obrigações e relações jurídicas no antigo complexo – agora significativamente empobrecido, afeta, sim, de modo significativo, os contratos de trabalho, produzindo a sucessão trabalhista com respeito ao novo titular (artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho)”.


De sorte que, in casu, salta aos olhos operada a típica sucessão trabalhista.

Neste termos, temos uma situação sui generis no presente feito donde se extrai o instituto jurídico da confusão, que é corolário de uma das modalidades de extinção da obrigação, consoante se extrai do artigo 381 do Código Civil Brasileiro de 2002, verbis: “Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor”.

Embora o artigo 382 do diploma substantivo civil discorra que “a confusão pode verificar-se a respeito de toda a dívida, ou só de parte dela”, em sede de Direito do Trabalho a sucessão não excepciona a relação entre credor-devedor, pois o devedor cuja sucessão se verifica tem responsabilidade irrestrita sobre todo o crédito reclamado.

Notar que o dispositivo se coaduna com a autorização imposta no parágrafo único do artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, havendo omissão do texto celetista e compatibilidade com os princípios singulares do Direito do Trabalho.

Observo que, o Boletim de Ocorrência Policial colacionado aos autos não é prova substancial de algum fato, porque sua emissão decorre de um ato unilateral da parte, e mesmo pelo seu conteúdo observo que houveram algumas desavenças entre a reclamante e a sócia da reclamada, notadamente de cunho pessoal.

Diante deste quadro, pergunta-se: a quem a reclamante pode executar? A ela mesma, é a resposta que decorre da lógica, pois entre ela e a reclamada operou-se a sucessão de empregadores.

Prevendo essa hipótese, o Código de Processo Civil especificou a solução no eventual litígio, quer seja, a extinção o feito sem julgamento do mérito.

Dou, portanto, provimento ao recurso, e em face do seu Efeito Expansivo Objetivo Interno, declaro o feito Extinto, Sem Julgamento do Mérito, nos termo do artigo 267, X, Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente nos termos do artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

São inexigíveis, portanto, todas as parcelas postuladas e eventualmente deferidas no juízo a quo, e quanto às multas aplicadas na r. sentença atacada, reformo, pois reciprocamente condenadas as partes a pagamentos por declarados improbus litigator, declaro inexigíveis, porque a ambigüidade de procedimentos desleais anulam as respectivas penas.

Do exposto, CONHEÇO do recurso interposto pela reclamante e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO para, nos termos e parâmetros dos fundamentos acima alinhavados, reformar a r. Sentença da origem, e em face do seu Efeito Expansivo Objetivo Interno, declaro o feito Extinto, Sem Julgamento do Mérito, nos termo do artigo 267, X, Código de Processo Civil.

Custas pela reclamante, ex-vi artigo 789 da CLT, no importe de R$ 426,30 , calculadas sobre R$ 21.315,54.

Declaro, ainda, inexigíveis os pagamentos das indenizações decorrentes da litigância de má-fé.

CELSO RICARDO PEEL FURTADO DE OLIVEIRA

Juiz Relator

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