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STF mantém convocação de Roberto Teixeira pela CPI dos Bingos

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19 de abril de 2006, 22h26

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou na noite desta quarta-feira (19/4) liminar em Mandado de Segurança para livrar o advogado Roberto Teixeira de depor na CPI dos Bingos. O ministro concedeu, contudo, liminar em Habeas Corpus para permitir que o depoente não seja obrigado a se auto-incriminar — ou seja, que deponha na condição de acusado e não como testemunha.

Teixeira repudiou sua convocação por entender que o objeto determinado da criação da Comissão Parlamentar de Inquérito nem de longe esbarra em suas atividades. Para o ministro, a adequação ou não da participação de Teixeira nas investigações da CPI poderá ser demonstrada com seu depoimento.

Roberto Teixeira afirmou à revista Consultor Jurídico que não se surpreendeu com a decisão do Supremo: “Na verdade pedi o Habeas Corpus preventivamente. Vou à CPI disposto a responder tudo que me for perguntado”. Afirmou que que não tem nada a ver “com bingo ou com falcatruas. Só estou sendo convocado por minha relação de compadrio com o presidente”. O advogado depõe a partir das 9h30 desta quinta-feira (20/4).

Intimado na tarde de segunda-feira (17/4) para depor na CPI na manhã de terça, Roberto Teixeira enviou requerimento ao Senado avisando que não atenderia à intimação. Alegou que não havia tempo mínimo necessário para que pudesse organizar seu deslocamento até o Congresso Nacional “e as informações necessárias para tal ato”.

Leia a liminar em Habeas Corpus

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 88.553-5 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): ROBERTO TEIXEIRA

IMPETRANTE(S): ROBERTO TEIXEIRA

COATOR(A/S)(ES): COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – CPI DOS BINGOS

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por ROBERTO TEIXEIRA em seu favor. Aponta-se como autoridade coatora o Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos (“CPI dos Bingos”), o Senador Efraim Morais, em razão de convocação para prestar depoimento para fins de investigação parlamentar (Ofício no 223/06 – fl. 08).

Inicialmente, a inicial (fls. 02-06) afirma que:

“O Impetrante ajuizou nesta data, perante esta Excelsa Corte, mandado de segurança objetivando, entre outras coisas, a declaração da nulidade do ato da “CPI dos BINGOS” que aprovou a sua convocação para prestar depoimento no dia 20.04.2006 – amanhã -, às 09h30min.

Conforme exposto naquela oportunidade, as justificativas apresentadas pelos Eminentes Senadores da República para embasar a convocação do Impetrante desbordam plenamente dos fatos certos e determinados que motivaram a instauração da chamada “CPI dos BINGOS”.

Não bastasse, a justificativa apresentada para a convocação do Impetrante já foi objeto de inúmeras investigações e processos judiciais desde que emergiram, em meados de 90, as “denúncias” do Sr. Paulo de Tarso Venceslau. E todas as mencionadas investigações afastaram a prática de qualquer ato ilícito ou irregular, especialmente por parte do Impetrante.

Diante dos sólidos fundamentos apresentados na petição inicial, corroborados pela prova pré-constituída anexada àquele petitório, e, ainda, diante da manifesta URGÊNCIA, foi requerida no bojo do mandamus a concessão de medida liminar objetivando, entre outras coisas, suspender a eficácia do ato de convocação do Impetrante ou, ao menos, a delimitação dos questionamentos formulados ao Impetrante ao objeto da ‘CPI dos BINGOS’ – o qual, aliás, é de todo desconhecido do Impetrante.

O interesse do Impetrante na obtenção da mencionada segurança permanece incólume.

Todavia, como o depoimento do Impetrante está designado para o dia 20.04.2006, amanhã, às 09h30min e até o momento não foi apreciado o pedido de liminar formulado no citado mandamus, faz-se necessária a impetração deste habeas corpus – objetivando assegurar o exercício das garantias constitucionais mais basilares.” (fls. 02/03)

Antes de tecer maiores considerações sobre o caso, cabe esclarecer que, segundo os registros oficiais do sistema digital da Secretaria Judiciária deste Supremo Tribunal Federal, às 14:36h, desta quarta-feira, 19/04/2003, CRISTIANO ZANIN MARTINS (Petição no 50.621/2006) impetrou o Mandado de Segurança no 25.948-DF, cujo pedido é o seguinte:

“a) diante da manifesta URGÊNCIA (o ato coator será realizado amanhã, às 09h30min) E PLAUSIBILIDADE DA AFIRMAÇÃO DE DIREITO EXPOSTA NESTA PETIÇÃO, com fundamento no art. 7°., II, da Lei nº 1.533/51, a concessão de liminar inaudita altera pars com o fim de:

a.1) suspender integralmente a eficácia do ato que aprovou o Requerimento nº 296/05, que determinou a convocação do Impetrante para prestar depoimento à “CPI dos BINGOS” em 20.04.2006, bem como de todos os atos dele decorrentes;

a.2) subsidiária e cumulativamente, para determinar à Autoridade Coatora que as eventuais perguntas dirigidas ao Impetrante durante a sessão indicada no ato coator observem estritamente os fatos certos e determinados que motivaram a instauração da chamada “CPI dos BINGOS”, todos eles relacionados a “quadrilhas que se valem da exploração das casas de bingo para lavar dinheiro proveniente de atividades criminosas” (a respeito dos quais, aliás, o Impetrante não tem qualquer conhecimento), facultando ao Impetrante, ainda, o direito de não responder qualquer pergunta que extrapole tais fatos certos e determinados sem que isso lhe acarrete qualquer espécie de sanção ou reprimenda;

a.3) ainda subsidariária e cumulativamente, determinar à Autoridade Coatora que se abstenha de dar início ao depoimento indicado no ato coator até que equipe médica especializada, por ela indicada (autoridade coatora) verifique, sob responsabilidade pessoal de médicos devidamente identificados, se o Impetrante reúne condições de saúde para prestar tal depoimento — determinando-se que a Autoridade Coatora informe a esta Corte os profissionais que participaram da mencionada diligência;

a.4) ainda subsidariária e cumulativamente, determinar à Autoridade Coatora a observância do direito do Impetrante de ser assistido em todo o seu depoimento por advogados devidamente constituídos, com todas as prerrogativas previstas no art. 7°., da Lei nº 8.906/94.

b) sucessivamente, com base no art. 7°., I, da Lei nº 1.533/51, seja a Autoridade Coatora intimada para, querendo, prestar suas informações;

c) na mesma oportunidade, seja a Autoridade Coatora intimada, com fundamento no art. 6°., parágrafo único, in fine, da Lei nº 1.533/51, para trazer aos autos cópia de todos os documentos que embasaram a edição do ato ora impugnado;

d) seja ouvido o Ministério Público;

e) após regular processamento, seja confirmada integralmente a medida liminar “supra”, inclusive para declarar a nulidade do ato que aprovou o Requerimento nº 296/05, que determinou a convocação do Impetrante para prestar depoimento à “CPI dos BINGOS” em 20.04.2006, bem como de todos os atos dele decorrentes —- determinando-se o encaminhamento dos documentos correspondentes a esta Col. Corte.”


Em despacho de hoje (19/04/2006), diante da abrangência e da complexidade de fatores fáticos e jurídicos para a apreciação do objeto do referido mandamus, solicitei à autoridade apontada como coatora a apresentação das informações no prazo legal.

Nesse contexto, tendo em vista as significativas diferenças com relação ao pedido sob apreciação neste habeas corpus, passo a decidir.

Em síntese, o ato impugnado (fl. 28) consiste em convocação do impetrante para prestar depoimento, perante a referida Comissão, no dia 20 de abril de 2006, às 09:30h. Eis o teor do Ofício no 223/06:

“Na qualidade de Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento nº 245, de 2004, para ‘Investigar e apurar a utilização das casas de bingo para a prática de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como a relação dessas casas e das empresas concessionárias de apostas com o crime organizado’, e nos termos do disposto no §3o do art. 58 da Constituição Federal, bem como do art. 148 do Regimento Interno do Senado Federal, comunico a Vossa Senhoria que esta Comissão deliberou, através do Requerimento nº 296/05, de autoria dos Senadores Arthur Virgílio e Agripino Maia, convocá-lo para prestar depoimento no próximo dia 20 de abril (quarta-feira), às 09:30 horas a esta CPI, no Plenário nº 03 da Ala Senador Alexandre Costa, Anexo II do Senado Federal”. (fl. 08)

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), o impetrante/paciente argumenta que:

“O ‘Ofício n° 223/06’ não contém qualquer especificação a respeito da condição em que a ‘CPI dos BINGOS’ pretende ouvir o Impetrante. Ou seja, não há referência nesse ofício se o Impetrante será ouvido na condição de testemunha ou de averiguado.

Diante desse cenário, não há dúvida de que o Impetrante faz jus à proteção constitucional de se manter em silêncio, sem qualquer sanção, na hipótese de lhe ser assacada qualquer espécie de imputação ou acusação pela ‘CPI dos BINGOS’.

Realmente, não existe qualquer dúvida de ordem legal ou de orientação jurisprudencial no tocante ao direito de o Impetrante não ser obrigado a responder qualquer indagação que possa, de alguma forma lhe trazer prejuízos. Tal conduta em hipótese alguma pode caracterizar delito de falso testemunho e, ainda, ensejar qualquer espécie de ameaça de ordem de prisão.

O silêncio, na hipótese ora aventada, configura exercício legítimo da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, entre outros precedentes, colha-se, entre diversas outras, a r. decisão proferida por esta Excelsa Corte no HC 79.244, da relatoria do Em. Ministro Sepúlveda Pertence.

Da mesma forma, o Impetrante não pode ser constrangido a falar sobre qualquer assunto que se insira no seu dever de sigilo profissional.

Saliente-se, por oportuno, que o Impetrante é advogado militante há 36 (trinta e seis) anos e tem o dever de sigilo em relação a todos os atos e fatos ocorridos ao longo dessa profissão, tal como estabelece o Estatuto do Advogado em seu art. 7°, XIX, entre outros diplomas.

Assim, diante do cenário apresentado, mostra-se de rigor a concessão de salvo conduto em favor do Impetrante a fim de dispensá-lo de responder ou se pronunciar, sem qualquer ameaça de prisão, sobre qualquer imputação que lhe seja dirigida pelos membros da ‘CPI dos BINGOS’.

Mostra-se de rigor, ainda, a concessão de salvo conduto a fim de garantir ao Impetrante, sem qualquer ameaça de restrição da sua liberdade, o direito de preservar o sigilo profissional dos atos e fatos inerentes à sua condição de advogado.” (fls. 05-06).

Quanto à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), alega-se que o paciente foi convocado para comparecer à “CPI dos Bingos” no dia 18 de abril de 2006, não havendo tempo hábil, por conseguinte, para que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o mérito da impetração, assegurasse o direito do impetrante em permanecer calado durante o depoimento.

Por fim, o impetrante requer:

“(…) seja concedido, liminarmente SALVO CONDUTO em favor do Impetrante especialmente para:

a) garantir ao Impetrante o direito ao silêncio sem qualquer espécie de ameaça de restrição de liberdade diante de eventual imputação ou acusação que lhe seja dirigida pelos Ilustres Parlamentares durante o depoimento a ser prestado no dia 20.04.2006 na “CPI dos BINGOS”;

b) garantir ao Impetrante o direito ao silêncio sem qualquer ameaça de restrição de liberdade ao fazer uso do sigilo profissional ao qual está sujeito na condição de advogado militante.

Após regular processamento, requer-se seja concedida ordem de habeas corpus, confirmada a liminar acima requerida, tornando-a definitiva.” (fl. 06).


Nesse contexto, estando o paciente convocado para prestar esclarecimentos em audiência pública a realizar-se no próximo dia 20 de abril de 2006, passo a apreciar tão-somente o pedido de medida liminar.

Em recentes ocasiões de deferimento de medidas liminares, cujos pedidos eram similares ao destes autos (cf., nesse particular, o HC no 88.228-DF, decisão de 13/03/2006, DJ de 28/03/2006), tenho asseverado que a Constituição confere às Comissões Parlamentares de Inquérito os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (CF, art. 58, § 3o). O Supremo Tribunal Federal tem entendido que, tal como ocorre em depoimentos prestados perante órgãos do Poder Judiciário, é assegurado o direito de o investigado não se incriminar perante as Comissões Parlamentares de Inquérito (CF, art. 5o, LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (…)”).

Nesse sentido, vale ressaltar a seguinte passagem da ementa de decisão proferida no HC no 79.812-SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 16.02.2001, verbis:

“COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – PRIVILÉGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO – DIREITO QUE ASSISTE A QUALQUER INDICIADO OU TESTEMUNHA – IMPOSSIBILIDADE DE O PODER PÚBLICO IMPOR MEDIDAS RESTRITIVAS A QUEM EXERCE, REGULARMENTE, ESSA PRERROGATIVA – PEDIDO DE HABEAS CORPUS DEFERIDO. – O privilégio contra a auto-incriminação – que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. – O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. (…)” (HC no 79.812-SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16.02.2001)

Essa orientação, amplamente consolidada na jurisprudência da Corte (dentre outros: HC no 83.357-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 26.03.2004; HC no 79.244-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24.03.2000), tem sido objeto de críticas da sociedade e dos meios de comunicação, no sentido de se conferir um “bill of indemnity” ao depoente para que ele se exima de fornecer informações imprescindíveis à regular instrução.

Caso se pretenda atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas, então devem–se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito. Em outras palavras, é necessário definir a exata conformação do seu âmbito de proteção. Tal colocação já seria suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador, tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições.

Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e sete incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

O direito ao silêncio, que assegura a não-produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.


Como se sabe, na sua acepção originária conferida por nossa prática institucional, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações.

A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, Günther Dürig afirma que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 1I 18).

Em tese, a premissa acima seria suficiente para fazer incidir, automaticamente, a essência dos direitos argüidos na impetração. E, se há justo receio de que eles venham a ser infringidos, deve-se deferir ao paciente o necessário salvo conduto que evite possível constrangimento. Isso não significa, sob hipótese alguma, afirmar que a situação de constrição de direitos ocorrerá ou ocorreria inevitavelmente.

Como ressaltado pelo Min. Celso de Mello na decisão liminar do MS no 25.617-DF, DJ de 23.11.2005, seria o caso de se pressupor que o conhecimento e a consciência próprios à formação jurídica dos parlamentares que compõem a direção dos trabalhos da “CPI dos Bingos” não “permitiria(m) que se consumassem abusos e que se perpetrassem transgressões” aos direitos dos depoentes.

Eventos de passado recente e de público conhecimento indicam, contudo, a oportunidade e a necessidade de acautelar qualquer eventual ocorrência de constrangimento ilegal (cf., nesse particular, a situação apreciada no MS no 25.668-DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento de 23/03/2006, DJ de 31/03/2006).

Nas circunstâncias dos autos, afigurar-se-ia inequívoco, pelo menos em sede de juízo cautelar, que o não reconhecimento do direito de o paciente isentar-se de responder às perguntas, cujas respostas possam vir a incriminá-lo, pode acarretar graves e irreversíveis prejuízos a direito fundamental do paciente.

De outro lado, deve-se ter em mente que não é possível esvaziar o conteúdo constitucional da importante função institucional atribuída às Comissões Parlamentares de Inquérito pelo ordenamento jurídico brasileiro (CF, art. 58, § 3o).

Vale ressaltar, nesse ponto, o teor do Requerimento no 296/05 (fl. 08), expedido pelos Senadores da República, Arthur Virgílio e José Agripino, verbis:

“Requeremos, nos termos regimentais, a convocação para prestarem depoimento nesta CPI, os senhores PAULO DE TARSO VENCESLAU, ex-secretário de Finanças dos Municípios de Campinas, na administração de Jacó Bitar e São José dos Campos, na gestão de Ângela Guadagnin, assim como o senhor ROBERTO TEIXEIRA, citado como representante da empresa CPEM – Consultoria Para Empresas e Municípios, apontada por auditoria como responsável por irregularidades junto a aquelas prefeituras”. (fl. 08).

Logo em seguida, o referido requerimento apresenta a seguinte “Justificativa”:

“O senhor Paulo de Tarso Venceslau é autor de denúncias contra a empresa CPEM junto a prefeituras administradas pelo Partido dos Trabalhadores. Segundo ele, o senhor Roberto Teixeira era o representante da empresa junto a prefeituras. Ainda segundo Paulo de Tarso, Paulo Okamoto, ouvido nesta CPI, intermediou as conversações entre ambos. Okamoto nega peremptoriamente a denúncia. Faz-se necessário, portanto a oitiva de ambos os citados para melhor esclarecimento dos fatos.” (fl. 08)

À primeira vista e sem avançar quanto a convicções mais profundas acerca da pertinência ou não do objeto da “CPI dos Bingos” e a fundamentação da convocação do paciente/impetrante, observo que, da leitura conjunta dos documentos acostados à inicial, a motivação do comparecimento perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito decorreu de alegação de terceiro (o Sr. Paulo de Tarso Venceslau) segundo a qual o ora paciente seria representante da “empresa CPEM junto a prefeituras administradas pelo Partido dos Trabalhadores”.

De fato, em princípio, a motivação do ato impugnado possui íntima vinculação com o suposto exercício de atividade de representação jurídica, pelo impetrante. Denota-se, portanto, que, excetuados os assuntos sobre os quais o advogado tenha o dever de manter, por disposição legal (Lei no 8.906/1994, art. 7o), sigilo, não vislumbro qualquer óbice para que o paciente atenda a eventual solicitação de informações, sem prejuízo de posterior apreciação de lesão a direito pelo Poder Judiciário.

Nesses termos, defiro a medida liminar, nos termos em que requerida, para que a “CPI dos Bingos” conceda ao paciente o tratamento próprio à condição de “acusado” ou “investigado”, assegurando-se-lhe o direito de: i) não assinar termo de compromisso na qualidade de testemunha; e ii) sobre os assuntos que não haja dever legal de sigilo (Lei no 8.906/1994, art. 7o), permanecer calado, em seu depoimento perante a CPI dos Bingos, sem que, por esse motivo específico, seja preso ou ameaçado de prisão.

Ressalvo, porém, que, com relação aos fatos que não impliquem auto-incriminação, persiste a obrigação de o depoente prestar informações.

Expeça-se o salvo conduto, nos termos do art. 191, IV, do RISTF, até decisão final do feito, tendo em vista grave risco de consumação de constrangimento ilegal contra o ora paciente.

Comunique-se, com urgência, mediante telex, ao Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos (“CPI dos Bingos”), o Senador Efraim Morais.

Após, requisitem-se informações à autoridade coatora e abra-se vista à Procuradoria-Geral da República, nos termos dos arts. 191 e 192, do RISTF.

Brasília, 19 de abril de 2006.

Ministro GILMAR MENDES

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