Massacre da impunidade

Carajás rememora a rotina de mortes sem culpados

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17 de abril de 2006, 17h33

O massacre de Carajás completou nesta segunda-feira (17/4) dez anos. São dez anos de impunidade. Nenhum dos 155 policiais envolvidos na morte de 19 sem-terras na tarde de 17 de abril de 1996, no sul do Pará, cumpre pena pelo crime. Tampouco as autoridades responsáveis pela operação.

O Ministério Público do Pará apresentou denúncia contra os 155 policiais que participaram diretamente do conflito, mas os processos foram arquivados por falta de provas no Superior Tribunal de Justiça. Os únicos condenados até agora, o coronel Mário Colares Pantoja e o capitão Raimundo José Almendra Lameira que comandavam os dois batalhões que intervieram na ação, aguardam em liberdade julgamento de recurso no Superior Tribunal de Justiça.

O massacre aconteceu na chamada curva do “S”, no município de Eldorado dos Carajás. Membros do Movimento Sem Terra, que participavam de uma marcha em direção a Marabá (PA), bloquearam a estrada na altura de Eldorado. A Polícia Militar foi acionada para desobstruir a estrada. No confronto foram mortos 19 integrantes do movimento e outros 69 ficaram feridos. Depois de alguns meses, outros dois lavradores morreram em razão dos ferimentos.

Segundo o procurador-geral de Justiça do Pará, Francisco Barbosa de Oliveira, o sentimento é de total impotência e impunidade. Para ele, o Ministério Público estadual não pôde fazer mais do que fez: denunciar os soldados que estavam no local do crime. “A grande dificuldade está em apresentar provas concretas de qual foi a atuação de cada soldado. Por isso as denúncias foram rejeitadas”. De acordo com o procurador-geral, o MP interpôs recursos em todas as instâncias e levou a causa a té o STJ, a quem coube a decisão final de arquivar o processo

O Tribunal de Justiça do Pará chegou a responsabilizar o coronel e o capitão que comandaram a operação. O coronel Pantoja foi condenado a 228 anos e o capitão Almendra a 158 anos de prisão em regime fechado. A defesa recorreu no Superior Tribunal de Justiça com pedido de anulação do julgamento. Uma liminar do STJ assegurou a liberdade dos acusados enquanto aguardam o julgamento. “O Ministério Público já se manifestou contra a anulação do julgamento, mas caberá ao STJ decidir” diz o procurador-geral do Pará.

Também o governador à época, Almir Gabriel (PSDB), escapou de ser responsabilizado. Segundo o MP, não existem evidências que comprovem que a ordem de atirar tenha partido do governador. Segundo o procurador-geral do Pará, “não houve nenhum esclarecimento de onde partiu essa ordem. Os comandantes das tropas que não tiveram a devida cautela para comandar as ações se perderam.”

Para o procurador-geral do Pará, a falta de provas é a principal responsável pela impunidade dos envolvidos. “O órgão acusador só tem como imputar uma acusação que ele tenha como provar nos autos. Aquela idéia de que é fácil acusar é falsa. Acusar é muito difícil porque a acusação tem que ter um mínimo de provas,” justifica.

O histórico de impunidade de Carajás é quase que a regra em massacres similares ocorridos na década de 90.

Massacre do Carandiru

O massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992, em que 111 presos foram mortos no Pavilhão 9 da extinta penitenciária, na Zona Norte de São Paulo, também não tem nenhum condenado. A operação militar comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães tinha como objetivo conter uma rebelião de presos.De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, apesar do grande tumulto e de sinais de fogo, não havia perigo de fuga. Com a chegada da Polícia Militar, os presos colocaram faixas brancas na janela como sinal de rendição e muitos deles jogaram seus estiletes no pátio. O presídio foi invadido por 84 policiais e o resultado foi a chacina de 111 detentos.

Os 84 policiais militares envolvidos na invasão do presídio não tiveram seus processos por homicídio julgados até agora. O coronel Ubiratan Guimarães, condenado no Tribunal do Júri a 632 anos de prisão em julho de 2001, foi absolvido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no dia 22 de fevereiro deste ano. Para os desembargadores do Órgão Especial, a juíza havia decidido equivocadamente ao interpretar o veredicto em um dos quesitos do júri que condenou o coronel. Em sua opinião, ao entender que o coronel agiu no estrito cumprimento do dever legal, o Júri o absolveu.

O processo do coronel subiu para o Órgão Especial depois que ele se elegeu deputado estadual, o que lhe deu direito a foro especial. Ubiratan se elegeu usando o número 111 e explorando o discurso de segurança pública. Entre os 25 desembargadores que compõem o Órgão Especial, apenas o relator, Mohamed Amaro, e o revisor, Vallim Bellocchi, pediram a condenação do coronel.

O procurador Antonio Visconti atual responsável pelo caso do coronel Ubiratan, esclarece que o acórdão que decidiu pela absolvição ainda não foi publicado e que o Ministério Público certamente recorrerá da decisão. “Essa decisão não tem base técnica. O órgão podia até anular o julgamento mas não ter absolvido o réu.”

O promotor Norberto Jóia, que tratou do caso, sustenta que “a decisão afrontou tudo que estava no processo. Quem analisou o processo com profundidade sabe que a decisão do Júri, do relator e do revisor no Órgão Especial foi totalmente contrária ao que decidiram os desembargadores do Órgão Especial. Os jurados queriam condenar o coronel.”

Se o STJ acolher o recurso do MP, Ubiratan deverá ser julgado novamente ou pelo Órgão Especial (se ainda for deputado na época) ou pelo Tribunal Júri.

Os outros 84 policiais acusados recorreram da pronúncia e o processo está aguardando no Tribunal de Justiça de São Paulo. “Lamentavelmente uma série de circunstancias, que a própria lei propiciou, retardou o julgamento desses acusados”, diz o promotor Jóia. “Além do mais, o número de vítimas, de acusações e processos originários da auditoria militar contribuíram para que não houvesse uma rápida solução do caso.”

Segundo o promotor, o processo contra os policiais veio praticamente pronto do processo administrativo instaurado pela própria Polícia Militar. “Por isso tínhamos mais um problema que era adequar o rito do júri ao código de processo penal militar”, diz Jóia.

O governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho, bem como o Secretário de Segurança Pública, Pedro Franco Campos, à época do massacre não foram responsabilizados.

Vigário Geral

No caso da chacina de Vigário Geral, ocorrida de 13 anos, já há condenados cumprindo pena pelo crime. No dia 30 de agosto de 1993, 54 policiais militares invadiram a favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, e assassinaram 21 pessoas. Segundo o Ministério Público, o crime foi uma vingança pela morte de quatro policiais militares dois dias antes, no mesmo bairro. Dez dos participantes do massacre foram condenados.

Segundo o promotor Paulo Rangel foram condenados todos os acusados contra os quais foi possível levantar provas suficientes dos crimes. Os demais foram absolvidos por insuficiência de provas.” Dos condenados apenas o réu Leandro Marques da Costa, o “Bebezão” não está preso por estar foragido.

Para Rangel “A Justiça fez o que estava ao seu alcance, assim como a policia procedeu à investigação investigação e o Ministério Público atuou de acordo com suas limitações. O MP não processa mais pessoas porque não tem material de investigação próprio para isso.”

Chacina da Candelária

No caso da chacina da candelária, dos oito policiais citados no crime, apenas três estão cumprindo pena. O ex-policial Marcos Vinícius Emanuel foi julgado e condenado, recebendo a pena de 300 anos de reclusão em regime fechado. Nelson Oliveira dos Santos Cunha foi condenado a 18 anos. E Marcos Aurélio Dias Alcântara, 204 anos.

O crime ocorreu na madrugada de 23 de julho de 1993, no centro do Rio, quando um grupo de policiais militares assassinaram a tiros oito menores, todos moradores de rua.

Os policiais Jurandir Gomes de França, Marcelo Cortes e Cláudio Luiz Andrade dos Santos foram absolvidos pelo júri popular. Arlindo Lisboa Afonso Júnior ainda não foi levado a julgamento. E Maurício da Conceição, conhecido como Sexta-feira 13, foi assassinado antes de ser julgado pelos crimes cometidos na Candelária.

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