Caso Richthofen

Advogados de Suzane entram com pedido de Habeas Corpus

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17 de abril de 2006, 18h25

Uma semana depois de Suzane Richthofen ter voltado para a cadeia, os seus advogados entraram com pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo. Mário de Oliveira Filho e Mário Sérgio de Oliveira apresentaram o recurso no final da tarde desta segunda-feira (17/4).

Para tentar reverter a prisão preventiva de Suzane, os advogados defendem a tese de que o decreto não estava devidamente fundamentado. “A única justificativa que se encontra para o encarceramento é a violenta e insuportável pressão jornalística para tanto pois, nos autos, a justificativa não existe”, afirmam no pedido.

Os irmãos Oliveira rebatem todos os argumentos, considerados por eles vagos, do juiz decretou a prisão. Eles argumentam que a possível ameaça que Suzane representaria para seu irmão e uma das testemunhas do caso, Andreas, não passa de suposição pessoal do juiz. “A frase está solta, é indefinida, lacônica e sem indicação ao menos da existência de firme probabilidade da razão de se invocar a garantia da testemunha com tão dura medida.”

Os defensores alegam que, em nenhum trecho do processo, tal ameaça existe. Lembram que o próprio promotor do caso, Roberto Tardelli, teria afirmado, em agosto do ano passado, em um programa de televisão, que Suzane nunca ameaçou o irmão. Além disso, afirmam que o próprio Andreas nunca disse sentir-se ameaçado.

Rebatem o argumento do juiz sobre a disputa pela herança dos pais travada entre Suzane e o irmão. Segundo os advogados, a briga é antiga e se passa no meio cível, sem influenciar no meio criminal. Por isso, não seria motivo para prisão.

Sobre a tentativa da acusada de tentar influenciar o júri popular, os advogados consideram-na ausente de previsão legal para fundamentar uma prisão. Os dois afirmam que, uma vez que o crime e todo o processo foram amplamente divulgados, o júri popular deve ser formado por pessoas que já estão influenciadas, e isso não é ilegítimo.

O pedido de Habeas Corpus deve ser encaminhado, por prevenção, para a 5ª Câmara Criminal.

Defesa própria

No pedido de Habeas Corpus, antes de entrar no mérito, os advogados Mário de Oliveira Filho e Mário Sérgio de Oliveira sustentam que foram achincalhados pela imprensa, especialmente pela Rede Globo, por terem sido flagrados orientando sua cliente. Eles ressaltam que a entrevista que Suzane concedeu para a emissora foi editada, “tentando passar uma imagem negativa dos profissionais”. Lembram que haviam acordado com a Globo sobre a não edição do material.

Por isso, afirmam que contatarão a Rede Globo para obter o seu direito de resposta e também exigirão a entrega da fita bruta gravada, sem os cortes, “quando então a verdadeira farsa urdida surgirá”.

O mesmo crime, o mesmo castigo

Suzane Richthofen foi presa em novembro de 2002 depois de confessar que participou do assassinato de seus pais, Marisia e Manfred, junto com seu então namorado Daniel Cravinhos e o irmão dele, Christian Cravinhos. Em 29 de junho de 2005, obteve liberdade provisória, concedida pelo Superior Tribunal de Justiça. Voltou novamente para a cadeia na semana passada, dia 10 de abril, depois te ter sido exibida sua entrevista para o programa Fantástico, da Rede Globo.

Daniel e Christian também aguardavam o julgamento em liberdade desde novembro do ano passado. Em 23 de janeiro, sua prisão foi novamente decretada depois de terem dado uma entrevista para Rádio Jovem Pan.

Os dois devem ser julgados pelo Tribunal do Júri no dia 5 de junho. No entanto, o julgamento de Suzane pode ser adiado para que não aconteça junto com o dos irmãos Cravinhos.

Leia a íntegra do pedido de Habeas Corpus

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Observação: Por prevenção à Colenda 5ª Câmara Criminal

Os advogados Mário de Oliveira Filho e Mário Sérgio de Oliveira, ambos regular e formalmente inscritos na E. Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob os nºs 54.325 e 142.871, vêm, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta Política de 88 e artigos 647, 648 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar com PEDIDO DE LIMINAR a presente ordem de

HABEAS CORPUS

em favor da Paciente SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN, brasileira, maior, solteira, portadora da cédula de identidade rg nº 33.041.325-9 – SSP/SP, residente na rua Wilza Medeiros Martins, nº 340, apto 13, Morumbi, São Paulo, Capital, atualmente recolhida presa à disposição da Justiça Pública No Centro de Ressocialização de Rio Claro, contra a MMa. AUTORIDADE JUDICIÁRIA PRESIDENTE DO EGRÉGIO PRIMEIRO TRIBUNAL DO JÚRI DA CAPIT/AL, em razão dos seguintes motivos de fato e de direito a seguir articuladamente expostos.


I – SÍNTESE DOS FATOS

Vê-se a Paciente pronunciada no processo criminal em trâmite perante o E. Primeiro Tribunal do Júri da Capital, autuado sob o n º 052.02.004354-8, pronunciada no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I, III e IV, cc. artigo 29, por duas vezes, artigo 347, parágrafo único, cc. artigo 29, todos do Código Penal.

O feito encontra-se com julgamento designado para o dia 05 de junho de 2006, apesar da decisão de pronúncia não ter transitado em julgado, pois pendente de apreciação de agravo de despacho autuado sob o nº 429367.3/0-04, ainda na esfera de e. Sodalício, aguardando subida dos autos ao STJ.

A Paciente foi presa preventivamente em 08 de novembro de 2002, e solta em 29 de junho de 2005, por força de decisão judicial exarada pela Colenda 6ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça nos autos HC nº 41182, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa.

Decorrido o lapso de 10 meses de liberdade, após a mídia veicular matéria jornalística em 09 de abril de 2006, sobre os fatos com entrevista da Paciente, a requerimento do Ministério Público, decretou-se novamente, em 10 de abril de 2006, a prisão preventiva para proteção de um informante e garantia da ordem pública.

É a síntese do necessário.

II – PRELIMINAR DE ESCLARECIMENTO FÁTICO

Indisfarçáveis as conseqüências negativas suportadas pelo advogado quando patrocina a defesa de acusados em causas antipáticas à população, a qual, forma sua convicção sobre o assunto pela imprensa, dependendo do interesse desta com relação ao caso.

A indignação da opinião pública contra o delito em si é transferida para a pessoa do advogado, confundido como defensor do crime praticado e não da pessoa acusada de cometê-lo, nesse sentido vem a imprensa por puro sensacionalismo, processar, julgar, condenar e executar a pena, invariavelmente, contra a honra do profissional.

Não foi diferente no caso Richthofen, quando o programa dominical “Fantástico”, jogou seus holofotes contra os advogados da acusada, utilizando-se de uma fita editada, montada com cortes e emendas, tentando passar uma imagem negativa dos profissionais, quando um deles conversava com a cliente, de maneira reservada e pessoalmente, como, aliás, lhe garante a Lei Federal 8.906/94, dando-lhe orientação sem mandar-lhe montar prova, plantar testemunha, forjar documento ou coisa que o valha.

O fato repercutiu na imprensa nacional, tendo entidades como a Associação dos Advogados Criminais do Estado de São Paulo – ACRIMESP-, e profissionais do quilate de Miguel Reale Jr., Antonio Ruiz Filho, presidente da importantíssima Associação dos Advogados de São Paulo – AASP , Rui Celso Reale Fragoso (ex-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP), David Teixeira de Azevedo (professor de Direito Penal do Largo de São Francisco – USP) , Francisco Lobo da Costa Ruiz (Presidente da Comissão de Defesa da Advocacia Núcleo Criminal da OAB/SP) , Paulo Sérgio Leite Fernandes, Luiz Nassif (jornalista da Folha de São Paulo) , entre tantos outros profissionais do direito que se manifestaram em importantes e sérios sites jurídicos como “Conjur” e “Migalhas”, saído em defesa pública pelos meios de divulgação, do comportamento dos advogados, condenando a emissora pela ilícita interceptação da comunicação entre advogado e cliente, tornando-a pública.

Novamente neste domingo último, 16 de abril, em razão das duras críticas vindas dos mais variados segmentos da sociedade, contra o programa “Fantástico”, a emissora requentou o assunto, mas agora já em indisfarçável tom de justificação do seu espúrio, arbitrário e ilícito procedimento, buscando dar ares de isenção e de lisura naquilo que já está óbvio não o ser, principalmente com relação ao acordo feito por escrito com os defensores sobre o conteúdo da reportagem, edição e outros detalhes.

Mas, coisa extrapolou os limites e a prisão preventiva da ora Paciente foi novamente decretada, sendo saciado o desejo da opinião pública em razão daquela matéria jornalística apresentada. Motivação fática ou jurídica para a adoção da medida extrema (a qual será guerreada adiante) pouco importou, o real interesse era prender Suzane. A imprensa pressionava e a opinião pública exigia. A lei ora a lei…

Em razão da descomunal e irrefreável força da mídia, há de se recordar, casos de exaltação da população impulsionada pela imprensa, exigindo punição legal de forma antecipada e logrando condenação moral irreversível, de acusados que ao final se se comprovaram inocentes, lembrando os casos da “Escola Base” e “Bar Bodega”, entre outros de menor repercussão. Ainda necessário ressaltar e rememorar a influência não da informação, mas, da formação da convicção da população sobre determinado assunto, principalmente os das esferas, policial e criminal, a milionária produção da minissérie de televisão sob o título “Quem ama não mata”, levada ao ar e encerrada às vésperas da realização do segundo julgamento do então réu, Doca Street, duramente atacado pela imprensa que exigia a sua condenação e a conseguiu.


A emissora será acionada para o direito de resposta pelos advogados, como também e ainda, exigida a entrega da fita bruta gravada, sem cortes e edições, quando então a verdadeira farsa urdida surgirá.

Esses senhores Desembargadores os esclarecimentos entendidos como imprescindíveis pelos defensores que subscrevem o presente writ.

III – DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E DA SUA ILEGALIDADE MANIFESTA

Em imediato atendimento ao requerimento formulado pelo Ministério Público para a decretação de prisão preventiva contra a ora Paciente, a MMa. Autoridade Coatora, decretou-a nos seguintes termos:

“… As notícias trazidas pelo Ministério Público, agora, traduzem um verdadeiro risco para a testemunha do feito, bem como a aplicação da lei penal”.

Com efeito, o documento de fls., colacionando reprodução de fotografia da ré, em companhia supostamente, de sua avó, deixa evidente que está ao seu alcance a testemunha Andréas….

Mais do que garantir a aplicação da leio penal e proteger uma testemunha, tem-se a necessidade de garantir a perfeita ordem de julgamento da ré e dos demais acusados, uma vez que se nota a clara intenção de criar fatos e situações novas modificando, indevidamente, o panorama processual. Aos senhores jurados deverá ser assegurado o direito, constitucional, de julgamento pelas provas dos autos, o que se visa garantir, também, pela presente.” (transcrição do texto conforme o original)

Cediço o entendimento de todos os tribunais criminais do país, a necessidade de se fundamentar com dados objetivos e comprovados a imposição da prisão cautelar, em respeito aos regramentos de ordem legal insculpidos tanto na Constituição Federal como na legislação infraconstitucional.

É através da fundamentação, com efeito, que se expressam os aspectos mais importantes considerados pelo julgador ao longo do caminho percorrido até a conclusão última, representando, por isso o ponto de referência para a verificação da justiça, imparcialidade, atendimento às prescrições legais e efetivo exame das questões suscitadas pelos interessados no pronunciamento judicial. 1

De igual forma também cediço o entendimento pretoriano da impossibilidade da decretação de prisão preventiva citando-se apenas e tão somente as situações previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, a descoberto de elementos de convicção sérios e veementes a apontar a adoção da medida extrema de coação da liberdade:

“A simples reprodução das expressões ou dos termos legais expostos na norma de regência, divorciada dos fatos concretos ou baseada em meras suposições ou pressentimentos, não é suficiente para atrair a incidência do art. 312 do Código de Processo Penal, tendo em vista que o referido dispositivo legal não admite conjecturas. A decretação da prisão preventiva deve reger-se sempre pela demonstração da efetiva necessidade da medida no caso em concreto”.

(STJ, HC 41651-SP, 5ª Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU 29/8/05, p 382).

A custódia cautelar não pode se revestir da roupagem de condenação antecipada, por mais que essa seja desejada pela acusação oficial, pela forte mídia e até, em princípio, pela própria essência da prova dos autos, mormente quando se fala de crime de repercussão e ainda afeto à competência do Tribunal do Júri.

Aliás, sobre o tema da influência da imprensa nas coisas da justiça, o mestre Evandro Lins e Silva de saudosa ausência e falta incomensurável na vida jurídica do país, em seu beste- seller “A defesa tem a palavra”, cita Lainer e Vonoven, numa generalização radical: “Todo repórter é ministério público”2

O lacônico texto do r. despacho consigna que a reprodução de fotografia da ré, em companhia supostamente, de sua avó, deixa evidente que está ao seu alcance a testemunha Andréas….

Além dessa interpretação pessoal do d. magistrado, não há no volumoso corpo do processo, assim como, nem antes nem depois dos fatos, uma única frase, uma única expressão, uma única palavra, um único indício, de que exista a necessidade de se preservar a testemunha Andréas, de sua irmã a Paciente. Essa hipótese, se assim pode ser encarada, existe somente na mera suposição do e. magistrado a quo.

A frase está solta, é indefinida, é indeterminada, lacônica e sem indicação ao menos da existência de firme probabilidade da razão de se invocar a garantia da testemunha com tão dura medida.

A suposição mencionada não indica (como não poderia ser de outro modo porque ai deixaria de ser mera suposição) qual o concreto e real motivo dessa necessidade a não ser sua própria e isolada opinião.

Durante os dez meses de liberdade Suzane não se pronunciou uma única vez sobre os fatos, exceção feita às matérias do último dia 09, pois, reclusa até então em sua residência, não teve uma única atitude contra quem quer que seja muito menos contra seu irmão.


É imprescindível que o magistrado indique de maneira concreta, as circunstâncias fáticas que recomendem a adoção da medida coercitiva, que, por ser medida de exceção, somente decretada dentro das hipóteses precisamente fixadas em lei, sob pena de flagrante ilegalidade. 3

Ainda que sucinto, o despacho que decreta a prisão preventiva “há que demonstrar o silogismo do julgador,

pondo a premissa da lei diante dos fatos” (STF, RT 573/489) assim, não pode se basear em meras suposições, “cumprindo apontar fatos concretos, vinculados à atuação do acusado, que comprovem atitudes contrária aos interesses da instrução criminal” (STF, RT 576/446), não se contentando a jurisprudência com a simples remissão às categorias abstratas contidas no artigo 312 do CPP (STJSP, RT 703/358 e 720/95; TJSP 559/360, TJPE, RT 696/390).4

Segue o r. decreto contra o qual se insurge a defesa, apontando outra situação que sob sua exclusiva ótica é passível de contemplar a prisão antecipada: “tornaram-se públicas as divergências havidas entre Suzane e seu irmão, ora por desacordo na partilha de bens dos falecidos pais, vítimas”.

O que se trava é uma antiga disputa judicial, entre os advogados civilistas das partes envolvidas, exclusivamente, na esfera da vara de família sem qualquer influência ou interferência no andamento dos autos do processo criminal.

A simples existência de querela judicial civil não pode receber entendimento tão amplo e extenso a ponto de ser contemplado como requisito fático com alcance jurídico a impor o retorno da Paciente ao cárcere.

Sobre esse assunto no programa televisivo da Rede Record, do dia 11 de agosto de 2006, intitulado “Hoje em Dia”, levado ao ar às 09:00 horas, o Promotor de Justiça oficiante no caso em longa entrevista com forte apelo sensacionalista, ao vivo, de viva-voz, categoricamente, mais de uma vez, afirmou em alto e bom som que “Suzane nunca ameaçou o seu irmão!!!”.

A ausência de fundamentação conduzirá à nulidade absoluta do decreto de prisão preventiva, porquanto se trata de violação de formalidade estabelecida pela própria Constituição (arts. 5º, LXI, e 93, IX) para garantia do direito de liberdade. 5

Nessa esteira de ausência de clara e objetiva fundamentação, num exercício de sustentação de elucubrações e suposições divorciadas da realidade fática da conduta de Suzane quando em liberdade, o severo decreto de prisão em atenção ao pleito ministerial argüiu a “necessidade de garantir a perfeita ordem do julgamento da ré e dos demais acusados, uma vez que se nota a clara intenção de criar fatos e situações novas, modificando indevidamente, o panorama processual. Aos senhores jurados deverá ser assegurado o direito, constitucional, de julgamento pelas provas dos autos, o que se visa garantir também, pela presente”. A redação demonstra o manifesto equívoco da argumentação expendida.

Ora, que os jurados irão decidir não resta dúvida técnica alguma, como também não resta nenhuma dúvida da influência da mídia sobre o espírito dos julgadores leigos que absorvem as notícias, as quais, invariavelmente, acusam, julgam e condenam antecipadamente, conforme anotou Patrick Champagne6, sobre as reações do público quando provocado pela imprensa, “não passam de um eco deformado e, muitas vezes, superficial das opiniões já manifestadas publicamente pelos profissionais da opinião pública em luta para imporem sua visão”. Se o magistrado erra, se o júri erra, o tribunal os corrige. E a imprensa quando erra quem a corrige?

Uma coisa é a modificação indevida do panorama processual outra é a lícita busca pela modificação do entendimento dos fatos e de situações preconcebidas que reiteradas vezes marteladas diariamente, hora a hora, minuto a minuto, pela influência da mídia como sendo verdades absolutas e impossíveis de modificação cuja intenção, sem dúvida não é de informar e sim de se criar um pré-veredicto.

Sem previsão legal de se impor o encarceramento de alguém em prisão cautelar sob a desculpa de se garantir aos jurados o direito constitucional de julgar o processo pelas provas dos autos!

Escapa tal assertiva de compreensão objetiva e concreta.

A publicidade prévia do fato criminoso ou dos atos do desenvolvimento processual pelos meios de comunicação, perante os casos da competência do Tribunal do Júri, é particularmente preocupante, pois, uma vez que o julgamento é feito por juízes leigos, a impressão que a mídia transmite do crime e do criminoso produz maior efeito neles do que as provas trazidas pelas partes na instrução e julgamento no plenário7.

Não há como se ignorar que a mídia que se utiliza da linguagem espetacular influencia a opinião pública desde o impacto inicial do processo informativo. Esse fator de influência se dá, não necessariamente, com a informação do acontecimento transformada em notícia, mas pela forma como ela é comunicada… (o jurado) é mais permeável à opinião pública, à comoção que se criou em torno do caso em julgamento, do que os juízes togados e, por sentirem-se pressionados pela campanha criada na imprensa, correm os riscos de se afastarem do dever da imparcialidade e acabam julgando de acordo com que foi difundido pela mídia.8


O próprio magistrado a quo, ao iniciar a redação do despacho, no tópico “decido”, abre-o consignando “tem-se assistido, pelos diversos veículos de mídia…”, demonstrando que também se guia pelas notas e informações trazidas por ela.

Assim, inegável, ser a prova dos autos mais uma fonte de informação a ser considerada pelos jurados quando do julgamento, porque já contaminados pelas provas extra-autos, previamente, promovidas pela imprensa. Portanto, descabida a prisão cautelar da Paciente sob o tal prisma de se garantir aos jurados o direito constitucional de julgarem pelas provas dos autos.

Diz ainda o texto de ordem de prisão explicitamente, uma única e tão só vez, que “Mais do que garantir a aplicação da lei penal….”, não mais se encontrado essa expressão em todo o corpo daquela redação.

Não há absolutamente nada esclarecendo, mesmo que timidamente, sobre a razão de se ter mencionado a expressão “garantir aplicação da lei penal”. Nada! Nenhuma explicação, sequer uma única palavra.

Todavia, há de se ressaltar, apesar a menção simples e solitária da expressão “garantir a aplicação da lei penal”, ter Suzane, prontamente, se apresentado quando requisitada pela Justiça, sem oposição de qualquer obstáculo, para tomar ciência do libelo crime acusatório, indo pessoalmente ao cartório e em seguida retornando à sua residência e à sua clausura.

E mais! Apresentou-se IMEDIATA e ESPONTANEAMENTE para ser presa assim que foi decretada a prisão preventiva. Não há de se falar em necessidade de prisão antecipada para garantia da aplicação da lei penal.

Enfim, as alegações expostas para a decretação da custódia preventiva padecem de inequívoca e irrespondível carga de ilegalidade, porque não respaldadas pela conduta da Paciente durante seu período de liberdade.

A única justificativa que se encontra para o encarceramento é a violenta e insuportável pressão jornalística para tanto, pois, nos autos ela não existe.

IV – DAS MOTIVAÇÕES EXTRA-AUTOS PARA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

Observando-se a ordem cronológica dos acontecimentos, depois das matérias jornalísticas citadas, veio a decretação da prisão preventiva e depois dela a entrevista do e. magistrado a quo, ao importante jornal “O Estado de São Paulo”, edição de 13 de abril de 2006, no caderno “Metrópole”, pag. C 6 , jornal “Folha de São Paulo”, edição de 14 de abril de 2006, p. C3 e programa Fantástico de 17 de abril.

Diferente das partes, o magistrado fala só nos autos e não fora dele.

Aliás, como é sabido “o que não está nos autos, não está no mundo”.

O julgador não deve, não precisa e não pode explicar seus atos processuais na imprensa, muito menos, por intermédio dela judicar. A motivação de suas decisões, obrigatoriamente, sob pena de nulidade, por imposição constitucional, é exarada nos autos, dando oportunidade às partes de defenderem, inclusive, com os recursos próprios, seus jurídicos pontos de vista sobre o assunto.

Dirigindo-se exclusivamente, o foco da análise técnica sobre o teor do r. despacho ora atacado, a olho desarmado, de pronto, sem rodeios, se vê da sua impropriedade fática e legal, aqui reiteradas vezes suscitadas.

A fragilidade do r. despacho vem não daquilo que nele consta em suas poucas treze linhas, mas exatamente ao contrário, vem daquilo que nele não consta.

As verdadeiras convicções do magistrado para impor o édito de prisão cautelar, conforme por ele revelado primeiramente, ao jornal “Estado de São Paulo”, não estão no despacho judicial.

A atuação do julgador de 1ª Instância feriu preceitos legais, impossibilitou a defesa de exercer a sua amplitude atacando sem exceção todos os pontos de fundamentação da ordem de prisão. Foi manifestamente ilegal e impropriamente divulgada.

Uma das consignações feitas pela MMa. Autoridade Coatora, foi sua preocupação com a isenção dos jurados em julgar de acordo com a prova dos autos, a qual poderia sofrer outras interpretações por força da mídia.

Todavia, sua Excelência, buscou de livre e espontânea vontade, essa mesma mídia para revelar aquilo que subtraiu da fundamentação oficial de sua convicção ao julgar e decidir.

No dia 3 de abril, no jornal “Estado de São Paulo”, p. C6, caderno “Cidades/Metrópole”, textualmente afirmou um dos motivos de sua convicção ao decidir: “… também fiquei impressionado quando o advogado dela (Mário de Oliveira Filho) disse que queria ‘descondena-la´(por meio de uma entrevista ao fantástico, da rede Globo).”

Importante notar, sobre este tema, que pela primeira vez na história a Suprema Corte editou uma súmula, a de número 718, com a seguinte redação: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada” .


Ora, como já se disse, pela primeira vez a Suprema Corte tocou na questão da “opinião do julgador” e “não constitui motivação idônea”. Transportando este entendimento da Súmula 718 do STF para o presente caso, percebe-se que era defeso ao julgador externar mera opinião para alicerçar decisão.

No dia seguinte a essa reportagem, na “Folha de São Paulo”, edição de 14 de abril de 2006, no caderno “Cotidiano”, pg. C3, sob o título “Suzane é uma ameaça ao irmão, diz juiz”, reitera seu posicionamento e traz aquilo que deveria constar dos autos e lá não está: “… me refiro ao conjunto de entrevistas dadas por Suzane nos últimos dias e ao discurso dos advogados dela, que falam em ‘descondenação`, uma tentativa de mostrá-la sem culpa” .

Uma vez mais é reafirmado na imprensa aquilo que não foi esclarecido nem escrito no despacho de prisão, sobre a lícita tentativa dos advogados de “descondenar” a acusada. Ou seja, o juiz não admite a tese da defesa em defender a acusada e em razão desse particular entendimento, manda prendê-la. Revela sua convicção nas páginas do jornal e não nas folhas do processo judicial regular.

Mais adiante ao ser perguntado sobre a crítica dos defensores sobre a inexistência de fatos concretos relativos à ameaça contra Andréas, uma das determinantes da prisão, sua Excelência afirma que “… a questão da ameaça é extremamente subjetiva…

Ora, ameaça subjetiva?!

Em continuação justifica-se, “… se um outro familiar se sente minimamente ameaçado por essa mesma pessoa acusada de matar seus genitores, é óbvio que esse cidadão deve e tem de receber uma proteção do Estado, porque já há um precedente muito perigoso de uma tragédia…” .

Ocorre, porém, não existir sequer minimamente, nenhuma ameaça a Andréas.

Andréas nunca mencionou nem antes, nem durante nem depois de seus depoimentos qualquer mínima ameaça recebida de sua irmã.

Não existe nenhuma comunicação de Andréas ao Ministério Público, à polícia ou ao juízo, quer por escrito, quer verbalmente de qualquer mínima ameaça.

A ameaça (mínima) é fruto de mera suposição e elucubração do e. prolator da ordem de prisão. Nada mais do que isso.

Assim judicando fora dos autos e nas páginas dos jornais e não nas páginas do processo o d. magistrado criou um processo paralelo, ou pior, passou a integrar “o processo da imprensa”, distanciada dos procedimentos legais, porém, impondo suas conseqüências nesta esfera.

Para ser justo, é imprescindível que o percurso do processo se faça dentro de condições mínimas de regularidade e lealdade para garantir direitos ou liberdades fundamentais. É necessário que o juiz assegure a eficácia de critérios legais como garantia dos interesses em jogo – da pretensão punitiva estatal e da liberdade do acusado. O Estado, pelo processo, ao aplicar o direito objetivo na solução da lide, deve fazê-lo, portanto, dentro dos parâmetros legais. O magistrado, ao atuar no processo, deve guiar-se por normas e regras contidas na Constituição, nos códigos processuais e nas leis de organização judiciária, visando, sempre, à salvaguarda não só dos direitos das partes, mas também da regularidade formal do processo10

As normas da Carta Magna que regulam o processo compreendem um “conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição” 11.

A Constituição Federal garante aos acusados não serem privados de sua liberdade sem que o seja por meio do devido processo legal, com as demais garantias da ampla defesa e contraditório, e não pelas páginas dos jornais.

A imparcialidade do magistrado é vital para a lisura de suas decisões, o juiz não pode conduzir aleatoriamente o processo12, muito menos realizar e tomar decisões com fundamento fora dos seus legais e estritos limites, inclusive, limites físicos.

O processo é garantia ativa porque, diante de alguma ilegalidade, pode a parte dele utilizar-se para a reparação dessa ilegalidade… O processo diz-se uma garantia passiva porque impede a justiça pelas próprias mãos, dando ao acusado a possibilidade da ampla defesa contra a pretensão punitiva do Estado, o qual não pode impor restrições da liberdade sem o competente e devido processo legal. Ainda, é o processo garantia passiva quando impede a justiça privada, isto é, garante que a submissão ao direito de outrem não se fará por atividade deste, mas por atividade solicitada ao Judiciário, que examinará o cabimento e a legitimidade de tal pretensão. ” 13

Assim como não existe poder sem limites, no tocante ao exercício da jurisdição, os princípios constitucionais do processo são verdadeiros escudos contra o arbítrio da autoridade judicante. 14


V – DO PEDIDO DE LIMINAR

A leitura por si só do r. decreto prisional, demonstra na singeleza de sua redação a sua fragilidade legal e factual.

Não houve e não há um único fato objetivo ou subjetivo a se harmonizar com os requisitos legais também de ordem objetiva e subjetiva para a imposição da (re)decretação da constrição cautelar.

A ilegalidade da prisão se patenteia quando da leitura da ordem de prisão, onde se verifica apenas e tão somente a indicação da necessidade da aplicação da lei penal e da preservação do informante Andréas, porém, sem citar, sem indicar, sem apontar um único fato ou simples indício sobre essas mencionadas situações, limitando-se a transcrever o reduzido texto legal.

r. decreto de prisão preventiva, não é apenas lacônico no tocante a sua razão de ser, mas, e aí sim clara a sua imprestabilidade para o fim alcançado, porque não aponta qualquer fundamentação. Ou seja, não é apenas singelo, é totalmente vazio, sem lastro fático-jurídico.

Em liberdade a Paciente não causou problemas, não ameaçou ninguém. Não buscou a fuga, ao contrário, além de tomar ciência em cartório do libelo, apresentou-se espontaneamente para ser presa assim que tomou conhecimento da decretação da custódia. Vale ainda ressaltar ter sido publicada sua foto em todos os jornais e revistas do país, sendo ela pessoa pública de difícil locomoção sem ser notada.

O endereço da Paciente é certo e conhecido, mencionado no caput, desta impetração, não havendo nada a indicar se furtar ela à aplicação da lei penal.

A liminar buscada tem apoio no texto do próprio decreto prisional, em razão da absoluta e irrespondível ausência de fundamento.

Requerem-se, a Vossa Excelência, em razão do alegado no corpo deste petitório, presentes a fumaça do bom direito e o perigo na demora, seja liminarmente restituída a Paciente à liberdade, até então em vigor, porque tamanha e patente, como ainda clara, a inexistência de elementos concretos a justificar a manutenção do encarceramento. A fumaça do bom direito está consubstanciada, nos elementos suscitados em defesa da Paciente, na doutrina, na jurisprudência, na argumentação e no reflexo de tudo nos dogmas da Carta da República.

O perigo na demora é irretorquível e estreme de dúvidas, facilmente perceptível, não só pela ilegalidade da prisão que é flagrante, como pelo fato público e notório que a Paciente corre risco de morte dentro do sistema prisional, fruto de toda a problemática amplificada pela mídia, sendo que este fato do perigo, repita-se, é fato público e notório com divulgação da imprensa, não necessitando de comprovação. Assim, dentro dos requisitos da liminar, sem dúvida, o perigo na demora e a fumaça do bom direito estão amplamente justificados, verificando-se o alicerce para a concessão da medida liminar, com expedição de alvará de soltura.

IV – DO PEDIDO FINAL

Requer-se depois de deferida liminarmente a ordem, seja ela ao final, concedida em definitivo, em favor da Paciente, por não haver motivos fático-jurídicos a ensejá-la, garantindo-lhe a liberdade até o trânsito em julgado da sentença.

Requer-se por derradeiro, seja a E. Turma Julgadora, composta por um número suficiente de magistrados, a possibilitar, se necessidade houver, a aplicação do artigo 664, parágrafo único, do Código de Processo Penal em combinação com as regras do Regimento Interno desse A. Sodalício.

É o pleito da defesa.

São Paulo, 17 de abril de 2006.

Mário de Oliveira Filho

OAB/SP 54.325

Mário Sérgio de Oliveira

OAB/SP 142.871

Notas

1 “As Nulidades no Processo Penal”, Ada Pellegrini Grinover e outros, RT, 8ª edição, 2004, p357.

2 “A defesa tem a palavra”, Evandro Lins e Silva, editora Aidê, 1980, 1ª edição, pg. 66.

3 TJSP, HC 379 035-3/0, j29.04.2002, RT 804/573.

4 Ada Pellegrini Grinover, ob. Já citada, p. 358.

5 Idem à nota anterior, p 359.

6 “Formar a opinião: o novo jogo político”. Tradução de Guilherme de Freitas Teixeira, Vozes, 1998, p. 234

7 “Processo Penal e Mídia”, Ana Lúcia Menezes Vieira, RT, 2003, p 54.

8 Idem, p 246.

9 “Constituição de 88 e Processo: regramentos e Garantias Constitucionais do Processo”, Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Saraiva, 1989, p. 17.

10 “Direito Penal e mídia”, ob. Já citada, pgs. 69 e 70.

11 “Teoria Geral do Processo”… p. 75.

12 “Teoria Geral do Processo”, Ada Pellegrini Grinover, p. 235.

13 “Manual de Processo Penal”, Vicente Greco Filho, 5ª edição, Saraiva, 1998, p.46.

14 “Processo Penal e Mídia” obra já citada, p. 67.

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