Miguel Reale

Reale não era apenas filósofo e jurista. Era pessoa de fino trato.

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15 de abril de 2006, 9h52

Faleceu Miguel Reale. De longe, o maior jurista e o maior filósofo brasileiro.

Sua teoria tridimensional do direito supera, em visão dialética, todas as tridimensionalidades conformadas anteriormente por sua concreção à realidade, tirando do campo da mera teoria a fenomenologia jurídica.

Espanha e Portugal, alguns anos atrás, reuniram filósofos e juristas de todo o mundo para a reflexão sobre a obra de Miguel Reale, sendo sua compreensão amplificada do direito, além do mero formalismo instrumental, descortinadora da verdadeira função do operador do direito, que deve ir muito além do singelo domínio das técnicas legislativas e da percepção do direito posto.

O dinamismo de sua teoria tridimensional, em que o fato valorado gera norma, que se transforma em novo fato a gerar nova norma modificadora após a valorização da realidade a ser juridicizada, em um infinito processo dialético de tese, antítese e síntese, a gerar nova tese, talvez tenha sido a maior contribuição ao pensamento jurídico mundial durante o século 20. Talvez por sua densa formação filosófica é que também permitiu notável reanálise da fenomenologia husserliana.

Miguel Reale, entretanto, não era apenas filósofo e jurista insuperável. Era pessoa de fino trato, tendo, ainda nas últimas reuniões em que participou na Academia Paulista de Letras, nos meses de fevereiro e março, intensamente debatido com seus confrades e confreiras temas da atualidade cultural.

Fui seu aluno na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1958 e continuo ainda hoje seu aluno. Distinguiu-me, há algum tempo, com o maior privilégio que um jurista pode ter, aquele de escrever uma apresentação ao seu notável livro O conflito das Ideologias, em que sugere uma terceira via entre as divergências neoliberais e socialistas.

Estamos todos de luto. Dificilmente o Brasil terá no futuro alguém da dimensão maiúscula de Miguel Reale. E eu, pessoalmente seu aluno e amigo, sofro ainda mais, porque sempre tive nele o grande exemplo que um operador de direito deve ter. O do grande homem e o do fantástico ser humano.

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo. Ives Gandra Martins foi aluno de Miguel Reale na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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