Briga de palavras

Condenados por difamação devem recorrer em liberdade

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12 de abril de 2006, 7h00

O presidente do Sindicato da Polícia Federal no Ceará, Adjaci Florentino dos Santos e o advogado João Quevedo Ferreira Lopes, condenados pelos crimes de difamação e injúria, previstos na Lei de Imprensa (Lei 5250/67), devem recorrer em liberdade. A decisão é do ministro Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal.

O ministro sustentou que a sentença condenatória condicionou a execução ao trânsito em definitivo da condenação. Ressaltou, ainda, que “à primeira vista, como apenas a defesa recorreu da sentença condenatória, parece-me que a imposição do cumprimento antecipado de pena pode se configurar como reformatio in pejus” (em que a situação do réu não pode piorar se somente a defesa recorreu).

Conforme a ação, Florentino dos Santos e Ferreira Lopes foram acusados de difamação e injúria ao responderem a fatos supostamente falsos levados ao conhecimento público através de nota à imprensa por parte de alguns procuradores da República do Ceará.

De acordo com a defesa, os procuradores tinham o “inequívoco objetivo de indisporem o advogado e o servidor policial contra a sociedade”.Após a publicação da resposta à nota dos procuradores, os impetrantes foram denunciados pelo Ministério Público Federal pelos delitos tipificados na Lei de Imprensa.

A defesa de Florentino dos Santos e Ferreira Lopes alegaram que seus clientes não poderiam estar presos, pois a sentença condenatória ainda não transitou em julgado já que existem Agravos de Instrumento pendentes no Superior Tribunal de Justiça.

Leia a íntegra da decisão:

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 88.313-3 CEARÁ

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S) : ADJACI FLORENTINO DOS SANTOS

PACIENTE(S) : JOÃO QUEVEDO FERREIRA LOPES

IMPETRANTE(S) : CLAYTON AMORIM DE SOUSA

COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por CLAYTON AMORIM DE SOUSA, em favor de ADJACI FLORENTINO DOS SANTOS e JOÃO QUEVEDO FERREIRA LOPES, contra acórdão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ – que indeferiu a ordem no julgamento do HC no 49.242-CE.

Na origem, ambos os pacientes foram condenados como incursos nas condutas tipificadas pelos arts. 21 e 22 c/c o art. 23 da Lei no 5.260/1967 (“Lei de Imprensa”) pela suposta prática dos crimes de difamação e injúria.

Na oportunidade da condenação, o juízo da 11ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará-CE assegurou aos pacientes o direito de recorrer em liberdade (fls. 30-36). Posteriormente, a defesa interpôs apelação, a qual foi desprovida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF-5ª Região (fls. 38-48). Diante da situação de sucumbência, os ora pacientes interpuseram recurso especial (fls. 50-56) e recurso extraordinário (fls. 60-66), os quais foram inadmitidos por decisões monocráticas do Desembargador Presidente do TRF-5ª Região (respectivamente, fls. 68/69 e 70/71).

A partir da inadmissão desses recursos, o Ministério Público Federal requereu, independentemente da apresentação de agravo de instrumento, a remessa dos autos para o juízo de origem para fins de execução penal (fls. 75/76). O pedido foi deferido por meio de despacho exarado pelo Desembargador Presidente do TRF-5ª Região (fls. 80/81).

Foi exatamente contra esse ato decisório que o ora paciente JOÃO QUEVEDO FERREIRA LOPES impetrou o pedido de habeas corpus perante o STJ (fls. 99-103). Eis o teor da ementa do julgamento do HC no 49.242-CE (fls. 105-112), 5ª Turma/STJ, Relatora Ministra Laurita Vaz:

“HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO CRIMINAL E PROCESSUAL PENAL. LEI DE IMPRENSA. CRIMES CONTRA A HONRA. CONDENAÇÃO MANTIDA EM SEDE DE APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. PENAS PRIVATIVA DE LIBERDADE E RESTRITIVA DE DIREITO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.

1. A execução de pena privativa de liberdade, imposta ao primeiro paciente [ADJACI FLORENTINO DOS SANTOS], não depende do trânsito em julgado da condenação, confirmada em sede de apelação criminal, podendo ser provisoriamente executada, porquanto, eventuais recursos especial e extraordinário, se interpostos e admitidos, não possuem o efeito suspensivo capaz de impedir o regular curso da execução da decisão condenatória, mormente se exaurida a instância ordinária, como ocorre na hipótese.

2. Se a pena de prisão pode ser executada provisoriamente, seria paradoxal que o cumprimento das penas restritivas de direitos estivesse sujeito ao aguardo do trânsito em julgado da sentença, já que os recursos extraordinário e especial não têm efeito suspensivo.

3. Precedentes do STJ.

4. Ordem denegada.” (fl. 105).

Vale ressaltar, por último, que a sentença condenatória ainda não transitou em julgado porque os ora pacientes interpuseram os respectivos agravos de instrumento relativamente às decisões denegatórias do recurso especial (fls. 83-89) e do recurso extraordinário (fls. 90-96). Tais recursos de agravo ainda não foram apreciados.


Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris,), a impetração sustenta, com base em diversos precedentes deste Supremo Tribunal Federal – STF – que, por disposição expressa da sentença condenatória, a execução da pena somente poderia ser iniciada após o trânsito em julgado da condenação.

Nesse sentido, argumenta-se que os pacientes teriam o direito de responder o processo penal em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória. O impetrante aponta a violação ao princípio da vedação da reformatio in pejus, uma vez que os pacientes tiveram a sua situação jurídica agravada em razão de recursos interpostos exclusivamente pela defesa.

Nesse contexto, alega-se que:

“… a)relativamente aos dois pacientes observe-se que, ‘se a sentença condenatória condiciona a expedição do mandado de prisão ao trânsito em julgado e o Ministério Público não recorre de tal decisão, o Tribunal de 2º grau não pode, ao julgar recurso exclusivo da defesa, determinar a imediata execução da pena, o que caracteriza reformatio in pejus’;

b) Ainda relativamente ao paciente Adjaci Florentino dos Santos, ‘a teor do disposto no art. 147 da Lei de Execução Penal, não é possível execução provisória de pena restritiva de direitos, cujo cumprimento pressupõe trânsito em julgado da condenação’.” (fls. 05/06)

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), enfatiza-se o suposto constrangimento ilegal ao qual estariam sendo submetidos os pacientes, em decorrência do indevido cumprimento antecipado de pena, imposto pelo Juízo Federal da 11ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará-CE, mantido (fls. 38-48) pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF-5ª Região – e pelo STJ (fls. 105-112).

Por fim, o impetrante requer, liminarmente, a “suspensão da execução do processo no 2001.81.00.016909-2, até que se julgue o presente writ” (fl. 10). No mérito, pleiteia-se o deferimento definitivo da ordem, “sendo garantido aos Pacientes o direito constitucional de ir e vir, até o trânsito em julgado do procedimento criminal aludido.” (fl. 10). Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar. A partir dessa breve exposição, pode-se afirmar que a impetração em apreço limita-se a duas alegações principais, a saber:

i) com relação a ambos os pacientes, a sentença condenatória teria condicionado o cumprimento da pena ao seu respectivo trânsito definitivo; e

ii)com referência ao paciente ADJACI FLORENTINO DOS SANTOS, a execução de pena restritiva de direitos pressupõe o trânsito em julgado da condenação, nos termos do art. 147 da Lei no 7.210/1984 (“Lei de Execução Penal – LEP”).

Relativamente ao item “i” acima e a partir dos documentos acostados aos autos, constato que a sentença condenatória (fls. 30-36) consignou expressamente:

“Transitada em julgado, baixa na distribuição com as anotações de praxe e remessa ao MM. Juiz das Execuções.”(fl.36).

Registre-se, ademais, que, com relação a esse ato decisório, apenas a defesa interpôs o pertinente recurso de apelação.

Segundo jurisprudência firmada por este Supremo Tribunal Federal, a concessão de medida cautelar em sede de habeas corpus somente é possível em hipóteses excepcionais nas quais seja patente o constrangimento ilegal alegado.

Na espécie, pode-se inferir que a sentença condicionou a execução ao trânsito definitivo da condenação.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a interposição do recurso especial e/ou recurso extraordinário não impede a prisão do condenado.

Nesse contexto, arrolo os seguintes precedentes: HC no 77.128-SP, Segunda Turma, por maioria, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 17.11.2000; HC no 81.685-SP, Primeira Turma, unânime, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 17.05.2002; e HC no 80.939-MG, Primeira Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 13.09.2002.

Não obstante esses expressivos julgados, o Plenário deste Tribunal está reexaminando a possibilidade de apelação em liberdade na RCL no 2.391-PR, Rel. Min. Marco Aurélio, cujos autos encontram-se com vista à Ministra Ellen Gracie.

À primeira vista, como apenas a defesa recorreu da sentença condenatória, parece-me que a imposição do cumprimento antecipado de pena pode se configurar como reformatio in pejus. O entendimento que está a se firmar inclusive com o meu voto, impõe que eventual custódia cautelar, anterior, portanto, ao trânsito em julgado de sentença condenatória, somente poderia ser implementada se devidamente fundamentada nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal – CPP.

A esse respeito, tenho, inclusive, indeferido o pedido de medidas liminares nas circunstâncias em que:


a)exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e

b) cuja fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese,aos previstos no art. 312 do CPP.

Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

Em princípio, porém, verifico que a hipótese dos autos é distinta. A rigor, o juiz da origem, além de não especificar quaisquer elementos que, por si sós, seriam suficientes para autorizar a constrição provisória da liberdade dos ora pacientes, limitou-se a determinar uma série de providências, as quais estariam condicionadas ao trânsito definitivo da sentença condenatória. De igual modo, o TRF-5ª Região, ao julgar o recurso de apelação, não determinou a execução da referida sentença.

Uma vez que não há comando expresso de execução da pena no acórdão que apreciou o referido recurso, denotase que essa pretensão recursal do Ministério Público Federal não poderia ter sido determinada pelo Presidente do TRF-5ª Região porque, com relação a esse aspecto, é possível reconhecer preclusão temporal.

Nesse contexto, destaco o julgamento do HC no 83.128-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 30.04.2004, no qual a Primeira Turma desta Corte, em circunstâncias similares às do caso ora em apreço, deferiu a ordem em acórdão assim ementado:

“RECURSO – BALIZAS – REFORMA PREJUDICIAL AO RECORRENTE – MANDADO DE PRISÃO – PENA – CUMPRIMENTO. Ao órgão revisor não cabe, em recurso da defesa, retirar o direito, assegurado em sentença, de apenas ser expedido o mandado de prisão uma vez verificado o trânsito em julgado, a imutabilidade recursal da condenação. O desprovimento, prolatando o Tribunal acórdão que substitui a sentença – artigo 512 do Código de Processo Civil -, sem se defrontar com recurso do Ministério Público, longe fica de respaldar o afastamento da condição imposta, alfim harmônica com a impossibilidade de executar-se precocemente o título judicial, conforme previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” (HC nº 83.128-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 30.04.2004).

Nesse mesmo sentido, arrolo os seguintes julgados de ambas as Turmas deste Tribunal: HC no 83.856-SP, Segunda Turma, unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 11.06.2004; HC no 85.098-RJ, Primeira Turma, unânime, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 18.03.2005; e HC no 85.144-SC, Primeira Turma, unânime, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 24.02.2006.

Considerada a singularidade do caso concreto e em que pese a validade da jurisprudência ainda assente no STF, creio ser a hipótese de concessão da medida liminar quanto a esse ponto (item “i” acima).

Já quanto ao tema da possibilidade de execução provisória da pena restritiva de direitos relativamente ao paciente ADJACI FLORENTINO DOS SANTOS (item “ii” acima), considero que as penas restritivas de direitos somente são passíveis de execução definitiva.

A esse respeito, porém, cabe registrar a existência de precedente da Segunda Turma deste Tribunal em sentido oposto à pretensão dos ora pacientes. Nesse sentido, realço a ementa do acórdão do HC no 83.978-RS, Segunda Turma, por maioria, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28.05.2004, no qual fui parcialmente vencido quanto a esse ponto:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR. CRIME PRATICADO EM DETRIMENTO DE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE CONVERTIDA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E PECUNIÁRIA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. LEP, art. 147.

I. – Compete à Justiça Federal o processo e julgamento dos crimes praticados em detrimento de bens, serviços e interesses da União. Lesão a bens e interesses da União evidenciada, dado que o Banco do Brasil apenas intermediou a contratação de empréstimo junto ao Governo Federal.

II. – A interposição de recurso sem efeito suspensivo não impede a execução provisória de pena restritiva de direitos.

III. – H.C. indeferido.” (HC no 83.978-RS, Segunda Turma, por maioria, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28.05.2004) Naquela assentada, sustentei que não se poderia conceber execução provisória ou antecipada quanto a essas sanções penais alternativas, em razão de disposição explícita do art. 147 da LEP (Lei no 7.210/1984), verbis:

Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o juiz de execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares.”

Em que pese o entendimento firmado no mencionado precedente da Segunda Turma, ressalto o surgimento de nova tese em recentes julgados proferidos pelas Turmas desta Corte.

Em situações semelhantes às deste caso concreto, a jurisprudência do Tribunal tem evoluído no sentido de reconhecer a impossibilidade de execução provisória de penas restritivas de direito. Nesse particular, arrolo os seguintes precedentes: HC no 84.677-RS, Primeira Turma, por maioria, Rel. Min. Eros Grau, Red.p/ acórdão Min. Cezar Peluso, DJ de 23.11.2004; HC no 84.741-RS, Primeira Turma, por maioria, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 18.02.2005; e HC no 84.859-RS, Segunda Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.05.2005).

Ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito, constato a existência dos requisitos autorizadores da concessão da cautelar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Ante os fundamentos expostos, defiro o pedido de medida liminar para que, até o julgamento final deste writ, seja totalmente suspensa a execução dos Autos da Apelação Criminal no 2001.81.00.016909-2, relativamente a ambos os pacientes desta impetração.

Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia desta decisão: ao Superior Tribunal de Justiça (HC no 49.242-CE); ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Apelação Criminal – ACR no 3.672-CE); e ao Juízo da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará-CE (Ação Criminal no 2001.81.00.016909-2).

Uma vez que estes autos estão devidamente instruídos, determino vista à Procuradoria-Geral da República, nos termos do art. 192 do RI/STF.

Publique-se.

Brasília, 10 de abril de 2006.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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