Limites da informação

Linha Direta se livra de indenizar personagens de reportagens

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9 de abril de 2006, 7h00

Quando uma reportagem é feita de forma regular, sem excessos e respeitando a honra das pessoas não cabe o dever de indenizar. A consideração foi feita pelas 1ª e 6ª Câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que negaram dois pedidos de indenização por danos morais contra a TV Globo. Nos dois casos a emissora foi representada pelo advogado Luiz Camargo de Aranha Neto

No primeiro caso, o desembargador Magno Araújo, da 6ª Câmara de Direito Privado, negou pedido de indenização a Sandra Cirello Montouro, que teve sua história divulgada pelo programa Linha Direta. Santra foi condenada criminalmente por ter participado do assassinato do ex-marido.

O programa foi ao o ar no dia 8 de março de 2001. Na época da reportagem, Sandra estava sendo processada criminalmente, mas ainda não tinha sido condenada. Na ação de indenização por danos morais, alegou que a Globo extrapolou os limites da informação, denegriu sua imagem e que a reportagem influenciou a decisão do Tribunal do Júri para condená-la por ter participado do assassinato do ex-marido.

Sandra que o caso ganhou contornos de escândalo, induzindo os telespectadores a acreditar que ela fosse garota de programa e pessoa sem caráter. Segundo ela, documento que assinou autorizando a emissora a usar sua imagem foi obtido sob coação.

A primeira instância não acolheu os argumentos. A defesa apelou ao Tribunal de Justiça paulista, mantendo as alegações. O relator do caso, desembargador Magno Araújo, manteve a sentença. “No caso sub judice não se vislumbra a sustentada quebra do dever de bem informar, que pudesse dar ensejo à indenização pleiteada pela autora por danos causados à sua imagem”, entendeu.

Para o desembargador, o programa Linha Direta não “veiculou nenhuma informação diversa da que fora oficialmente apurada pela Polícia e pelo Poder Judiciário, ‘tanto que a ré acabou sendo condenada pelo crime de que foi acusada’”.

“A autora, a propósito, sequer mostrou interesse na produção de prova oral que pudesse ratificar a afirmação de que fora coagida a firmar autorização para que a ré veiculasse sua imagem no programa Linha Direta ou mesmo de que suas declarações, quando não omitidas, foram deturpadas de forma a induzir o telespectador a formar juízo negativo a seu respeito”, considerou o relator.

A decisão da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo foi unânime. Sandra Cirello Montouro ainda pode recorrer.

Remédio falso

Em caso semelhante, a 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP negou provimento à Apelação Cível interposta por Leo Mauro Conti. apontado no próprio Linha Direta como provável autor de homicídio de uma pessoa ligada à falsificação de remédios.

Em sua decisão, o desembargador Elliot Akel, afirma que a reportagem veiculada “não extrapolou seu objetivo de levar ao conhecimento do público fato de extrema gravidade, objetivamente considerado, relativo à noticiada falsidade de medicamentos.”

O relator concluiu que não houve dano moral, uma vez que a imagem do autor da ação foi relacionada a fato verdadeiro e que era objeto de investigação criminal de ampla publicidade.

Leia abaixo a íntegra das duas decisões

Apelação Cível 288.668-4/4-00

Íntegra da decisão

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 288.668-4/4-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante SANDRA CIRELO MONTOURO sendo apelado TV GLOBO LTDA:

ACORDAM, em Sexta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores VITO GUGLIELMI e PERCIVAL NOGUEIRA.

São Paulo, 02 de fevereiro de 2006.

MAGNO ARAUJO

Presidente e Relator

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação com Revisão n° 288.668.4/4-OO — SÃO PAULO

Apte.: SANDRA CIRELO MONTOURO (AJ)

Apda.: TV GLOBO LTDA

EMENTA:

INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. LEI DE IMPRENSA. VEICULAÇÃO DE REPORTAGEM SOBRE CRIME EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. LIMITES DE INFORMAÇÃO NÃO ULTRAPASSADOS.RESSARCIMENTO INDEVIDO. IMPROCEDÊNCIA CONFIRMADA. APELO DESPROVIDO.

RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por danos morais julgada improcedente pela r. sentença de fls. 156/159, cujo relatório adoto.

Inconformada, bate-se a autora pela procedência do pedido enfatizando que a ré, excedendo os limites da informação, causou-lhe danos morais ao veicular no programa “Linha Direta” reportagem sobre crime de que é acusada. Insiste haver a ré divulgado fatos desabonadores de seu comportamento e deturpado suas declarações a respeito do referido crime, induzido o telespectador a acreditar que era uma “garota de programa” e pessoa sem qualquer caráter, fatos que lhe ofenderam a honra e que influenciaram negativamente em seu julgamento pelo júri popular (fls. 162/165).


Tempestivo e preparado, o recurso foi recebido (fls.166)e contra-arrazoado (fls. 167/171).

VOTO

(Nº13.447)

Cuida-se de apelação interposta contra a r sentença de improcedência proferida nos autos da ação de indenização por danos morais ajuizada em face da TV Globo Ltda por Sandra Cirelo Montouro que, na inicial, aduziu ter sido coagida a firmar autorização para que a requerida veiculasse reportagem sobre crime de que é acusada no programa “Linha Direta”, fato que acabou por ganhar contornos de escândalo e induzir os telespectadores a traçarem um perfil maléfico de sua conduta.

Insiste a autora, nas razões do presente inconformismo que a ré, extrapolando os limites da informação, denegriu sua imagem e contribuiu para sua condenação pelo júri popular, devendo ser responsabilizada pelos danos que lhe causou.

Conquanto louvável a combatividade da ilustre patrona a autora, reparo algum está a merecer a sentença vergastada.

Inquestionável o extraordinário papel que a televisão, como meio de comunicação, desempenha na formação da opinião pública. Certa, ainda, é a relatividade da liberdade de imprensa imposta pela própria Constituição da República que dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando, em contrapartida, o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5°, X).

No caso sub judice, porém, não se vislumbra a sustentada quebra do dever de bem informar, que pudesse dar ensejo à indenização pleiteada pela autora por danos causados à sua imagem.

Segundo asseverou o ilustre magistrado sentenciante, a fita VHS acostada aos autos fez prova de que no programa “Linha Direta” não se veiculou nenhuma informação diversa da que fora oficialmente apurada pela Polícia e pelo Poder Judiciário, “… tanto que a ré acabou sendo condenada pelo crime de que foi acusada (fls. 143).” (fls. 158).

A autora, a propósito, sequer mostrou interesse na produção de prova oral que pudesse ratificar a afirmação de que fora coagida a firmar autorização para que a ré veiculasse sua imagem no Programa “Linha Direta” ou mesmo de que suas dedarações, quando não omitidas, foram deturpadas de forma a induzir o telespectador a formar um juízo negativo a seu respeito.

Quanto a serem, ou não, desabonadores ou inveridicos os fatos relatados na reportagem veiculada pela ré pouco importa, por haver a mesma se limitado a reproduzir versões que lhe foram prestadas por pessoas ligadas, direta ou indiretamente, aos fatos.

Em síntese, do quanto provado nos autos, segura é a afirmação de que a reportagem exibida com autorização da autora pela TV Globo no programa “Linha Direta” não transpõs a marca divisória que fixa o limite de atuação da imprensa, mostrando-se em conseqüência, indevido o pleito indenizatório, consoante as lições de RUI STOCO para a espécie:

“O exercício do Direito de informação, quando realizado de forma regular, sem excessos, não configura ofensa a honra das pessoas, não encontra restrições ou impedimentos nem empenha o dever de reparar… A divulgação de fato como mera representação e projeção do ocorrido no mundo físico e no plano material através dos meios atualmente a disposição — jornal, revista, rádio, televisão e Internet – como mero repasse de informações obtidas e transmitidas de forma lícita, fiel e assinada, não comporta disceptação, nem se traduz em abuso ou excesso.” (Tratado de Responsabilidade Civil, 5° edição, pág. 1.448, ed. RT, São Paulo, 2001).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

JUSTINO MAGNO ARAÚJO

Relator

Apelação Cível 281.498-4/7-00

Ííntegra do acórdão

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 281.498-4/7-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante LEO MAURO CONTI sendo apelada TV GLOBO LTDA.

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIZ ANTONIO DE GODOY e VICENTINI BARROSO.

São Paulo, 21 de fevereiro de 2006.

ELLIOT AKEL

Presidente e Relator

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PRIMEIRA CÂMARA DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO CÍVEL n°281.498.4/7

SÃO PAULO

Apelante: LÉO MAURO CONTI

Apelada: TV GLOBO LTDA

Voto n° 18.082

RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – PROGRAMA TELEVISIVO DE CUNHO JORNALÍSTICO-INVESTIGATIVO – DIVULGAÇÃO DA IMAGEM DO AUTOR RELACIONA AOS FATOS NOTICIADOS – INOCORRÉNCIA DE DANO MORAL E DE PROVA DO EFETIVO PREJUÍZO – DIVULGAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA DE INTERESSE NACIONAL RELATIVA À FALSIFICAÇÃO DE MEDICAMENTOS – VINCULAÇÃO DA PESSOA DO AUTOR DE FORMA OBJETIVA, EM RELAÇÃO AOS FATOS DIVULGADOS, SEM JUÍZO DE VALOR – NARRATIVA DESCRITIVA DOS FATOS OBJETO DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL – DANO A HONRA DESCARACTERIZADO – AÇAO IMPROCEDENTE – APELO DESPROVIDO.


RELATÓRIO

Ação de reparação de danos material e moral foi julgada improcedente pela r. sentença de fls. 274/277, de relatório a este integrado, imposto ao autor o ônus do pagamento de Custas, despesas e honorários de advogado, estes fixados em 15% (quinze por cento) do valor da causa.

Apelou, o requerente, postulando integral reforma do julgado, sustentando, em síntese, estar configurado o dano moral, decorrente de exibição de programa de televisão em que sua imagem foi apresentada e relacionada com sua ex-empregadora, indústria farmacêutica apontada como fraudadora de medicamentos e como provável autor do homicídio de pessoa ligada às noticiadas falsidades perpetradas na indústria química.

Recurso tempestivo, anotado o preparo, com contra- razões.

É o relatório.

VOTO

Diz o apelante haver se consumado, o dano à sua honra, na medida em que relacionada sua imagem à noticiada falsidade de medicamentos, objeto de reportagem divulgada em programa semanal veiculado pela emissora ré.

O programa denominado “Linha Direta”, apresentado pela Rede Globo de Televisão, embora se caracterize por seu tom sensacionalista (circunstância que, a meu sentir, revela-se irrelevante para o deslinde da presente querela), veicula reportagens que se pretende sejam investigativas e elucidativas acerca de fatos criminosos que possam merecer destaque.

Da degravação, que se vê a fls. 182/198, da fita de vídeo juntada a fl. 82, pode-se extrair a conclusão de que a matéria veiculada, de cunho jornalístico-investigativo, não extrapolou seu objetivo de levar ao conhecimento do público fato de extrema gravidade, objetivamente considerado, relativo à noticiada falsidade de medicamentos.

A imagem do autor, divulgada sem que a ela se associasse qualquer juízo de valor, no citado programa, o foi, também objetivamente, de forma referida, por declaração de terceiros, como sendo o contato dentro da indústria farmacêutica, dada sua condição de funcionário à época da ocorrência dos fatos.

Certo é, em suma, que a divulgação da matéria disse respeito a fatos objeto de investigação criminal em andamento à época.

Qualquer pessoa de bom senso sabe distinguir liberdade de imprensa de licenciosidade de imprensa, entre o exercício dessa liberdade, essencial à democracia, e o seu abuso, prejudicial ao regime democrático. Talvez não o saibam jornalistas inexperientes ou mal intencionados, que se pretende acreditar ainda sejam, felizmente, minoria.

No caso dos autos, tendo sido a imagem do autor apenas inserida no contexto de reportagem esclarecedora sobre tema de interesse nacional, ao menos diante dos elementos de convicção constantes dos autos conclui-se pela inocorrência do alegado dano moral, inexistindo demonstração de efetivo prejuízo experimentado pelo apelante com a divulgação de sua imagem relacionada a fato verdadeiro, objeto de investigação criminal de ampla publicidade.

Pelo exposto, meu voto nega provimento ao recurso.

ELLIOT AKEL,relator.

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