Lei do silêncio

Ouvidoria quer que Psiu aceite denúncia anônima

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7 de abril de 2006, 16h39

Foi eleito o serviço público mais precário da cidade mais barulhenta do Brasil, que é São Paulo. É exatamente o departamento encarregado de fiscalizar e reprimir a barulheira que tira o sono de parte da população. O órgão não socorre, como deveria, quem tem o azar de ter como vizinhos, na maior parte dos casos, casas noturnas que preferem oferecer ajuda de custo a agentes públicos do que gastar com material anti-ruído.

A própria assessoria de imprensa do Psiu (Programa Silêncio Urbano), nome que se deu ao órgão da prefeitura, admite que há queixas lá há mais de três anos sem providência alguma. Reclamações feitas pela Internet em setembro do ano passado ainda não têm sequer número de protocolo.

Mas a questão do momento é outra. O órgão decidiu não mais aceitar queixas em que o reclamante, por temor de represália, não se identifica formalmente. Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga, assessor técnico da ouvidoria-geral do município de São Paulo, remeteu nesta quarta-feira (6/4) ofício ao ouvidor em que reverbera uma das causas mais vindicadas pelo paulistano: que o Psiu, admita as denúncias anônimas como válidas para gerar processos de abuso urbano.

O Psiu, órgão que deveria combater os barulhos urbanos, pede para que o reclamante se identifique para prestar queixa. Por causa da exigência, muitos moradores, que ficam com medo, acabam apelando para a Ouvidoria na esperança de solucionar o problema. Evidente contra-senso o do Psiu: se o crime é público, pouco importa se quem o denuncia empresta o nome ou não.

Para muitos moradores que fazem reclamação na Ouvidoria, essa prática de exigir identificação para dar queixa ao Psiu está ajudando o narcotráfico a se espalhar, sobretudo pelo centro da cidade. E o artifício de que usam os narcotraficantes já é conhecido de boa parte dos policiais civis e militares de São Paulo: a chamada “bomba de som”.

Assim, a população de classe média baixa, moradora sobretudo da região central da cidade, tem sido acossada com a vizinhança imediata de pequenos bares, mantidos por narcotraficantes, que ordenam um som em último volume, insuportável. Sem poder contar com a ajuda do Psiu, o morador, que não pode se identificar temendo ser morto, vai se mudando. Conclusão: a região

central vai pouco a pouco se tornando terra de ninguém, colonizada por bombas de som, protagonistas dessa nova e perversa geopolítica urbana.

Perguntado pontualmente sobre esse problema das bombas de som, o ouvidor municipal Elci Pimenta Freire foi claro e transparente, como o belíssimo relatório de 60 páginas em que expõe os problemas da cidade. “Esse caso do Psiu é um ponto importante do nosso relatório. Essas 999 reclamações registradas em 2005 na Ouvidoria, são os casos em que a pessoa já tinha tentado buscar uma solução no Psiu e como não teve resposta procurou a ouvidoria. Esses casos são apenas uma amostragem porque o problema é muito maior.

As 8.940 reclamações referentes a falta de iluminação na cidade representam mais da metade das queixas recebidas em 2005. Um aumento de 131% em relação a 2004, quando foram registradas 3.876 reclamações sobre o mesmo tema.

As questões ligadas a jardinagem ficaram sem segundo lugar, com 1.342 protocolos abertos, ou 73% a mais que em 2004. As 999 queixas contra barulho representam um acréscimo de 12% em relação a 2004. Somente nove desses estabelecimentos foram fechados administrativamente, ou 0,1% do total. Dos casos registrados na Ouvidoria no ano passado, apenas 62 foram solucionados: o menor índice de resposta da Prefeitura às reclamações registradas na Ouvidoria.

Segundo o ofício de Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga, assessor técnico da ouvidoria geral do Município de São Paulo. “a perturbação de silêncio é um dos maiores problemas na cidade de São Paulo na opinião da população. Segundo apurado no relatório anual desta Ouvidoria, esta queixa ocupa o terceiro lugar no ranking das reclamações. Porém, a solução deste problema é um dos mais difíceis, conforme também apurado por esta Ouvidoria, já que no ano de 2005 dos 999 protocolos abertos, apenas 62 casos foram solucionados”.

Diz Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga, assessor técnico da ouvidoria geral do Município de São Paulo que “constatou esta Ouvidoria também que a coordenação do PSIU entende que não lhe cabe investigar denúncias anônimas, já que, segundo orientação adotada, é vedado o anonimato em manifestações de pensamento, nos termos da segunda parte do artigo 5º, IV, da Constituição Federal.

Esta Ouvidoria admite três tipos de reclamações/denúncias: (a) com identificação autorizada pelo munícipe, que permite ao reclamante acompanhar o processo administrativo instaurado; (b) a com a identificação não autorizada, que também permite o referido acompanhamento e (c) e a anônima, para qual não é permitido acompanhar o desenrolar do expediente.”


Refere o ofício que “Não há nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade em admitir denúncias anônimas. Esta conduta visa proteger o munícipe que se sinta amedrontado por conta de possíveis (e muitas vezes verificáveis) represálias que possa sofrer. E também é baseada no princípio constitucional da legalidade, já que tem a Administração dever de investigar de ofício (e não só a requerimento da parte interessada) quaisquer ataques à ordem pública e à paz social.

Para tanto, é aparelhada a Administração do chamado Poder de Polícia, ou seja, de se auto-determinar para investigar e punir todos aqueles que se neguem a atender às determinações legais referentes ao uso dos espaços públicos, perturbação de vizinhança e excessos no exercício do direito de propriedade. Sendo assim, pode proceder a investigações sem qualquer requerimento.

A denúncia anônima, na verdade, serve para impulsionar este dever de bem servir à comunidade, servindo para melhorar o uso dos recursos públicos, muitas vezes limitados, e para de fato atingir o infrator da lei, surpreendendo-o na prática da ilegalidade.

A aceitação das denúncias anônimas é defendida na investigação de crimes, como é exemplo disque-denúncia da Polícia Civil, amplamente divulgado, graças ao qual diversos casos de seqüestro foram resolvidos, sendo as vítimas libertadas e diversos narcotraficantes, falsários, contrabandistas foram presos e apreendidos os produtos criminosos. Isto porque é a forma pela qual a população pode auxiliar a polícia sem correr nenhum risco, dando subsídios à investigação do delito noticiado. Por isso não surpreende o fato de que a grande maioria das denúncias são pertinentes e levam a operações policiais bem sucedidas.”

Leia a íntegra

São Paulo, 5 de Abril de 2006

Senhor Ouvidor:

Assunto: Consulta sobre o acolhimento da Delação Anônima na Ouvidoria e o veto constitucional ao anonimato.

A perturbação de Silêncio é um dos maiores problemas na cidade de São Paulo na opinião da população. Segundo apurado no relatório anual desta Ouvidoria, esta queixa ocupa o terceiro lugar no ranking das reclamações. Porém, a solução deste problema é um dos mais difíceis, conforme também apurado por esta Ouvidoria, já que no ano de 2005 dos 999 protocolos abertos, apenas 62 casos foram solucionados.

Constatou esta Ouvidoria também que a coordenação do PSIU entende que não lhe cabe investigar denúncias anônimas, já que, segundo orientação adotada, é vedado o anonimato em manifestações de pensamento, nos termos da segunda parte do artigo 5º, IV, da Constituição Federal.

Esta Ouvidoria admite três tipos de reclamações/denúncias: (a) com identificação autorizada pelo munícipe, que permite ao reclamante acompanhar o processo administrativo instaurado; (b) a com a identificação não autorizada, que também permite o referido acompanhamento e (c) e a anônima, para qual não é permitido acompanhar o desenrolar do expediente.

Não há nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade em admitir denúncias anônimas. Esta conduta visa proteger o munícipe que se sinta amedrontado por conta de possíveis (e muitas vezes verificáveis) represálias que lhe possam sofrer. E também é baseada no princípio constitucional da legalidade, já que tem a Administração dever de investigar de ofício (e não só a requerimento da parte interessada) quaisquer ataques à ordem pública e à paz social.

Para tanto, é aparelhada a Administração do chamado Poder de Polícia, ou seja, de se auto-determinar para investigar e punir todos aqueles que se neguem a atender às determinações legais referentes ao uso dos espaços públicos, perturbação de vizinhança e excessos no exercício do direito de propriedade. Sendo assim, pode proceder a investigações sem qualquer requerimento.

A denúncia anônima, na verdade, serve para impulsionar este dever de bem servir à comunidade, servindo para melhorar o uso dos recursos públicos, muitas vezes limitados, e para de fato atingir o infrator da lei, surpreendendo-o na prática da ilegalidade.

A aceitação das denúncias anônimas é defendida na investigação de crimes, como é exemplo disque-denúncia da Polícia Civil, amplamente divulgado, graças ao qual diversos casos de seqüestro foram resolvidos, sendo as vítimas libertadas e diversos narcotraficantes, falsários, contrabandistas foram presos e apreendidos os produtos criminosos. Isto porque é a forma pela qual a população pode auxiliar a polícia sem correr nenhum risco, dando subsídios à investigação do delito noticiado. Por isso não surpreende o fato de que a grande maioria das denúncias são pertinentes e levam a operações policiais bem sucedidas.

Ou seja, com a denuncia anônima, pode o PSIU ter conhecimento da prática do ilícito administrativo a ser coibido, não importando quem tenha feito a reclamação. A denuncia anônima auxilia o gestor público no conhecimento de indícios e de fatos que possam colaborar para a mais rápida e vigilante ação do Estado, para a defesa do bem-estar da sociedade a que tem o dever de servir.


A justificativa de que o veto constitucional ao anonimato tornaria a denúncia anônima inadmissível não tem amparo constitucional. Juristas de renome, como José Afonso da Silva, Alexandre de Moraes e outros, entendem que tal impedimento quer resguardar a prática de excessos no exercício da liberdade de manifestação de pensamento, inclusive, com o intuito de possibilitar a responsabilização civil e criminal. Deste modo, a referida proibição visa expor o autor do publicado ou do escrito às conseqüências legais decorrentes de sua expressão sobre terceiros ou fatos, inclusive para assegurar o direito de resposta.

Por seu turno, a Constituição Federal também estabelece, em seu artigo 37, princípios de moralidade administrativa e de legalidade dos agentes públicos. Ou seja, devem zelar pelo cumprimento da lei em seus estritos termos, para a garantia do bem-estar social. Esta diretriz é especificada no artigo 143 da Lei n.º. 8.112/9, nos seguintes termos: “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado a ampla defesa”.

Ou seja, a denúncia anônima confronta o dever da moralidade e da legalidade com o direito individual à proteção da integridade moral. A fim de dar a melhor interpretação do problema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se pronunciou no sentido de que, não obstante o caráter apócrifo da denúncia ou mesmo de notícia de crime inqualificada, se a comunicação feita for revestida de aparente ilicitude, com a informação de fato concreto e com indício de autoria, cabe o seu conhecimento e verificação, “em atendimento ao dever estatal de fazer prevalecer – consideradas razões de interesse público – a observância do postulado ético-jurídico da moralidade administrativa e da legalidade. (STF MS 24.369-DF, Rel. M. Celso de Mello, in Informativo STF, Nº. 286, 2002). Assim, entende-se com tranqüilidade que a autoridade pública deve exercer o seu poder-dever de controle, ainda que a suposta irregularidade venha a ser comunicada por meio de denúncia anônima.

Sendo assim, não resta qualquer dúvida de que é admissível a denúncia anônima, a qual vincula a atividade dos administradores públicos, em qualquer nível federativo e hierárquico. Deste modo, é dever da autoridade assegurar ou facilitar a fiscalização e/ou apuração de irregularidades em ambiente externo e interno, facultando a participação da população por meio de delações apócrifas.

Orientação esta que ressalta o dever funcional e autônomo da autoridade pública destinatária em apurar notícias de ilícitos, supondo como indispensável a aplicação de um método ponderado e cauteloso para a verificação da verossimilhança das informações antes da instauração de qualquer procedimento administrativo formal.

Repita-se que é notório que os serviços de “disque-denúncia” e assemelhados, da mesma maneira que a delação inqualificada, é fruto da insegurança do denunciante em identificar-se ao informar irregularidades de que tem conhecimento à autoridade pública. Não se deve desprezar nenhuma comunicação, ainda que anônima, pois está auxilia a prevenção e a coerção de práticas delituosas.

A bem da verdade, no caso específico da perturbação do silêncio, determina a lei a fiscalização preventiva para que sejam respeitados os padrões estabelecidos pelo CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) e a legislação municipal vigente em matéria ambiental. Assim, dispensa-se a provocação do munícipe, já que tem o Poder Público dever de atuação.

Deste modo, o contato do munícipe com o serviço de reclamações (seja no serviço do 156 ou do atendimento da Ouvidoria deste Município) não o obriga a se identificar. Além disso, não deve existir qualquer fator discriminante quanto a prioridade no atendimento ao caso posto pelo munícipe, uma vez que é ao Poder Público que compete fiscalizar todo e qualquer problema da Cidade.

Assim, entendemos que é possível a denúncia anônima com a descrição da irregularidade, acompanhada de fundamentação mínima capaz de permitir a apuração e a indicação da sua suposta autoria, e que é injustificado o entendimento adotado pelo PSIU, até mesmo por conta da relevância de seus serviços em debelar um dos maiores problemas que assolam esta Capital na opinião dos próprios munícipes.

É o que nos cabe nesse momento

Alvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga

Assessor Técnico da Ouvidoria Geral do Município

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