Liberdade de dieta

Empresa não pode proibir funcionário de levar marmita

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7 de abril de 2006, 15h39

A empresa não pode proibir o funcionário de levar seu próprio almoço para o trabalho. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho condenou a Cinpal Cia Industrial de Peças para Automóveis a indenizar um ex-funcionário.

Os juízes decidiram que a empresa terá de pagar as verbas devidas por demissão sem justa causa e indenização por danos morais, fixada no dobro do valor de todas as verbas rescisórias. A decisão do tribunal foi baseada no entendimento de que o descaso da empresa com a saúde do empregado é motivo para que ele peça a rescisão indireta do contrato de trabalho e seja indenizado pelos danos morais sofridos.

Saúde em jogo

O trabalhador, que sofria de gastrite e tinha de se submeter a uma dieta rigorosa, solicitou à empresa autorização para levar a refeição pronta de sua casa. Também pediu a alteração no horário do intervalo para descanso e alimentação.

Sem uma resposta ao seu pedido, o empregado não compareceu mais ao trabalho. A empresa considerou as ausências como faltas injustificadas e demitiu o metalúrgico por justa causa.

O funcionário, então, recorreu à Vara do Trabalho de Taboão da Serra (SP) pedindo que fosse declarado o rompimento do contrato por culpa do empregador. Além das verbas rescisórias, ele reclamou reparação pelos danos morais sofridos com o episódio.

Em sua defesa, a Cinpal alegou que não permite aos seus empregados que levem de casa a própria refeição, mas que analisava o pedido do ex-empregado quando ele abandonou o serviço.

A primeira instância julgou o processo procedente em parte, reconhecendo a rescisão indireta do contrato de trabalho, mas negou a indenização por danos morais. A empresa e o ex-funcionário recorreram ao TRT-SP.

Para o juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, relator do recurso, “a insólita omissão da empresa em resolver questão relevante e inadiável, que dizia respeito à saúde de seu empregado, praticamente obrigou o trabalhador a ver-se na contingência de deixar o emprego, buscando na tortuosa e demorada via judicial a rescisão indireta do contrato de trabalho”.

Segundo o relator, como ficou comprovado que a empresa foi responsável “por atos de desrespeito à dignidade e integridade física e moral do autor, não há como deixar de deferir a indenização por danos morais”. O voto do relator foi acompanhado por maioria.

Leia a íntegra da decisão

4ª TURMA PROCESSO TRT/SP NO: 01930200350102008 (20040198035)

RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTES:1º) CINPAL CIA. INDUSTRIAL DE PEÇAS PARA AUTOMÓVEIS

2º) AMAURI DA SILVA OLIVEIRA

RECORRIDOS: OS MESMOS

ORIGEM: 1ª VT DE TABOÃO DA SERRA

EMENTA: DESCASO PARA COM A SAÚDE DO TRABALHADOR. DANO MORAL.

O descaso e omissão da empresa no tocante à saúde do empregado, deixando de apreciar requerimento de consumo de refeição por ele trazida de casa, indispensável ao cumprimento de rigorosa dieta alimentar a que o trabalhador encontrava-se submetido, não se resolve apenas com o deferimento das verbas rescisórias resultantes da rescisão indireta.

Na situação dos autos, a prova revelou ser a ruptura do vínculo indesejada e até inconveniente para o obreiro, que se encontrava doente e assim, necessitava com mais razão do seu emprego, em vista da notória dificuldade que teria para recolocar-se no concorrido mercado de trabalho.

Todavia, a insólita demora da empresa em resolver questão relevante e inadiável, praticamente obrigou o trabalhador a ver-se na contingência de deixar o emprego, buscando na tortuosa e demorada via judicial, a rescisão indireta do contrato de trabalho. Tal atitude revela o pouco caso da reclamada ao lidar com pleitos de seu empregado, cortando os canais de diálogo e desprezando a pessoa do reclamante, vez que a pretensão com vistas ao resguardo da sua saúde nada tinha de banal e sim, era para ele, questão de extrema urgência.

Desrespeitada a dignidade e integridade física e moral do autor, não há como deixar de deferir a indenização por danos morais.

Contra a respeitável sentença de fls. 98/101 recorrem ordinariamente as partes, argüindo a reclamada, em preliminar, cerceamento de defesa e julgamento extra petita e, no mérito, refutando a decretação da rescisão indireta do contrato de trabalho do autor, com a conseqüente condenação ao pagamento de verbas rescisórias, FGTS mais multa de 40% e seguro desemprego.

Por sua vez, recorre o reclamante postulando horas extras, inclusive pela redução do intervalo intrajornada e indenização por dano moral.

Contra-razões às fls. 127/132 e 133/139.

Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, às fls. 141, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.


É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

DO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA DA PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA E DE JULGAMENTO EXTRA PETITA

A reclamada afirma que deve o seu direito de defesa cerceado, porque o julgado recorrido acolheu o pleito do reclamante sob fundamento diverso daqueles defendidos no libelo. Pelo mesmo motivo, a sentença teria sido prolatada extra petita.

Sem razão a reclamada-recorrente.

Como alegado pela reclamada em seu arrazoado recursal, na exordial o reclamante sustentou: (1) que é portador de moléstia digestiva; (2) que a alimentação fornecida pela ré era incompatível com a dieta que deveria seguir em decorrência de prescrição médica e (3) que requereu alteração dos horários de intervalo e não foi atendido pela reclamada.

O fato de a reclamada não permitir aos seus empregados que levassem de casa a própria refeição também foi objeto das alegações vestibulares (segundo parágrafo de fls. 06), sendo certo que este argumento foi acolhido pelo julgado atacado que, portanto, não decidiu fora dos limites da lide.

Ademais, tanto este fato era de conhecimento da reclamada que, em depoimento pessoal (fls. 31), o preposto confirmou que o autor pediu autorização na empresa para levar sua própria refeição e que tal pedido estava sendo analisado quando da ruptura do pacto laboral.

Desse modo, mesmo que o fato não tivesse sido objeto de alegação na inicial ou contestação, o que se diz por argumentar, o certo é que foi identificado nos autos pelo D. Juízo, por ocasião do exame da prova, resultando possível a sua valoração em face dos princípios da persuasão racional e do livre convencimento motivado. Assim, em vista da notória relevância e pertinência da circunstância em questão, correta a sua utilização como um dos fundamentos da sentença, consoante faculta o artigo 131 do CPC, in verbis:

“O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.”

Logo, não há que se cogitar de cerceamento de defesa, tampouco de julgamento extra petita, pelo que tais preliminares não merecem acolhimento.

Rejeito.

DO MÉRITO DA RESCISÃO CONTRATUAL

Novamente o julgado recorrido, que afastou a justa causa e acolheu o pedido de decretação da rescisão indireta do contrato de trabalho, se sustenta por seus próprios fundamentos.

É evidente que o reclamante fez o possível para continuar prestando serviços à ré. Todavia, seus esforços não encontraram contrapartida.

O depoimento da única testemunha da ré (fls. 38) é esclarecedor neste sentido.

O reclamante era subordinado à testemunha e a ela pediu autorização para levar sua refeição. A testemunha levou o caso até o setor de recursos humanos da reclamada, revelando a prova que a empresa não agiu com a rapidez que a urgência da situação requeria.

Por fim, incontroverso nos autos que o último dia trabalhado pelo autor foi 18/09/03. Logo, sem sentido seria a impugnação aos registros de ponto que acusam faltas no período posterior à data mencionada. Também não é ônus do reclamante comunicar ao empregador que rescindiu indiretamente o seu contrato de trabalho. Tal comunicação se deu através da citação de fls. 29.

Mantenho.

DO FGTS E DO SEGURO DESEMPREGO

Mantida a rescisão indireta do contrato de trabalho, faz jus o autor ao percebimento das verbas em epigrafe.

Mantenho.

DO RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE DO INTERVALO INTRAJORNADA

O intervalo para repouso e alimentação possui por objetivo a recomposição física e mental do empregado, além de resultar em maior produtividade. Está assentado em norma de ordem pública, imperativa, só sendo possível sua flexibilização por autorização expressa do Ministério do Trabalho (§3º, art. 71, CLT). Logo, o acordo coletivo não é meio idôneo para autorizar a reclamada a reduzir a indigitada pausa para trinta minutos.

A condição para a redução do período de intervalo não foi preenchida pela ré que, portanto, violou o artigo 71, caput e parágrafos 3º e 4º da CLT (este acrescentado pela Lei nº 8.923/94), na medida em que concedia apenas trinta minutos de intervalo.

O caput do mencionado artigo dispõe que será obrigatória a concessão de um intervalo mínimo de uma hora, quando a jornada for superior a seis. Daí que a não concessão integral do aludido intervalo, frustra a tutela assegurada no artigo 71 Consolidado, importando para o empregador infrator, sanção pecuniária correspondente ao valor de uma hora extra (§4º, 71, CLT).


Diante de tais considerações, é de se reconhecer ao autor o direito ao pagamento de meia hora extra, acrescido do adicional legal de 50% sobre o valor da remuneração (tudo limitado ao pedido).

Reformo.

DAS HORAS EXTRAS

Os horários de labor declinados pelo autor, descontados os intervalos para refeição e descanso, não ensejam pagamento de horas extras por prorrogação de jornada.

Mantenho.

DO DANO MORAL

As relações de trabalho devem pautar-se pela respeitabilidade mútua, face ao caráter sinalagmático da contratação, impondo aos contratantes reciprocidade de direitos e obrigações. Assim, o empregador além da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, deve ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a dignidade, e integridade física e moral de seu empregado, porquanto se tratam de valores que compõem o patrimônio ideal da pessoa, assim conceituado o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.

Tais valores foram objeto de preocupação do legislador constituinte de 1.988 que lhes deu status de princípio constitucional, assegurando o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação (CF, art. 5º, V e X).

Portanto, sempre que o trabalhador, em razão do contrato de trabalho, sofrer lesão à sua honra, ofensa que lhe cause um mal ou dor (sentimental ou física) causando-lhe abalo na personalidade, terá o direito de exigir do empregador a reparação por dano moral.

Como já considerado alhures, o reclamante, portador de gastrite, com dieta alimentar prescrita, requereu junto à reclamada que pudesse providenciar sua própria refeição, já que aquela fornecida pelo empregador não atendia as peculiaridades da prescrição médica.

A empresa demorou-se na apreciação do pedido e o reclamante, para não agravar seu estado de saúde, e diante da injustificada resistência patronal, viu-se forçado a interromper a prestação de serviços e postular, nesta justiça obreira, provimento jurisdicional de reconhecimento do rompimento do contrato laboral por culpa do empregador, com a decretação da rescisão indireta, que acabou por ser deferida na origem.

Cumulado com pedido de rescisão indireta, postulou, o reclamante, indenização pelo alegado dano moral.

Inegável que a reclamada não foi ágil o bastante para resolver um problema que afligia um de seus empregados. Aflição que, por óbvio, tinha razão de ser.

Afinal de contas, o empregado era portador de incômoda moléstia – gastrite — que, se não tratada adequadamente, poderia se agravar, e que exigia observância de uma dieta alimentar rígida.

Em face desta situação, por demais desagradável, e que por si só implicava diversas atribulações na vida do empregado, o mínimo que a reclamada poderia ter feito, era ter-se posicionado com presteza acerca do requerimento a ela trazido pelo reclamante, no sentido de poder consumir sua própria refeição, trazida de casa e que poderia atender aos rigores da prescrição médica.

Note-se que o reclamante não pediu o privilégio de um cardápio especial a ser consumido no refeitório da reclamada, e tampouco, que a empresa lhe custeasse um suprimento alimentar diferente daquele oferecido ao conjunto dos trabalhadores. Simplesmente solicitou, em vista da doença de que era portador, o mais que razoável direito de consumir no local a sua própria refeição, preparada em casa, às expensas dele e compatível com a rigorosa dieta a que estava submetido.

Nesse passo, a insólita omissão da empresa em resolver questão relevante e inadiável, que dizia respeito à saúde de seu empregado, praticamente obrigou o trabalhador a ver-se na contingência de deixar o emprego, buscando na tortuosa e demorada via judicial, a rescisão indireta do contrato de trabalho.

É evidente que a situação imposta pelo descaso e inércia patronal no tocante à saúde do autor não se resolve apenas com o deferimento das verbas rescisórias, mormente na situação dos autos em que a prova revelou ser a ruptura do vínculo indesejada e inconveniente para o trabalhador, que se encontrava doente e assim, necessitava com mais razão do seu emprego, em vista da notória dificuldade que teria para recolocar-se no concorrido mercado de trabalho.

Ora, se o desinteresse da empresa pela pessoa do reclamante era tal, a ponto de sequer cuidar de resolver problema simples, que asseguraria o cumprimento da dieta alimentar pelo trabalhador, deveria ter providenciado a sua dispensa direta com o pagamento imediato das verbas rescisórias. Todavia, assim não procedeu, ignorando os requerimentos do obreiro, e praticamente impelindo-o à rescisão indireta, com a postergação do pagamento das verbas rescisórias.


Ora, dano moral não se configura pela mera circunstância de o fato ou ato provocar sofrimento psíquico no indivíduo, pois para sua caracterização é necessário que o empregador dirija ofensa direta à reputação, honra, decoro ou dignidade pessoal do empregado, faltando-lhe com respeito e consideração devida, ou causando sofrimento por atingi-lo em seus valores mais caros e íntimos.

A reclamada efetivamente “exercitou de forma arbitrária o seu poder diretivo”, nas inflamadas palavras do autor, e da pior forma, omitindo-se, quando tinha a obrigação de resolver justificada demanda do empregado, que envolvia um dos bens que a este eram mais caros, qual seja a própria saúde.

Tal atitude revela o pouco caso da empresa ao lidar com pleitos de seu empregado, cortando os canais de diálogo e desprezando a pessoa do reclamante, vez que a pretensão com vistas ao resguardo da saúde nada tinha de banal e sim, era tema de extrema e inadiável importância para o obreiro.

A Constituição Federal garante o direito à vida, no caput de seu artigo 5º, atribuindo-lhe o status de garantia fundamental — o que nem poderia ser diferente. Da mesma forma é garantido o direito à saúde (caput do artigo 6º). Mais ainda, são princípios constitucionais, sobre os quais fundamenta-se nossa República, aqueles que velam pela dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal) e pelos valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV, Constituição Federal). Então, não se lida nos autos com matéria comezinha.

Imperativo registrar-se que a reclamada, se omitindo, fez tabula rasa de valores fundamentais, quiçá os mais importantes que o Estado brasileiro elegeu, a partir da promulgação da Carta de 1.988, de viés social muito mais acentuado do que suas antecessoras.

Assim sendo, restando configurado que a reclamada foi responsável por atos de desrespeito à dignidade e integridade física e moral do autor, não há como deixar de deferir a indenização por danos morais.

O quantum debeatur, considerando-se o alcance da lesão ao patrimônio moral do reclamante, a capacidade de pagar da reclamada, os fatos ocorridos propriamente ditos e o objetivo pedagógico da medida, e atentando-se, outrossim, para princípio da razoabilidade é ora arbitrado no importe correspondente ao dobro do valor que será pago a título de verbas rescisórias, inclusive FGTS e multa de 40%, com isenção de descontos fiscais e previdenciários em face da natureza da verba em apreço.

Reformo.

Do exposto, conheço dos recursos, rejeito as preliminares de cerceamento de defesa e de julgamento extra petita, argüidas pela reclamada e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao seu apelo. De outra parte, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pelo reclamante, para reconhecer-lhe o direito ao pagamento de meia hora extra, acrescido do adicional legal de 50% sobre o valor da remuneração (tudo limitado ao pedido), pela redução do intervalo intrajornada, bem assim deferir-lhe indenização por dano moral, no importe correspondente ao dobro do valor que será pago a título de verbas rescisórias, inclusive FGTS e multa de 40%, com isenção de descontos fiscais e previdenciários em face da natureza da verba em apreço, tudo conforme fundamentação que integra e complementa este dispositivo. Mantida, no mais, a sentença de primeiro grau.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

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