História de um sigilo

Leia o depoimento de Palocci à Policia Federal

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6 de abril de 2006, 21h07

A conversa de um jardineiro com um caseiro foi o canal através do qual o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci teria tomado conhecimento de que Francenildo Santos Costa tinha uma movimentação atípica em sua conta bancária. Foi isso que o ex-ministro contou em seu depoimento à Polícia Federal na quinta-feira (6/4). Disse que a jornalista Helena Chagas, colunista do jornal O Globo, contou-lhe que seu jardineiro conhecia o caseiro e sabia que ele tinha recebido um bom dinheiro. Outra boa notícia que a jornalista teria dado ao ministro era que o jardineiro nunca vira Palocci na casa em que Francenildo trabalhava como caseiro.

No depoimento, Palocci contou também como recebeu o extrato de Francenildo das mãos do presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, na noite do dia 16 de março, mesmo dia em que o sigilo bancário de Francenildo deixou de ser um segredo. Segundo Palocci, Mattoso foi à sua casa, entregou-lhe o envelope com os extratos de Francenildo e conversaram sobre assuntos de trabalho.

Sobre os extratos, teriam apenas entendido que fora constatada a tal movimentação atípica na conta do caseiro e por isso os dados estavam sendo encaminhados para análise do Coaf, o órgão do Ministério da Fazenda encarregado do controle das operações dos bancos. Como superior hierárquico do Coaf, o ministro tinha direito de tomar conhecimento dos dados.

Francenildo e não o seu extrato bancário, segundo Palocci, continuou no centro de suas atenções, em função das acusações que o caseiro fizera contra o ministro. Com o seu assessor de imprensa, Marcelo Netto, e com dois assessores do Ministério da Justiça, Daniel Goldberg e Cláudio Alencar, Palocci teria analisado possíveis medidas judiciais que poderiam ser tomadas contra o acusador. O ministro contou que sabia que senador tucano Antero Paes de Barros “estaria se reunindo com o caseiro para possível instrumentalização de uma pessoa humilde para atacá-lo.” Netto, Goldberg e Alencar são suspeitos de serem os autores ou co-autores da quebra do sigilo de Francenildo.

À Polícia Federal, Palocci negou com veemência que tenha sido o responsável pela quebra do sigilo bancário de Francenildo e sustenta que como ministro da Fazenda era seu direito legal ter acesso aos dados bancários de pessoas suspeitas de movimentação irregular, caso de Francenildo naquelas circunstâncias.

Explicou também porque foi ouvido pela Polícia Federal em sua própria casa: em tratamento cardiológico, estava sob monitoração cardíaca 24 horas por dia, o que o impedia de deixar sua residência.

Leia a íntegra do depoimento de Palocci

06/04/2006

Depoimento de Antônio Palocci na Polícia Federal (4/4/ 2006)

Auto de qualificação e interrogatório de Antônio Palocci na Polícia Federal

Respondeu:

QUE, está sob investigação cardiológica e encontra-se sob gravação contínua do sistema holter 24 horas e, por tal motivo, recomendação médica, requereu a oitiva na residência oficial e apresenta declaração profissional, nesse sentido;

QUE na data de 16/03/2006 esteve em reunião no Palácio do Planalto com os presidentes de bancos estatais, dentre os quais o da Caixa, e também com Exmo. Sr. Presidente da República e Sra. Ministra Chefe da Casa Civil;

QUE não chegou a conversar com o Sr. JORGE MATTOSO de forma reservada ou a seu pedido;

QUE a reunião transcorreu no horário compreendido entre 19h e 20:30min.;

QUE o Sr. JORGE MATTOSO chegou depois de iniciada a reunião e saiu antes do interrogado e, por tal motivo, não trataram de nenhum assunto particular;

QUE só voltou a ter contato com o Sr JORGE MATTOSO entre 21:15min. e 21:30min., por telefone, porque ficaram assuntos pendentes, conforme o Sr JORGE MATTOSO lhe disse antes de sair da reunião;

QUE nesse telefonema o interrogado falou que tinha encerrado uma outra reunião e que estava disponível para conversar sobre os assuntos pendentes, mas o Sr JORGE MATTOSO lhe disse que estava jantando;

QUE não lhe foi dito o restaurante, nem a companhia ou se estava com qualquer extrato bancário;

QUE por volta de 23h o Sr JORGE MATTOSO chegou na residência oficial com um envelope na mão, não se recordando se era pardo ou branco;

QUE foi o interrogado que atendeu a porta;

QUE no momento da chegada do Sr JORGE MATTOSO, se encontrava conversando numa sala com o Sr DANIEL GOLDBERG e o Sr MARCELO NETTO, assessor de comunicação do Ministério da Fazenda;

QUE conversou menos de 10 min. com o Sr JORGE MATTOSO, sobre temas como a instalação de escritórios da Caixa no Japão e nos EUA, para os quais queria apoio do interrogando, além de outros assuntos inerentes à Caixa;

QUE naquela oportunidade, lhe foram exibidos 3 ou 4 folhas de extratos bancários da Caixa, sendo lhe dito que eram do caseiro FRANCENILDO e que teriam sido impressos para efeito de comunicação ao COAF, na medida em que continham movimentações atípicas;

QUE recebeu o envelope em que estavam os extratos bancários e disse ao Sr JORGE MATTOSO que confirmasse os trâmites com os técnicos e, caso estivesse dentro da regra prevista, fosse feito como dito, ou seja, encaminhasse ao COAF;

QUE assim recomendou ao Sr JORGE MATTOSO, na qualidade de seu superior hierárquico que recebeu uma comunicação de atipicidade e agindo nos termos da lei;

QUE se despediu do Sr JORGE MATTOSO e o acompanhou até a porta de saída deixando o envelope na mesa do escritório;

QUE retornou para a sala em que estava O Sr DANIEL GOLDBERG e o Sr MARCELO NETTO; QUE com o Sr DANIEL tratou do tema do inquérito em trâmite em Ribeirão Preto/SP que, por questão de sue foro privilegiado, entendia que deveria ser trazido para o STF;

QUE também tratou sobre a notícia trazida pela jornalista HELENA CHAGAS do Jornal O Globo de que seu jardineiro tinha lhe dito que o caseiro tinha um bom dinheiro e que nunca tinha visto o interrogando, naquela casa;

QUE consultou o Sr DANIEL sobre qual medida jurídica o interrogando poderia adotar ou qual órgão de investigação jurídica deveria ou não procurar tendo em vista também a informação de Sua Excelência Senador Federal ANTERO PAES DE BARROS estaria se reunindo com o caseiro para possível instrumentalização de uma pessoa humilde para atacá-lo politicamente;

QUE o Sr DANIEL lhe disse que, quanto à questão do inquérito, achava certo o procedimento proposto e, quanto ao segundo, que iria consultar outras pessoas;

QUE o Sr MARCELO NETTO também concordou e, por volta das 23:40 min., ambos se despediram do interrogando e foram embora;

QUE O Sr DANIEL lhe disse que depois lhe traria uma avaliação com mais calma;

QUE no dia seguinte, 17/03/2006, entre 11:30min e meio dia recebeu, na residência oficial, o Sr DANIEL e uma outra pessoa que lhe foi apresentada como sendo CLÁUDIO ALENCAR, chefe de Gabinete do Ministro da justiça, MÁRCIO THOMAZ BASTOS;

QUE DANIEL e CLÁUDIO disseram que foi feita uma avaliação e que os dados eram insuficientes e que precisavam de mais elementos;

QUE disse que não tinha outros dados e recebeu informação de que um dos dois, não sabe o qual, iria, de qualquer forma, à Polícia Federal para fazer uma verificação sobre outros eventuais procedimentos;

QUE ambos retornaram no final da tarde, próximo das 18h à residência oficial com a sugestão de que não fosse ajuizada qualquer medida jurídica ou junto a Polícia Federal;

QUE nesse momento estava presente o Sr MARCELO NETTO porque, caso decidisse tomar alguma providencia jurídica ficaria ao cargo do Sr MARCELO NETTO divulgá-la;

QUE o senhor MARCELO NETTO não tem formação jurídica e por isso não tomou parte da discussão de mérito;

QUE acertados esses termos encerrou-se à reunião e os três presentes foram embora: DANIEL, CLÁUDIO e AMRCELO ; QUE na data de 17/032006, o Sr JORGE MATTOSO não lhe ligou e, portanto, não soube sobre eventual informação ao COAF, nessa data;

QUE não pediu qualquer outro dado sobre o caseiro FRANCENILDO à Receita Federal ou ao COAF nem o cruzamento de recolhimento de CPMF;

QUE esclarece, inclusive, que a Receita Federal trabalha com defasagem de dados, ou seja, as informações sobre recolhimento de CPMF são incorporadas trimestralmente;

QUE quando houve o vazamento de dados bancários do caseiro, perguntou ao seu assessor MARCELO NETTO sobre as notícias veiculadas na imprensa e seu eventual envolvimento, mostrando-se, o Sr MARCELO, indignado com as reportagens e a indagação;

QUE perguntou ao Sr MARCELO NETTO se ele havia tido acesso aos extratos bancários por outras vias, no que obteve a resposta negativa;

QUE o interrogando, em nenhum momento, exibiu os extratos recebidos do Sr JORGE MATTOSO ao Sr MARCELO NETTO ou a quem quer que seja;

QUE não faz contato direto com jornalistas, o que fica a cargo da Secretaria de Comunicação, cuja a chefia é do Sr MARCELO NETTO;

QUE o interrogando assegura que os extratos bancários recebidos das mãos do Sr JORGE MATTOSO não foram transferidos ou exibidos para outrem;

QUE, na segunda-feira, quando se tornou público que a movimentação financeira do caseiro FRANCENILDO, tida como atípica, fora comunicada ao COAF pela Caixa, o interrogando destruiu os extratos no triturador de papel;

QUE classifica infamantes;

QUE nega, veementemente, a divulgação dos extratos do caseiro ou a quebra do seu sigilo bancário;

QUE quer esclarecer que, em nenhum momento, quis sugestionar os Srs. DANIEL e CLÁUDIO para que fosse feita uma investigação pela Polícia Federal, mas apenas consultá-los sobre os procedimentos jurídicos cabíveis;

QUE não procurou diretamente nenhuma Autoridade Policial e não se recorda se o Sr CLÁUDIO ALENCAR mencionou o nome de alguma, em específico;

QUE o interrogando quer deixar claro que não cometeu nenhuma ilicitude ao receber, no exercício de suas funções de Ministro da Fazenda, os extratos entregues por JORGE MATTOSO, na qualidade de Presidente da Caixa, instituição financeira vinculada à pasta;

QUE entende que entende que estava na esfera de suas atribuições receber documentos ou informações equivalentes com os fins legais de comunicação ao COAF.

E mais não disse e nem lhe foi perguntado. Nada mais havendo, determinou a autoridade policial que se encerrasse este Auto, que, depois de lido e achado conforme, vai por todos devidamente assinado, inclusive pela testemunha LUÍZIA CLÁUDIA PIRES SILVA, Agente de Polícia Federal e por mim. Eu, RONALDO GONÇALVES CUNHA, Escrivão de Polícia federal, que lavrei.

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