Vínculo de emprego

Músico que toca eventualmente em boate não é empregado

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5 de abril de 2006, 12h01

Se o trabalho é eventual ou sem subordinação, não há relação de emprego. Com este entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) não reconheceu o vínculo empregatício de um músico com a boate Donna Café. Para os juízes, músico que escolhe repertório e tem liberdade para faltar não tem vínculo empregatício. Cabe recurso.

O músico entrou com processo na 63ª Vara do Trabalho de São Paulo para receber as verbas e indenizações contratuais e rescisórias previstas na CLT. Como prova, apresentou os cheques dos clientes da boate, recebidos como pagamento pelos serviços prestados. Posteriormente, uma testemunha afirmou ter ouvido dizer que o autor da ação foi contratado pelo sócio da Donna Café.

A primeira instância negou o pedido. O músico recorreu ao TRT-SP. Insistiu que prestava serviços para a casa noturna com “subordinação, pessoalidade, salário e continuidade”.

O juiz Paulo Augusto Camara, relator, considerou que os cheques não servem como prova da tese, “pois é factível que o estabelecimento tenha pago o cachê dos músicos com cheques recebidos dos fregueses e o ‘dono da banda’ tenha feito o rateio entre os demais componentes”.

No entendimento do relator, “a eventualidade, a impessoalidade e a ausência de subordinação emergem nítidas da relação jurídica sub judice, pois ficou evidenciado que Ângelo (Jucelino, dono da banda) ou ainda, os clientes, poderiam escolher o repertório”.

Paulo Camara acrescentou que os músicos poderiam se ausentar, “situação na qual outros profissionais seriam convidados pelo proprietário da casa”.

“Também ficou comprovado que o recorrente e banda fizeram turnê pela Espanha. Ora, se houvesse algum tipo de subordinação, certamente não poderiam os músicos, dentre eles o reclamante, viajar em turnê de trabalho pela Europa”, observou.

RO 01204.2002.063.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 01204.2002.063.02.00-0 – 4ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO DA 63ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

RECORRENTE: GILSON PEREIRA DE ANDRADE

RECORRIDO: DONNA CAFÉ LTDA

Ementa: Músico. Prestação de serviços de forma eventual e sem subordinação. Ausência dos requisitos do art. 3º Consolidado. Vínculo empregatício não configurado. A prestação de serviços de forma eventual e sem subordinação, na qual ao reclamante, exercente da profissão de músico, foi possível, inclusive, viajar em turnê profissional pela Espanha, é incompatível com o art. 3º Consolidado. Vínculo empregatício não caracterizado.

A r. sentença de fls. 56/59, cujo relatório adoto, julgou improcedentes os pedidos pertinentes ao reconhecimento do vínculo empregatício.

Inconformado, recorre ordinariamente o reclamante, consoante razões de fls. 64/66, alegando, em síntese, equívoco na valoração das provas e na aplicação do direito. Argumenta que a prestação de serviços tem natureza empregatícia nos moldes do art. 3º da CLT e que são devidas as verbas contratuais e rescisórias. Insiste que há subsídios probatórios a comprová-la, em especial o depoimento da testemunha que convidou e as cópias de cheques juntados para provar a remuneração, tudo a desaguar na procedência de todos os pedidos. Requer a ampla reforma do julgado de origem.

Recurso tempestivo. Preparo dispensado (fl. 66).

Contra-razões às fls. 77/80.

O Parecer da d. Procuradoria do Ministério Público do Trabalho, à fl. 81, é pela desnecessidade da intervenção ministerial, sem prejuízo de futura manifestação.

É o relatório.

V O T O

Conheço do recurso, uma vez que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

O inconformismo do reclamante acerca do desfecho conferido pela r. sentença não merece prosperar.

Senão, vejamos.

Da natureza jurídica da prestação de serviços

O reclamante, ao recorrer, insiste no reconhecimento do vínculo de emprego, alegando, em resumo, equívoco na valoração das provas e na aplicação do direito. A tese recursal é fulcrada, basicamente, na prestação de serviços mediante subordinação, pessoalidade, salário e continuidade.

Sem razão, todavia.

Ao exame do processado, infere-se que a prestação de serviços restou incontroversa. Entretanto, o reclamado, ora recorrido, imputou à relação sob comento natureza diversa daquela referida pelo autor, pois este fazia parte da banda do músico Jucelino Luiz da Silva, cujo nome artístico é Ângelo, sendo os pagamentos dos cachês feitos ao líder do conjunto (defesa, fl. 40).

Ao fazê-lo, o demandado carreou para si o encargo probatório, consoante regras estatuídas nos artigos 818 da CLT e 333, inc. II do CPC, ônus do qual se desonerou a contento.

Com efeito, a testemunha João Carlos Marinho, convidada pelo demandado, declarou de forma inequívoca que os músicos são funcionários dos donos da banda (fl. 51). O valor probante destas declarações não foi elidido por nenhuma contraprova obreira, pois a testemunha convidada pelo recorrente limitou-se a declarar que “ouviu dizer que o reclamante foi contratado pelo sócio da ré”, circunstância que retira a credibilidade de suas declarações (fl. 51).

Diferentemente do alegado em sede recursal, a juntada das cópias de cheques de clientes oriundos do recorrido não favorece o conjunto probatório, pois é factível que o estabelecimento tenha pago o cachê dos músicos com cheques recebidos dos fregueses e o “dono da banda” tenha feito o rateio entre os demais componentes. Aliás, os recibos do volume apartado (documentos nº 27/98) provam que a remuneração pelos serviços prestados pela banda era paga ao Sr. Jucelino, reforçando a veracidade da tese defensiva.

A eventualidade, a impessoalidade e a ausência de subordinação emergem nítidas da relação jurídica sub judice, pois ficou evidenciado que Ângelo (Jucelino, dono da banda) ou ainda, os clientes, poderiam escolher o repertório e os músicos poderiam se ausentar, situação na qual outros profissionais seriam convidados pelo proprietário da casa. Também ficou comprovado que o recorrente e banda fizeram turnê pela Espanha. Ora, se houvesse algum tipo de subordinação, certamente não poderiam os músicos, dentre eles o reclamante, viajar em turnê de trabalho pela Europa.

De se ponderar, por fim, que o objeto social do réu é a exploração do comércio de bar, restaurante e lanchonete (fl. 30) e não tem por atividade-fim, a exploração de serviços musicais.

A natureza jurídica do contrato é incompatível com o art. 3º Consolidado.

Os pedidos são mesmo improcedentes, conforme bem anotado pelo D. Magistrado sentenciante.

Nego provimento ao apelo.

Ante o exposto, conheço do recurso e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a r. sentença combatida, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

PAULO AUGUSTO CAMARA

Juiz Relator

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