Em nome da Constituição

Entrevista: ministro Carlos Ayres Britto

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5 de abril de 2006, 11h06

A noção de que o Supremo Tribunal Federal dificulta os trabalhos das CPIs não é verdadeira, ao menos no caso de um dos ministros. De dezessete pedidos que recebeu, para salvaguardar depoentes, o sergipano Carlos Ayres Britto não atendeu nenhum. Candidato a deputado federal pelo PT em 1990, Britto é considerado a escolha mais partidária de Lula.

Para quem esperava de um ministro indicado pelo governo petista, um juiz que contivesse o ímpeto das CPIs que aguilhoam o Planalto, foi uma surpresa. Para quem conhece a carreira de Britto, nem tanto.

O ministro defende uma atuação mais concreta do Supremo na vida nacional. “O Judiciário não governa, mas ele governa quem governa”, diz ele ao defender maior aplicabilidade do mandado de injunção e daquilo que ele chama de uma Constituição dirigente: “Defendo que o Supremo se debruce sobre a questão da vinculabilidade das políticas públicas a metas que já estão na Constituição”.

Sobre suas decisões em relação às CPIs, Carlos Britto afirma que é preciso dar curso à “santa curiosidade pelas coisas do poder”. E desfecha: “Nós queremos levantar tapetes, abrir portas, devassar os recintos. Isso é típico da democracia”.

Há dois anos e dez meses, o ministro é hoje o único representante do Nordeste na casa. Advogado militante, atuou em um dos mais importantes escritórios de advocacia do Nordeste. Foi Procurador-Geral de Justiça de Sergipe, procurador do Tribunal de Contas do Estado. É professor de Direito Constitucional, é autor de quatro livros e vasta série artigos sobre o tema.

Grande apreciador de literatura e de poesia, em especial, é autor de uma série de livros de poesia, como Varal de Borboletras (2003) e Ópera do Silêncio (2005). “Minha poesia é curtinha, meio sentencial, porque eu procuro me comunicar com o público jovem, que não tem muita disposição para ler poemas quilométricos”, explica. Também aprecia a boa música brasileira — Chico, Caetano, Djavan — compõe e toca viola.

Não por acaso, em suas sentenças e despachos é comum recorrer a autores da música popular. “Vejo lições de vida preciosas nesses letristas brasileiros, e eu aproveito como fundamento de voto ou como ilustração para os meus votos”

Na entrevista que se segue, a quinta de uma série com os ministros do STF, feita pelo site Consultor Jurídico para o jornal O Estado de S.Paulo, Carlos Britto expõe suas idéias e dá a sua visão sobre o sistema judicial brasileiro.

Leia a entrevista

ConJur — O que mudou no STF depois da Constituição de 88?

Carlos Ayres Britto — No pós-88, o que há de mais importante é o STF querer para a Constituição o que a Constituição quis para si própria: o máximo de efetividade. O máximo de concreção ou de aplicabilidade por si mesma, pois o certo é que ela se quis um corpo vivo. Uma espécie de unha e carne com a nova realidade das coisas.

ConJur — Que nova realidade é essa?

Carlos Ayres Britto — Uma realidade que também signifique o que a nova Constituição significa: o mais firme compromisso com a moralidade administrativa e a democracia de três vértices, que é a Democracia política, social e fraternal.

ConJur — Como assim democracia fraternal?

Carlos Ayres Britto — É que a nova Constituição se voltou para a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e se assumiu como eficaz mecanismo de combate a toda forma de preconceito; consagrando, inclusive, políticas públicas afirmativas da igualdade civil-moral dos segmentos sociais historicamente discriminados, especialmente o segmento dos negros, das mulheres e dos deficientes físicos. A essa mais contemporânea dimensão do constitucionalismo é que assenta bem a adjetivação de fraternal.

ConJur — Como o senhor vê o processo de incorporação da Constituição à vida da nação?

Carlos Ayres Britto — O nosso dia-a-dia operacional é de surpreendente descoberta das potencialidades da atual Constituição. Uma Constituição cuja exuberância de normatividade exige de todos nós um novo par de olhos. Um renovado visual das coisas, que será tanto mais agudo quanto derivado de uma combinação mais equilibrada entre o pensamento e o sentimento do intérprete. Afinal, já dizia Tobias Barreto, “o Direito não é só uma coisa que se sabe; é também uma coisa que se sente”. E como esquecer que o substantivo sentença vem do verbo sentir?

ConJur — Até mesmo pela renovação de seus membros, há um contínuo processo de mudança dentro do Supremo. Desta forma, como se deu o processo de incorporação da nova Constituição na corte?

Carlos Ayres Britto — Para quem era ministro à época da ordem constitucional anterior, suponho mais dificultosa tal adaptação. Mas para quem já assumiu sob as luzes da atual Constituição, fica mais fácil operá-la como uma ferramenta prá valer de transformação qualitativa da sociedade. Sabido que a velha Carta padecia do vicio da legitimidade no plano formal e, sob ótica material, era concentradora de poder, de riqueza e de saber.


Conjur — O que o senhor acha da forma de escolha dos ministros do Supremo?

Carlos Ayres Britto — Esses critérios me parecem teoricamente adequados. Desde que o presidente da República observe bem os pressupostos de indicação (notável saber jurídico e reputação ilibada) e o Senado Federal comprove o atendimento deles, nada a censurar. Quanto ao fato de não se tratar de cargo reservado a nenhuma das carreiras jurídicas em particular, isto se dá em homenagem a esse valor fundamental que é o pluralismo. Pluralismo que é um dos mais importantes conteúdos da Democracia e que, por isso mesmo, contribui para legitimar as decisões dessa casa de fazer destino que é o STF.

ConJur — Como o senhor vê a possibilidade de o atual governo vir a nomear sete ministros do Supremo. Isso pode dar uma coloração governista à corte?

Carlos Ayres Britto — Não. Uma vez nomeado, o ministro tem consciência de que precisa distinguir dois planos: o da gratidão pessoal e o da gratidão funcional. Ele pode e deve ser pessoalmente grato aos responsáveis pela sua investidura, mas não tem que ser grato no desempenho de sua função. Uma vez investido no cargo, o compromisso do novo ministro é com a ordem jurídica (a Constituição à frente) e com o seu país. Não pode fazer cortesia com o chapéu alheio, até porque a sua eventual subserviência violaria aquele teor de independência que é um dos elementos conceituais do proto-princípio da separação dos poderes.

ConJur — A Constituição de 1988 é considerada muito detalhista com seus 250 artigos. O senhor acha que deveria haver uma reforma para enxugá-la?

Carlos Ayres Britto — Cada povo tem a sua história. No Brasil, convém que a Constituição cuide de mais assuntos. Estando na Constituição, a matéria ganha dignidade e para ser reformada exige o máximo de concentração material e um mais dificultoso proceder do Congresso Nacional. Não sou um crítico da Constituição por ser mais robusta de dispositivos do que as anteriores. A tendência do constitucionalismo pós-Segunda Guerra é esse fenômeno do trato constitucional de assuntos antes reservados ao direito ordinário. A Constituição de Portugal começou com 300 artigos. A do Uruguai, 332. A da Índia, 372. A da Iugoslávia, mais de 400.

ConJur — Qual seria a solução para que o Supremo fosse de alguma maneira mais seletivo na sua pauta de julgamentos?

Carlos Ayres Britto — Tal seletividade se daria em termos de Direito material. Se reservássemos para o Supremo apenas a chamada jurisdição constitucional, seja no processo objetivo, seja no processo subjetivo, realizaríamos esse ideal do enxugamento operacional. A Emenda 45 nos liberou dos processos de homologação de sentença estrangeira e de concessão de exequatur às cartas rogatórias, assim como trouxe uma cláusula de seletividade: a “repercussão geral” como condição de admissibilidade dos recursos extraordinários. Se soubermos trabalhar bem com o novo instituto, faremos uma boa triagem dessa modalidade recursal.

ConJur — O ministro Gilmar Mendes fala que logo depois da Constituição de 88, o Supremo praticou o que ele chama de jurisprudência defensiva. E ele disse que a partir de um momento o Supremo passou a interpretar de forma mais ativa a Constituição.

Carlos Ayres Britto — Penso que o Supremo deva encarnar, crescentemente, o próprio espírito concretista da Constituição. Tudo fazer para dotá-la do máximo de aplicabilidade por si mesma, o que já implica trazer ao debate a delicada questão da vinculabilidade das políticas públicas a metas, programas e projetos que já estão nela própria, Constituição. Para mim, a Constituição tem mesmo caráter dirigente, na acepção de que governa quem governa. Quero dizer: governa de modo permanente quem governa de modo transitório. Também aqui é de se reapreciar os contornos e a funcionalidade do mandado de injunção, na perspectiva de encará-lo como um instrumento à disposição do jurisdicionado para garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

ConJur — E quanto à chamada jurisprudência defensiva?

Carlos Ayres Britto — Ela se faz necessária para viabilizar o próprio funcionamento racional da casa. Para não atulhar incontrolavelmente os nossos gabinetes e não nos matar de tanto trabalho. São tantas as ações que nos chegam para julgamento que eu tenho rogado ao bom Deus todos os dias: “Senhor, não nos deixeis cair em tanta ação!”

ConJur — O Supremo governa?

Carlos Ayres Britto — O Supremo não governa, mas pode impedir o desgoverno. Ele não tem do governo a função, mas tem do governo a força. A força de impedir a própria disfunção governativa, repito. Descumprir a Constituição é a mais grave maneira de incidir em desgoverno e o papel do Judiciário é obstar que isso aconteça. Que as autoridades políticas governem, claro, que para isso foram eleitas. Mas que o façam nos moldes de uma Constituição que nos cabe guardar. Por isso que a nossa função é jurídico-política, no particular. Jurídica, por nos caber julgar segundo critérios de legalidade e de constitucionalidade da ação dos poderes públicos (não por critérios de conveniência e oportunidade). Política, porque nesse tipo de julgamento técnico somos nós que terminamos por demarcar as fronteiras do legítimo atuar de cada qual dos poderes da República. Cuida-se, portanto, de uma política republicana. Não de uma política partidária.


ConJur — Estamos vivendo um momento em que há uma certa confusão a respeito desse papel do Supremo, o senhor não acha?

Carlos Ayres Britto — Ao noticiar o que acontece nas CPIs, a Imprensa tem vocalizado reclamos dos parlamentares quanto a intromissões indébitas do Supremo nos assuntos tipicamente domésticos do Parlamento. Não acho que esteja a ocorrer o deliberado propósito de travar, de puxar o freio de mão do carro parlamentar. As decisões que tenho lido primam por uma fundamentação técnica. São explicitamente referidas a normas constitucionais de proteção a bens jurídicos ali rotulados de fundamentais. Se não tenho, pessoalmente, concedido liminares em habeas corpus e mandados de segurança contra relatores ou sub-relatores de CPI´s, isto se deve ao fato de que, nos meus processos, e ainda em caráter prévio e sumário, não tenho concluído pelo cometimento de abuso ou ilegalidade por parte daquelas autoridades. Mas cada caso é um caso, como universalmente sabido.

ConJur — A discussão sobre um eventual cerceamento do direito de defesa na CPIs chegou ao Plenário do Supremo. Qual a sua opinião a respeito?

Carlos Ayres Britto — Há nas CPI´s o risco da espetacularização funcional, devido à notoriedade que a mídia confere a quem delas participa. Todavia, estrelismos à parte, entendo que uma investigação somente é de se interromper por desvio de foco. Fora disso, apenas se o procedimento investigativo resvalar para a zona proibida da ilegalidade ou da abusividade. Quero dizer: para se ganhar u´a medida liminar em Habeas Corpus ou Mandado de Segurança, não basta que o particular alegue violação ou ameaça de violação a direito subjetivo, ainda que esse direito seja do tipo líquido e certo. É preciso ver se tal direito se encontra em situação de efetiva ou potencial lesividade, por efeito, precisamente, de uma conduta pública de ilegalidade ou excesso de poder. A Constituição torna inviolável o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem das pessoas; não há dúvida. Assim como consagra a inviolabilidade do sigilo da correspondência, de dados e das comunicações telegráficas e telefônicas. Mas é preciso aferir se as autoridades parlamentares não estão a agir nos claros limites do seu poder instrutório, que é um poder equiparado ao dos juizes.

Outra pessoa — Em suas decisões o senhor deixa explícito os limites dos poderes das CPIs?

Carlos Ayres Britto — Sim. Deixo tudo explícito. Muito claramente, penso. Como se pode avaliar da leitura de cada decisão, todas elas acessíveis pela internet.

ConJur — Mesmo que o senhor já tenha visto pela televisão depoentes sendo humilhados pelos inquisidores?

Carlos Ayres Britto — Não vi nada que me levasse a supor um comportamento chapadamente desrespeitoso, visceralmente desatencioso para com os depoentes; até porque todos eles têm comparecido com os seus advogados, que têm sabido fazer uso das suas prerrogativas profissionais e dos direitos dos seus assistidos. O outro lado da medalha é que as Comissões Parlamentares de Inquérito são instrumentos fiscalizatórios de que dispõem os parlamentos, e, dentro deles, os blocos de oposição. Instrumentos vitais à democracia e à moralidade pública. E é sabido que, numa democracia, tudo vem a lume. Nada se passa no espaço do mistério. Cedo ou tarde as coisas afloram. Nela, a cidadania passa a se traduzir numa santa curiosidade pelas coisas do poder, sendo esta uma das razões pelas quais o regime democrático é o mais virtuoso de todos.

ConJur — Estamos em um ano eleitoral. Como deve ser o comportamento do Supremo nesse âmbito?

Carlos Ayres Britto — Devemos redobrar as nossas atenções. Requintar na capacidade de separar o joio do trigo, impedindo, se for o caso, que uma CPI deixe de ser uma legítima via de saneamento dos costumes públicos para se tornar um palco de encenações narcísicas. Esses questionamentos antecipam que teremos de andar ainda mais no fio da navalha. Com mais dificuldades para atribuir o devido peso a valores constitucionais em eventual estado de fricção ou tensionamento.

Conjur — O Supremo deve ter um compromisso com a governabilidade?

Carlos Ayres Britto — O compromisso do Supremo é com a governabilidade constitucional. Isso porque a Constituição já é um instrumento de governo e o certo é que ela governa quem governa. O juiz deve decidir com os olhos postos na Constituição e na realidade palpitante da vida. Um olho na missa e outro no padre. Mas se passar a decidir acumpliciadamente com a governabilidade desse ou daquele chefe do Poder Executivo, desapegado das pautas constitucionais, aí passará a co-exercer função executiva. Não mais jurisdicional.

ConJur — O senhor concorda que muitos dos questionamentos que se fazem à atuação do Supremo se deve à defesa que a Corte faz dos direitos fundamentais?

Carlos Ayres Britto — O momento é de intensa fricção entre os direitos fundamentais e os poderes das CPI´s. Momento propício a radicalismos e até mesmo a tiradas de auto-promoção. Quando a poeira assentar, aí, sim, os juízos também passarão por um processo de decantação. Assim é que os seres humanos e as instituições evoluem, como que sob o fogo cruzado de duas oraculares sentenças: uma é de Victor Hugo, segundo a qual “nada tem a força de uma idéia cujo tempo chegou”; outra é de Eduardo Couture, para quem “o tempo se vinga das coisas feitas sem a colaboração dele”.


ConJur — Em casos de grande repercussão, como o das CPIs, o juiz não corre o risco de ficar refém da opinião pública?

Carlos Ayres Britto — Equivoca-se o juiz que se deixa ficar refém da opinião pública, assim como o que dá as costas para ela. São dois extremos a evitar, pois o certo é seguir a máxima de que a virtude está no meio (medius in virtus).

ConJur Mas como atingir esse preciso ponto de equilíbrio?

Carlos Ayres Britto — O juiz, por mais que esteja assessorado, por mais que seja monitorado pela Imprensa, por mais que esteja convicto de que os olhos da nação estão postos sobre si, o juiz é sempre um solitário na hora de julgar. Nós estamos absolutamente sozinhos quando vamos decidir e por isso é que a responsabilidade dessa decisão é sempre sentida como algo rigorosamente pessoal. É aí que entra um componente essencial ao exercício da boa judicatura: a consciência. A consciência é uma espécie de terceiro olho. O único olho que não é visto, e no entanto o único a ver tudo. Por isso que Pascal dizia que “ciência sem consciência é ruína da alma”. E eu penso que a consciência é um rebento que nasce do casamento por amor entre o pensamento e o sentimento.

Conjur — A TV Justiça transmitindo as seções do Supremo contribui para tirar o juiz da sua solidão?

Carlos Ayres Britto — Gosto da TV Justiça. Por ela é que nos sentimos controlados tão de perto que chega a ser um controle ao vivo e em cores. Considero-a um poderoso mecanismo de controle externo do Poder Judiciário. Por ela é que revelamos ao público se somos ou não estudiosos, atualizados, participativos, cordatos, serenos (os jurisdicionados têm o direito de ser julgados por magistrados que reúnam todas essas virtudes). Por ela, enfim, o juiz tanto julga quanto é julgado.

Conjur — O senhor defende uma relação aberta do Judiciário com a imprensa?

Carlos Ayres Britto — Sim, e vou além. O Juiz deve se comunicar bem com todo mundo. E para se comunicar bem com todo mundo, deve primar pelo desembaraço do acesso a ele e pela simplicidade no seu interagir. O juiz que tem um rei na barriga um dia morre de parto. Sofrer de juizite é próprio das personalidades tão autoritárias quanto intolerantes, o que projeta da magistratura uma imagem profundamente destorcida. Sou daqueles que se vêem primeiramente enquanto “gente”. Só depois é que me vejo enquanto “agente”.

Conjur — Como o senhor vê a figura do presidente do Tribunal perante a Corte?

Carlos Ayres Britto — O presidente é uma figura necessária. Tem que haver um condutor das sessões, um administrador da Casa e um representante político-social da Instituição. Tudo reunido numa só pessoa, o que dá bem uma dimensão dos graves encargos que recaem sobre quem preside uma corte suprema de Justiça.

Conjur — O que o senhor espera da ministra Ellen Gracie na presidência do Supremo?

Carlos Ayres Britto — Uma gestão compatível com as grandes virtudes de que ela dá sobejas demonstrações de possuir. Trata-se de um dos melhores quadros da magistratura nacional, seja quanto ao saber puramente teórico, seja quanto àquele “saber de experiência feito”. Sem falar que se trata de pessoa tão organizada quanto atenciosa e trabalhadora. Trará consigo, não tenho dúvida, um estilo de maior leveza na condução das sessões plenárias da Casa e dará consistente prossecução à boa administração do ministro Jobim. O seu perfil nos permite prever que ela não vai administrar de salto alto.

Conjur — O senhor vê a presença de uma mulher na presidência do STF como um indicativo de modernidade da casa?

Carlos Ayres Britto — Do ponto de vista cultural, ainda caracterizado pelo viés do patriarcado, é muito bom que u´a mulher passe a dirigir o Supremo Tribunal Federal. Que a densa carga simbólica de sua mais alta investidura se faça acompanhar do mais arejado estilo republicano de gerir a coisa pública.

Conjur — Quais foram os ministros do Supremo que nessa consolidação da Constituição de 1988 tiveram um papel destacado? Como o senhor vê a contribuição, por exemplo, do ministro Moreira Alves nesse processo da história?

Carlos Ayres Britto — Foram muitos. Dentre eles, porém, não há como desconhecer a liderança dos ministros Moreira Alves e Sepúlveda Pertence. Dois expoentes de cultura e de talento, cujos nomes já não podem ser pronunciados sem que venha à mente de todos a história inteira desta nossa casa de Justiça.

Conjur — E qual teria sido a contribuição do ministro Sepúlveda Pertence?

Carlos Ayres Britto — Cuida-se de um ministro que me encanta pelo claro e profundo domínio das categorias de todo o Direito Positivo (não só do Direito Penal). É detentor de uma prodigiosa memória e de uma velocidade de raciocínio que nos estonteia a todos, seus eventuais debatedores. Conhece como ninguém a jurisprudência do Tribunal, buscando sempre atualizá-la na direção dos valores sociais que nova ordem constitucional positivou. Enfim, permeia de belas tiradas de espírito as suas precisas intervenções e nos dá a absoluta certeza de ser — como se diz atualmente — uma pessoa do bem. É uma grande honra e um incessante aprendizado conviver com ele.

Conjur — E o Celso de Mello.

Carlos Ayres Britto — Também é superlativo em tudo. Como jurista, como operador do Direito, como ser humano. Seus votos são primorosamente concebidos e ninguém mais do que ele conhece a história das nossas instituições, a trajetória dos nossos pró-homens e a etiologia dos institutos com que trabalhamos. Um homem extremamente culto e do mais refinado trato, para dizer o mínimo.

Conjur — O Marco Aurélio?

Carlos Ayres Britto — É um querido amigo. Um juiz dedicadíssimo e desassombrado tanto no campo das idéias quanto no plano estritamente pessoal. Experiente e versátil, questionador sempre, circula com o mesmo desembaraço pelos domínios do Direito Material e do Direito Processual.

Conjur — Gilmar Mendes?

Carlos Britto — Muito preparado, seguro, experiente. De inteligência fulgurante, tornou-se a maior autoridade em tema de controle de constitucionalidade. Fala e escreve com a desenvoltura de um consumado professor.

Conjur — Carlos Britto?

Carlos Ayres Britto — Ah, um homem que não deserta dos seus ideais. Que faz do Direito, mais do que um meio de vida, uma razão de viver. Uma pessoa que aprendeu a distinguir entre o Estado e a Nação, entre a Nação e a existência. Enfim, sou um apaixonado pela poesia e me sinto profundamento agradecido a Deus pela oportunidade de servir ao meu país a partir desta Suprema Corte de Justiça.

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