Isonomia salarial

Em funções iguais, quem trabalha mais não ganha mais

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4 de abril de 2006, 13h00

Funções iguais e cargas diferentes dão direito a salários iguais

Trabalhador não pode ganhar salário menor se exerce a mesma função dos colegas, mas atende menos clientes. A decisão é da 10ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP). Os juízes condenaram a Unimed Campinas a pagar indenização no valor de R$ 10 mil a uma atendente de telemarketing que ganhava um salário menor por trabalhar no horário noturno. Cabe recurso.

Depois da dispensa, a ex-empregada ajuizou ação na 8ª Vara do Trabalho de Campinas contra a Unimed Campinas Cooperativa de Trabalho Médico, pedindo diferenças salariais. A primeira instância negou o pedido e a atendente recorreu ao TRT. Sustentou que a empresa confessou que seu trabalho era igual ao de sua colega.

O relator do recurso, juiz José Antonio Pancotti, reconheceu que a autora da ação trabalhava menos, pois atendia um número menor de ligações telefônicas por trabalhar à noite, mas exercia a mesma função de sua colega, trabalhava no mesmo local e utilizava os mesmos equipamentos.

“Tratando-se de funcionários que exercem função que requer a mesma aptidão técnica, utilizando-se dos mesmos equipamentos, prestam os mesmos serviços, só pelo fato de o número de chamadas ao telefone à noite ser inferior do que durante o dia, não se pode dizer que não haja trabalho de igual valor e mesma perfeição técnica para afastar a equiparação salarial”, fundamentou Pancotti.

Segundo o juiz, a CLT prevê a equiparação salarial quando ocorre igual produtividade e mesma perfeição técnica. “Não se pode esquecer que a autora permanecia à disposição da empresa e o aumento ou a diminuição do volume de chamadas é devido ao horário de trabalho e não da maior ou menor habilidade funcional da trabalhadora”, concluiu.

Processo 01300-2004-095-15-00-3 RO

Leia a íntegra da decisão

ACÓRDÃO Nº

PROCESSO TRT 15ª REGIÃO Nº 01300-2004-095-15-00-3

RECURSO ORDINÁRIO

8ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS

1º RECORRENTE: AUDREY FRANCHIN PAIOSSIN

2º RECORRENTE: UNIMED CAMPINAS COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

SERVIÇOS DE TELEMARKETING – TRABALHO NOTURNO E DIURNO – – IDENTIDADE DE FUNÇÃO – DIFERENÇA DE NÚMERO DE CHAMADAS – EQUIPARAÇÃO SALARIAL – POSSIBILIDADE. Tratando-se de funcionários que exercem função que requer a mesma aptidão técnica, utilizando-se dos mesmos equipamentos, prestam os mesmos serviços, só o fato de o número de chamadas ao telefone à noite ser inferior do que durante o dia, não se pode dizer que não haja trabalho de igual valor e mesma perfeição técnica para elidir a equiparação salarial. O § 1º do artigo 461 da CLT define trabalho de igual valor contendo dois elementos indissociáveis: igual produtividade e mesma perfeição técnica. Na hipótese, se a produção noturna é inferior à diurna não se deve à inaptidão funcional, nem há falta de presteza diligência do empregado na prestação de serviços, mas tão-somente por divergência de horário. Não se pode esquecer que o reclamante permanecia à disposição da reclamada e o aumento ou a diminuição do volume de chamadas é contingência do horário de trabalho e não da maior ou menor habilidade ou melhor desempenho funcional do reclamante. Recurso ordinário a que se dá provimento.

Inconformados com a r. sentença de fls. 498/504, que julgou a reclamação procedente em parte, a reclamante interpôs Recurso Ordinário (fls. 515/519) e a reclamada, Recurso Adesivo (fls. 523/527).

A reclamante alega exercício da função de telefonista, sustentando ter direito à jornada reduzida de 06 horas (art. 227 da CLT), motivo pelo qual busca o acolhimento do pedido de horas extras. Aduz aplicável a redução da hora noturna, mesmo para o trabalho no sistema de 12 x 60. Assevera exercer a mesma função e ter a mesma produtividade que a paradigma.

A reclamada afirma conceder 01:00 de intervalo intrajornada, pretendendo excluir a condenação ao pagamento de indenização de 45 minutos de indenização, acrescida do adicional de 50%.

Contra-razões pela reclamante às fls. 541/544.

Não houve manifestação do Ministério Público.

É O RELATÓRIO.

V O T O

Conheço do recurso, porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

M É R I T O

DO RECURSO DA RECLAMANTE

I – DAS HORAS EXTRAS

A reclamante alega exercer a função de auxiliar de emissão de senhas e que utilizava aparelho telefônico durante toda a jornada. Pretende, por isso, pagamento de horas extras, além da 6ª hora diária, pela incidência do art. 227 da CLT.

Sem razão.

É fato incontroverso, ante os termos da inicial e defesa que a reclamante tinha jornada de 12 horas de trabalho seguida de sessenta horas de descanso (fls. 03 – item “3” e fls. 24, item “5.1.1”).

O contrato individual de trabalho às fls. 76/78, na cláusula 4, contém acordo escrito de tal regime de compensação de horas. Ainda que não respaldado por acordo coletivo o sistema de doze por sessenta (12X60), ainda que não obedeça a jornada normal de oito horas ou a excepcional de categorias outras, não se afigura nocivo, porque inofensivo à higiene física e mental do trabalhador, na medida que eventual fadiga da prorrogação da jornada é compensada com um razoável período de folga subsequente.

A tese da inicial de que a reclamante exerce função de telefonista ou semelhante sequer merece ser examinada diante do acordo de compensação de jornada. Ainda que se admita que sua função tenha as características do operador de telemarketing ou assemelhado, portanto, beneficiário da jornada especial do art. 227 da CLT, o acordo de compensação de horas com sessenta horas de descanso depois de labor de doze horas inviabiliza a condenação em horas extras.

Destarte, nego provimento ao recurso.

II – DA HORA NOTURNA REDUZIDA

A reclamante alega que reclamada não observou a hora noturna reduzida, motivo pelo qual busca o recebimento de 01:00 hora extra.

Com razão.

O art. 73, § 1º da CLT, quando preconiza hora noturna para o trabalhador urbano de cinqüenta minutos e trinta e dois segundos, não faz nenhuma distinção entre trabalho noturno em turnos de revezamento ou em jornada ampliada para fins de compensação. De sorte que todo trabalho noturno, isto é, entre as 22h00 de um dia e as 05h00 do dia seguinte, em se tratando de trabalhador urbano, confere ao empregado a hora noturna reduzida.

Havendo prestação de serviço sem intervalo entre às 22:00 às 05:00 horas, cronologicamente trabalha-se sete horas mas corresponde a oito horas. Não sendo observada a jornada reduzida, faz jus como horas extras pelo que ultrapassou o limite da jornada noturna reduzida de sete horas.

Assim, dá-se parcial provimento ao recurso ordinário para deferir à reclamante as hora extras por dia efetivamente trabalhado em jornada noturna, com adicional de 50% e reflexos postulados, como se apurar em liquidação.

III – DA EQUIPARAÇÃO SALARIAL

Sustenta a reclamante no recurso ordinário que a reclamada confessou a identidade de função em depoimento pessoal, transcrevendo os termos da declaração do preposto às fls. 518.

Examinando-se tal depoimento às fls. 17, destaca-se exatamente que:

“(…) que tanto no período noturno quanto no diurno há atendimento a clientes, clínicas e autorização de senhas, não havendo diferença entre as atuações. (…)”

Acrescente-se que toda a argumentação da defesa planteia-se na diferença de número de horas mensais trabalhadas e em razão da diferença de turno havia menor número de atendimentos pela reclamante do que a paradigma que trabalhava durante o dia. Em nenhum momento negou a identidade de função entre paradigma e paragonado. Aliás, é incontroverso que paradigma e paragonado trabalhavam no mesmo local e utilizavam os mesmos equipamentos.

Tratando-se de funcionários que exercem função que requer a mesma aptidão técnica, utilizando-se dos mesmos equipamentos, prestam os mesmos serviços, só pelo fato de o número de chamadas ao telefone à noite ser inferior do que durante o dia, não se pode dizer que não haja trabalho de igual valor e mesma perfeição técnica para elidir a equiparação salarial.

Aliás, é bom ressaltar que o § 1º do artigo 461 da CLT define trabalho de igual valor como contendo dois elementos: igual produtividade e mesma perfeição técnica. Na hipótese, se a produção noturna é inferior à diurna não se deveu à inaptidão funcional, nem há falta de presteza do empregado na prestação de serviços, mas tão-somente por conta da divergência de horário. Não se pode esquecer que o reclamante permanecia à disposição da reclamada e o aumento ou a diminuição do volume de chamadas é contingência do horário de trabalho e não da maior ou menor habilidade funcional do reclamante.

Destarte, presentes os requisitos do art. 461 da CLT defere-se as diferenças salariais e reflexos postulados, em razão da isonomia entre a reclamante e paradigma.

RECURSO ADESIVO DA RECLAMADA

A reclamada alega ter provado através dos controles de jornada a concessão de 01:00 hora de intervalo intrajornada, pretendendo a exclusão da condenação ao pagamento de indenização de 45 minutos do intervalo.

Sem razão a reclamada.

A prova oral demonstrou que os intervalos intrajornada efetivamente usufruídos não eram lançados nos controles de ponto.

A testemunha da reclamada foi enfática em afirmar que elas usufruíam apenas de 15/20 minutos de intervalo.

Além disso, a preposta prestou depoimento inseguro (fls. 17) ao afirmar acreditar que a reclamante gozava o intervalo de uma hora, ou seja, não afirmou peremptoriamente que a reclamante efetivamente usufruía o descanso no intervalo, uma vez que “acreditar” não autoriza concluir que efetivamente havia o gozo do descanso.

Nesses termos, entendo ter o Juízo “a quo” valorado corretamente o conjunto probatório ao fixar o intervalo intrajornada em 15 minutos.

Nada a reformar.

Pelo exposto, decide-se conhecer dos recursos e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso interposto pela reclamante, para acrescentar à condenação horas extras e reflexos e diferenças salariais e reflexos, e negar provimento ao recurso interposto pela reclamada, mantendo-se no mais a r. sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos da fundamentação. Rearbitro o valor da condenação para R$10.000,00, nos termos da IN 03/93 do C.TST.

JOSÉ ANTONIO PACOTTI

Juiz Relator

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