O MPF na berlinda

MPF não comenta alto índice de denúncias rejeitadas

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3 de abril de 2006, 22h18

Na última quinta-feira (30/3), em sessão do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes, crítico severo dos abusos do Ministério Público, trouxe a público uma estatística intrigante: de cada dez denúncias levadas ao STF, oito foram consideradas ineptas nos últimos cinco anos.

A Procuradoria-Geral da República e sua Corregedoria, como de hábito, não quiseram comentar o assunto. A Associação Nacional dos Procuradores da República colocou a estatística de Gilmar em dúvida. Só a Conamp — Associação Nacional dos Membros do Ministério Público se dispôs de enfrentar a questão.

O presidente da entidade espantou-se: “Que loucura! É um número inimaginável. É ilógico. Não acredito em um percentual dessa natureza. Se fosse assim, teríamos que fechar o Ministério Público para balanço. A sociedade estaria indefesa”, duvidou o presidente da entidade, José Carlos Cosenzo, em entrevista ao repórter Alexandre Machado.

Ao ser informado dos números que informam ser de 80% o índice de denúncias rejeitadas por inépcia pelo Supremo, Cosenzo externou o desejo de, já na segunda-feira, procurar o ministro Gilmar Mendes, para esclarecer a situação.

Cosenzo afirma que relatórios publicados no âmbito do MP nos estados informam que a rejeição por inépcia não chega a 2%. “Por isso, só pode ter havido um equívoco na metodologia, na forma ou na interpretação. Ocorreu um manifesto equívoco”, apostou o dirigente.

O representante da Conamp faz questão de frisar que, mesmo em caso de dúvidas, o normal é a decisão em favor da sociedade, situação a evitar um percentual de rejeições tão alto. “Por isso temos interesse em ver o levantamento”, disse.

Os dados foram apresentados durante o julgamento de inquérito (Inq 2.054) contra o deputado federal Inocêncio de Oliveira, acusado pelo MP por suposta prática de delitos contra a liberdade e contra a organização do trabalho.

O levantamento de Gilmar Mendes mostra que o Supremo, com regularidade, detecta carência de elementos para se iniciar uma ação penal. Em números absolutos, de 59 denúncias apresentadas nos últimos cinco anos, 40 foram para o arquivo. Dezenove foram acatadas. Não se sabe quantas delas geraram condenações.

A resposta do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, por sua assessoria de imprensa, é que ele não iria se manifestar a respeito dos dados.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolau Dino, não viu nos números motivos para polêmica. “Eu desconheço essa estatística. Não tenho nenhum parâmetro seguro para debater a questão. Mas é preciso ressalvar que a expressão inépcia, no sentido jurídico, significa apenas que não existiam elementos necessários nas denúncias para o início do processo penal”, disse. E comparou a adjetivação dada às iniciais com a qualificação de um juiz como incompetente (ausência de jurisdição), que nada tem a ver para o Direito com o significado cotidiano (sem qualificação). “É um debate que não leva a lugar algum”, afirmou.

Dino lembrou ainda do chamado princípio da obrigatoriedade mitigada, ao qual estão vinculados os integrantes do MP. Por esse princípio, ao identificar elementos suficientes para a denúncia, o integrante ministerial deve denunciar. É mitigado, abrandado, porque a avaliação acaba sendo subjetiva quando se analisa se há a chamada justa causa para a propositura.

Ao ser questionado se os 80% de rejeições nas denúncias, não mostram um descompasso entre o MP e o Judiciário, Dino avaliou que o ideal seria uma base de dados confiável para avaliar o grau de efetividade do MP. “Não existe uma base de dados segura até o momento”, apontou. Isso preocupa. Afinal, se o MP não tem dados a respeito de sua atuação, quem terá?

Faz dois anos que este site insiste com a Procuradoria-Geral da República sobre as estatísticas do órgão. Quando no comando da instituição, Cláudio Fonteles prometeu os dados em duas ocasiões. Deixou o cargo sem cumprir a promessa. Entende-se que, como denúncias, despachos e pareceres têm números de protocolo, é razoável deduzir que simples contas de subtração e soma demonstrem o que se pede.

Nos pedidos de informações, iguais aos que costuma fazer ao Judiciário, a reportagem sempre ressalvou sobre a relatividade de números. Se de cem denúncias ou ações civis públicas, o MP tem sucesso em apenas duas, mas em uma o MPF garante a proteção de milhares de hectares de natureza ou a vida de milhões de brasileiros que dependem de medicamentos ou atendimento hospitalar, a estatística lhes é favorável. Nessa perspectiva, o resultado final é muito mais importante que a resposta fria da estatística processual. Mas a resposta do MPF é o silêncio.

O presidente da Associação dos Juízes Federais, Jorge Maurique, entendeu ser válido o debate a respeito dos resultados do MP no Supremo. “Eu tenho experiência como juiz em vara criminal. As denúncias que recebi sempre foram bem fundamentadas. Mas a competência federal é muito complexa. Pode não ter havido compreensão de fato ou da matéria. Não conheço os processos. Seria preciso ver caso a caso. Mas a discussão é importante”, afirmou.


Para Maurique, diante do número de casos, o Ministério Público deveria analisar as razões das rejeições e posicionar-se a respeito. Considerou ainda a possibilidade de uma diferença de enfoque entre o MP e o Judiciário. A sintonia com o Judiciário seria o caminho. “Gostemos ou não, o STF é quem decide por último”, lembrou.

O advogado criminalista Marcel Versiane comparou a situação dos procuradores e promotores com a do advogado em casos de ações penais privadas — quando a iniciativa é do particular e não do MP.

Nesses casos, afirmou, o advogado está sujeito à fiscalização mais direta do cliente. Se há recusa por inépcia, poderá a responder diante da Ordem dos Advogados do Brasil. “O Ministério Público deveria analisar melhor até para não sobrecarregar mais o Judiciário. Deveriam evitar o quanto possível ações temerárias”, comentou.

Outro criminalista, o advogado Luis Guilherme Vieira, avalia que o problema não está apenas no MP, mas em todo o sistema. Ele manifestou duas preocupações: a dos juízes que recebem denúncias sem requisitos básicos; e dos promotores que denunciam sem ter elementos para sustentar as ações. “Estou assustado com o grau de denúncias ineptas. Isso tem-se tornado uma constante. Em meus processos, está sempre presente a preliminar de inépcia da ação”, revela o advogado, que tem mais de 25 anos de profissão.

Ele lembra também que, nos casos de ações penais privadas, o rigor no juízo de admissibilidade é bem maior quando se trata do particular. E que isso deveria ser repetido nos casos de ações penais públicas. “O juiz não pode estar ali só carimbando”, critica.

Para ele, o resultado prático é que, nas instâncias superiores, as denúncias acabam sendo desqualificadas. O resultado disso seria o descrédito da sociedade em relação ao sistema judicial. Além de se ver pessoas submetidas, de forma desnecessária, ao controle judicial e suas repercussões na opinião pública.

Fato inquestionável é que as sucessivas acusações do Ministério Público aquecem o mercado jurídico e reforçam as receitas da advocacia privada

O criminalista Ricardo Sayeg, que representa o empresário Carlinhos Cachoeira e o doleiro Toninho da Barcelona, defende o Ministério Público. Para ele, a instituição está no seu papel de acusar. “O problema não está em o MP agir dessa forma. Está no Judiciário não agir como tem agido o Supremo”, defendeu. Ou seja,

Sayeg acredita que o “excessivo rigor” do Supremo Tribunal Federal decorra da independência dos ministros e do fato de a corte ser, nas ações originárias, a instância única de julgamento.

O advogado defende o dever de ofício e a liberdade de procuradores e promotores no seu papel institucional. Mas lembra da necessidade de se coibir eventuais excessos nas imputações. “Há ações em que, por uma única conduta, uma pessoa é condenada a mais de uma centena de anos. Não estamos em um Estado de Direito Penal mínimo. Está na Constituição e o STF tem exercido essa vigilância”, afirma.

Este texto foi retirado do ar, depois de publicado no sábado (1/4), para revisão. Republicado agora, seguem-se os comentários feitos no fim de semana

Revista Consultor Jurídico, 3 de abril de 2006.

Comentários:

Schettino (Procurador da República de 1ª. Instância 02/04/2006 – 10:05

Caro senhor Félix Soibelman,

É sempre bom poder debater, com responsabilidade e sem oportunismo, o papel que nós queremos que o Ministério Público tenha na sociedade. Por isso, como cidadão, obviamente interessado no aprimoramento desta instituição defensora da sociedade, sobre sua mensagem, tenho a fazer os seguintes comentários:

1º) Primeiramente, o senhor diz que eu insinuei “que haveria uma grande porcentagem de julgamentos favoráveis aos denunciados” no STF, sem “apresentar nenhum dado estatístico concreto”, e por isso teria feito “mera conjetura”. Ora, caro senhor

Soibelman, eu não cometeria a leviandade de afirmar que o Supremo Tribunal Federal beneficia alguém ou mesmo que ele absolve “mais” ou “menos”. Eu me limitei a fazer uma interrogação, que considero tão pertinente quanto a do número de denúncias recebidas pelo Supremo: quantas pessoas foram condenadas originariamente pelo STF em toda a sua história?

Eu sei que a resposta a esta pergunta não servirá de escusa para algum alto índice de rejeições de denúncias no Supremo, mas, caso se confirme a minha “mera conjetura” de que nunca, ou quase nunca, foi prolatada uma única sentença de condenação no Supremo Tribunal Federal, será possível afirmar que a persecução penal no STF não é vista com bons olhos já desde o oferecimento da denúncia. Também será possível verificar como o foro privilegiado contribui, sim, para a impunidade dos privilegiados com esta prerrogativa no Brasil.


Igualmente, quero ressaltar um paradoxo. Se o Ministério Público Federal deixar de denunciar alguém no Supremo Tribunal, será acusado de “engavetador”, como já o foi. Quando ele resolve agir, transferindo a responsabilidade da persecução momentaneamente aos Ministros do STF, vê suas denúncias acusadas de ineptas. Deveras, está o MPF entre a cruz e a espada.

2º) Eu não conheço os dados da pesquisa levada a cabo pelo Ministro Gilmar Mendes, mas pelo que pude entender do que o próprio Ministro afirmou na sessão, o índice de cerca de 80% é exclusivo no Supremo. O que, na minha opinião, gera certa perplexidade.

Veja, por exemplo, que recentemente o Supremo, na via não originária, anulou processo, por inépcia da denúncia, de algumas autoridades que tinham foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça. A denúncia havia sido recebida pelo órgão especial do STJ (composto por 21 Ministros). Mesmo assim a inépcia foi declarada por uma das turmas do STF.

Não estou dizendo aqui que tal denúncia era ou não inepta, mas digo, sim, que, se nós formos criticar o Ministério Público pelo seu oferecimento, deveremos incluir também na lista a maioria, pelo menos, dos integrantes do órgão especial do “segundo mais importante” Tribunal do país, pelo seu recebimento.

3º) Caro senhor Soibelman, eu não vou descer à casuística, até para não cometer nenhuma leviandade. Por isso, deixo para o senhor, como relaxamento, a “diversão” de comentar casos folclóricos.

Faço, porém, a seguinte ressalva. Casos folclóricos existem em todas as profissões, e não apenas nas jurídicas. Portanto, quem efetivamente estiver interessado no aprimoramento, e não apenas no irresponsável achincalhamento, de alguma instituição, não deve se fixar em casos folclóricos.

4º) Caro senhor, passadas estas questões, o que tenho a dizer é que, de fato, muitas denúncias do Ministério Público não primam pela boa técnica. Concordo que devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para fazer com que peças processuais atécnicas sejam escoimadas. Porém, repito, é preciso que todos os interessados na melhor técnica de denúncia dialoguem sem a mesma “pirotecnia” de que somos nós, membros do Ministério Público, acusados de fazer quando denunciamos alguém.

Digo isso porque, lendo alguns outros comentários neste espaço, vi que alguns comentadores, aproveitando-se da questão específica aqui tratada, fazem acusações de toda ordem ao Ministério Público, com ou sem a consciência explícita de sua confusão mental. O senhor mesmo, que soube manter a conversa no nível do diálogo aberto, abordou o caso do “Sr. Eduardo Jorge”, como se a concepção estritamente técnica de inépcia tivesse algo a ver com o caso desse senhor (caso que, quero registrar, conheço apenas pela leitura de jornais).

Eu aceito debater com o senhor e com qualquer outro cidadão que esteja interessado no aprimoramento do Ministério Público. Não por interesses corporativos. Mas para que, com a melhoria na sua técnica, o Ministério Público possa defender com mais eficiência a democracia e buscar o resgate da cidadania.

Por fim, caro Soibelman, como já devo ter tomado demasiadamente seu tempo – e de algum eventual outro leitor -, nesta manhã de domingo, e como eu tenho muito trabalho a fazer, finalizo aqui nossa discussão. Agradeço sua atenção, e espero que possa ter contribuído com transparência para o seu entendimento das questões aqui tratadas.

Atenciosamente,

José Schettino.

Caos (Consultor 02/04/2006 – 09:13

que coisa! Argumentar que em contagem própria o MP está sendo perfeito, e em seguida culpar a metodologia raia o insano.

O que deve é ser a medida feita por órgão autônomo e não algum interessado em denegrir o MP para vender mais jornais por exemplo, ou usar de argumento que eu estou certo porque estou certo.

Ofende o leitor.

Um segundo ponto desta noticia é que o MP procura crimes e assim vê o mundo por uma ótica de Hobbes : “O homem é mau por ser de sua natureza ou porque a sociedade o corrompeu, mas é mau”

Não sei se é função do MP outra coisa que promover a paz social. Se não for, aí está o erro, é um erro de missão.

Qualquer outra missão, que não seja a paz social, torna o MP inútil.

Um exemplo desta situação de inutilidade é a situação de telecomunicações, bancos e planos de saúde ou planos de previdência.

Não é certo acordos não serem cumpridos e não é certo que contratos valem mais que as pessoas, mas também não é certo que nem a palavra dita ou escrita tenham nenhum valor.

não é questão do que está errado, mas sim do que seria certo. E isso é função do juiz de arbitrar o que é certo.

Sandro Faria (Auditor Fiscal 02/04/2006 – 04:06

Contra fatos não há argumentos.


1 – Que os promotores e procuradores fazem shows pirotécnicos, convocando coletivas de imprensa ao invés de dar prioridade a técnica e coleta de provas, isso é fato. Ou seja, o MP ao agir, chama um repórter, não existe mais a figura do assistente da promotoria, pois este foi substituído pelo jornalista plantonista.

2 – Que temos mais de cinco mil municípios, e milhares de prefeitos e vereadores roubando, entretanto, não vemos nem meia dúzia de ações por parte do MP, e isso leva a que conclusão? Ora, se o MP só age com cobertura de imprensa, e nas cidades pequenas, onde muito se rouba a assalta os cofres públicos, ninguém vê ação do MP, isso leva a que conclusão?

3 – Todos sabem o custo do processo, estimativas otimistas apontam pra algo superior a R$ 1.500,00 por ação. O que leva um promotor a recorrer ao STJ para a manutenção da prisão de alguém acusado de furtar um objeto de R$ 1,67 a favor de uma grande rede de supermercado? Eu acho q o site, ao fazer a reportagem, deveria ter entrevistado o promotor, gostaria muito de saber as razões dele, façam logo uma entrevista coletiva com esse digno membro do parquet, afinal, eles adoram um holofote.

Sérgio Niemeyer (Advogado Autônomo 01/04/2006 – 23:13

Tem alguma coisa errada no reino da Dinamarca. Esse levantamento feito pelo Ministro Gilmar Mendes revela algo de assustador: se o MPF, em seus mais altos escalões, aquele que atua perante a nossa Suprema Corte, incorre em tantos erros, o que pensar das denúncias oferecidas por seus membros nas primeiras instâncias de todo o País? Diante disso, não estranha que haja uma profusão de erros e equívocos de todo gênero nas instâncias inferiores, e logo na seara criminal, em que o direito ameaçado é o da liberdade do indivíduo, o mais importante dos direitos que alguém pode titularizar depois do direito à vida. Isso, no entanto, não explica, por exemplo, por que no TRF-3, em São Paulo, um pedido de liminar em HC só é apreciado semanas ou meses depois de impetrado, quando já não existe mais a matriz fática que ensejou o pedido, tornando totalmente ociosa a medida, isto é, aniquilando a garantia constitucional veiculada no Habeas Corpus. Tal é a recorrência com que isto acontece que se pode até suspeitar que fazem propositadamente, para que os fatos se alterem e desapareçam os fundamentos do remédio heróico, erodindo com essa atitude, da forma mais perversa e imoral, os direitos fundamentais do réu. A luta dos advogados tem sido quase insana, silenciosa, contra esse monstro chamado “justiça”, que deve ser escrito assim mesmo, com “j” minúsculo, e pronunciado em voz baixa, porque há muito perdera o pejo de outrora e já não se manifesta consoante as regras de direito postas. Aliás, em São Paulo, a impressão que se tem é de que os magistrados andam abraçados com os membros do MPF, e se isso for verdadeiro, a peleja passa a ser covarde, já que os réus terão de contender não apenas contra o MPF, mas também contra o magistrado. Pior, a terrificante idéia de que tal seja possível, implica reconhecer a absoluta ausência de imparcialidade, o prejulgamento. Tem-se condenado pessoas na Justiça Federal e Estadual de São Paulo pela simples acusação de terem cogitado praticar um crime, sem nenhuma prova material do fato delitivo, sem o corpo de delito. Já vi até condenação em primeira instância, referendada pela segunda, baseada exclusivamente no depoimento de uma só testemunha, menor impúbere, cujos olhos são, como se sabe, uma janela por onde vê um mundo de fantasias. O depoimento dessa única testemunha impregnava-se ainda de contradições visíveis por qualquer um “primo ictu oculi. Mas como o fato criminoso consistia no óbito de outra pessoa, também menor, vítima de acidente de trânsito, o motorista foi implacavelmente condenado a 3 anos e 4 meses. Suas chances, bem, fosse a justiça séria, a absolvição impor-se-ia pelo primado da inocência; na brasileira, zero, nenhuma chance terá alguém em um caso similar. Assim anda a justiça. Tem-se determinado a prisão preventiva, que os tribunais, inclusive os superiores (o STJ e o STF), mantêm, a partir de conversas monitoradas por meio de interceptação telefônica, como se isso fosse suficiente para atestar a certeza da materialidade exigida pelo ordenamento jurídico como pressuposto para a prisão cautelar por prazo indeterminado. Mais que isso, pessoas têm sido condenadas com base apenas em suas conversas interceptadas, sem nenhuma outra prova da realização concreta do delito… É o fim do direito, expressão de uma justiça podre. Podemos rasgar tudo que se escreveu até hoje, tudo que se aprendeu, e ficar apenas com esse teratológico aforismo “in dubio pro societate”, tão declamado pelo MPF em suas intervenções, sem nenhum precedente ou antecedente histórico, de criação anônima e apócrifa, saído da mente de algum espírito tirânico desesperado para infirmar a democracia rompendo um de seus alicerces mais robustos: o “in dubio pro reo”. Se o eminente Ministro Gilmar Mendes reconhece tantos erros nas ações propostas pelo MPF, então, deveria exortar seus pares a reverem o entendimento segundo o qual o HC constitui uma via angusta, na qual não se examina o conjunto fático probatório. A garantia constitucional não contém restrições no local onde está outorgada, a Carta Magna. Portanto, deve-se-lhe render largas ensanchas pois o que é inconcebível numa democracia genuína é submeter alguém à via-crúcis do processo penal, mantido sob custódia cautelar, quando as provas são ilícitas ou os fatos foram mal interpretados pelos magistrados de inferior instância. Adite-se, toda prisão funda-se em elementos de fato. Por isso, é simplesmente impossível examinar a justeza do decreto prisional, sua legalidade, sem adentrar o exame profundo das provas referentes aos fatos nos quais se baseia. Às vezes isso arrosta a opinião da mídia, que amiúde reclama para si o predicado de arauto da opinião pública, embora esteja mais para manipuladora da opinião pública. O Brasil precisa mudar, sim, e deve começar pelo direito, sua aplicação, para que a justiça seja realizada conforme o direito e este seja concebido de acordo com as aspirações de uma verdadeira democracia.


(a) Sérgio Niemeyer

Félix Soibelman – www.elfez.com.br – Enc. Soibelman (Advogado Autônomo 01/04/2006 – 21:07

PREZADO PROCURADOR JOSÉ SCHETTINO

Sr. José Schettino, sobre os 20 % de denúncias recebidas pelo STF o Sr. apenas insinua que haveria uma grande porcentagem de julgamentos favoráveis aos denunciados, sem nos apresentar nenhum dado estatístico concreto. Deste modo, a sua objeção, por enquanto, ganha o caráter de mera conjetura, constituindo algo tão inepto, como argumento, como parecem ser, pela matéria, as denúncias do MP.

Seria até interessante a pesquisa que o Sr. alenta, mas muito melhor que o seu foco, é investigar quantas, entre as denúncias fracassadas, são aquelas rejeitadas por absoluta falta de subsunção da conduta no tipo ou a carência absoluta de provas que embasem qualquer ação penal. Isto é técnico, não é político, e por isso seu valor seria incontestável.

Neste diapasão, seria muito bom que o Sr. explicasse os desconcertantes casos, como o do Sr. Eduardo Jorge, por exemplo, ou de alguns juízes acusados na operação Anaconda, onde denúncias forma oferecidas sem que houvesse subsídio.

De quebra, apenas para relaxar e como diversão, seria bom também falar de alguns casos folclóricos como: a) HC impetrado pelo MP para um chimpanzé; b) o MP recorrendo contra a decisão que indeferiu a denúncia por furto de algo no valor de R$ 1,67; c) a mulher que estava presa por roubo de um pote de manteiga.

Sr. procurador, buscar os modos de defender a classe é natural e compreensível. Nós, advogados, reconheço, adoramos mesmo criticar promotores e juízes, e o Sr. não estará errado se entrever em alguns casos uma pontinha de ressentimento, inveja, etc., mas isso não é a regra….Não obstante, “muito mais elevado é baixar a cabeça” e reconhecer a procedência das críticas, que já são quase uma unanimidade em relação ao MP. Os advogados vivem sendo atacados e sabemos mesmo que há advogados que fazem coisas nada católicas; eu não saio por aí buscando os “buracos” das denúncias de condutas indefensáveis só porque são advogados. Parece, pelos comentários e matérias que vejo na Conjur, que juízes, delegados de polícia e promotores de justiça têm essa propensão cega de defender a sua classe como possam, o que acaba sendo um atestado de incoerência.

O Sr. deveria, no fundo, é ajudar a repensar o MP e ver se mesmo depois de um concurso tão difícil seus pares sabem ou não redigir suas peças, se entendem mesmo do que fazem, se não há uma intolerável promiscuidade com a mídia, etc. Um bom curso de reciclagem para os procuradores, tomando como início as “Lições preliminares de Direito” do Reale, e inclusive com aula de redação, também seria de bom alvitre. Podiam pegar inclusive esses procuradores com maior número de denúncias rejeitadas e dar “cartão amarelo”, fazê-los ficar depois do expediente cursando matérias, fazendo provinhas, e sair dali somente com média 8,0.. Afinal, estudar mais um pouquinho para se aperfeiçoar é sempre bom, o Sr. não acha?

Félix Soibelman

um cidadão

Schettino (Procurador da República de 1ª. Instância 01/04/2006 – 19:57

Caros integrantes do CONJUR,

Primeiramente, como procurador da República, gostaria de parabenizá-los pela necessária demonstração de preocupação com o recebimento, ou não, das denúncias pelo STF. Nenhum órgão público, justamente por sê-lo, é imune a críticas, seja o Ministério Público (e seus membros), seja o próprio Supremo Tribunal Federal (e seus Ministros). Portanto, para contribuir ao importante debate, e evitar que conclusões simplistas se imponham como verdade evidente, gostaria de ressaltar alguns pontos, mesmo sem conhecer os dados da pesquisa levada a cabo pelo Ministro Gilmar Mendes. Primeiramente, é bom ressaltar que o alto índice de rejeições de denúncias perante o STF só vem a reforçar a crítica que se faz ao foro por prerrogativa de função, já que, a exigir deliberação colegiada para o recebimento ou não da denúncia, não raro este momento processual inicial, que deveria ser analisado “in dubio pro societate”, segundo o entendimento praticamente pacífico da doutrina e a jurisprudência do próprio STF, acaba por antecipar o juízo de mérito, condenando-se ou não (moralmente apenas), com o recebimento da denúncia ou não, da conduta imputada ao “agraciado” com a prerrogativa de foro. Tanto é assim que eu deixo aqui registrada a pergunta, que faço aos Ministros do Supremo que pretendam sem exacerbada paixão contra ou a favor do Ministério Público se proponham a investigar seriamente os casos analisados pelo Tribunal: se o Supremo rejeitou 80% das denúncias do MPF nos últimos anos, o que ele fez ou tem feito com os processos instaurados em razão do percentual de 20% de denúncias recebidas? Dito de outra forma, mais abrangentemente, quantas condenações proferiu o STF em toda a sua história? Não que o Supremo seria um tribunal melhor ou pior acaso tivesse alguma vez na sua existência condenado algum privilegiado por foro especial, mas a resposta a esta indagação talvez possa auxiliar na compreensão da sistemática refratária à persecução penal que há perante nosso mais alto Tribunal.


Bem, há diversos outros pontos que eu poderia suscitar para tentar melhorar o debate, e, com isso, evitar que algumas conclusões nem sempre imbuídas de espírito científico sejam extraídas da pesquisa levada a termo pelo Ministro Gilmar Mendes, mas limito-me, por ora, ao que acima expus, com a expectativa de que, debatendo-se com responsabilidade, e sem oportunismo, o papel do Ministério Público, possamos aperfeiçoar esta importante instituição de defesa da democracia e da cidadania.

Atenciosamente,

José Schettino.

Procurador da República no Estado do Rio de Janeiro.

Armando do Prado (Outros 01/04/2006 – 18:28

A questão é simples: o cachimbo faz a boca torta. Na época da ditadura os promotores serviam alegremente à ditadura militar denunciando estudantes e operários que ousavam enfrentar os verdes olivas. Fui vítima dessa gente, portanto, não falo de ouvir. Hoje, continuam com a mania denuncista, agravado por incompetência, no sentido lato. Passar em concurso público, após cursinhos caríssimos é fácil, difícil é ser coerente com a vida real e suas necessidades. Tenho certeza, se o MP for extinto não fará falta, até porque o Judiciário na figura dos magistrados, suprirão a lacuna com muito mais competência e eficácia.

MUDABRASIL (Outros 01/04/2006 – 18:18

Desde a nomeação de GILMAR MENDES que ele se arvorou em mais que um “severo crítico” do MPF.Não precisa de estatística para mostrar que vota sempre contra as teses do MPF.Primeiramente, é preciso verificar se esta “estatística” dos 80% é verdadeira.

Se for, é necessário esclarecer porque as ações penais dos MP estaduais têm cerca de 2% de rejeição e as ações no STF conseguem tanta rejeição. Será que os promotores são mais técnicos e capazes que os procuradores?

Creio que não.Não podemos esquecer que no STF chegam os GRANDES casos, as ações contra os deputados (vide a absurda decisão no caso do deputado Inocêncio de Oliveira). Será a inépcia dos procuradores ou a grandeza dos interesses em jogo? MUDA BRASIL.

marina (Outros 01/04/2006 – 17:39

Parabéns ao Conjur por tocar numa ferida que grandes órgãos de imprensa não o fazem. A automordaça do MP, quando o assunto é constrangedor vale. O caso a seguir citado é exemplar. O MP se apressou em denunciar um juiz federal paulista, porque exigia dos policiais rodoviários todas as gravações de conversas telefônicas de um processo de adulteração de combustíveis. Esses policiais cumpriam ordens de um procurador de Brasília. Havia provas de interceptações ilegais. Resultado: o juiz foi denunciado e escrachado na mídia. O STF trancou a ação, tendo o min. Veloso tachado a denúncia de inepta e cruel. Quanto aos policiais rodoviários, tiveram o inquérito interrompido por HC impetrado pelo próprio MP. Dá para entender?

Crítico (Outros 01/04/2006 – 16:48

Isto já era sabido, porém não divulgado. Essa arbitrariedade é resultado não da falta de inteligência do MP para passar em concursos, o qual teve que se dedicar muito aos estudos para adquirir uma vaguinha de funcionário publico (servidor), mas sim da falta de experiência profissional, pois na maioria das vezes aqueles que são pagos para representar a sociedade contra a corrupção, são uns riquinhos filhos de papai que desconhecem as dificuldades da vida e do sistema, ou seja, já nasceram no útero do poder. Com isso o que temos é essa avalanche vingativa, vil e barata de denúncias ineptas, que o próprio Sr. Ministro Gilmar Mendes constatou.

O Brasil precisa ser repensado. Por que o MP permite que os entes financeiros e os agentes econômicos (donos do poder) continuem assolando a sociedade?. Se não bastasse isso, pessoas são presas por roubarem um pão para saciar a fome enquanto outros conquistam a liberdade, mesmo presos em flagrante com dólares na cueca, dinheiro até hoje não explicado na sua origem. Assim o Brasil continua cantando a cantiga da Perua: de pió a pió. Sendo assim, acusar sem provas com respaldo no PODER da carteirinha não é nada ético e, sim, um pensamento miúdo de um ser vivo que se diz racional. E o pior que o salário deles quem paga são cidadãos como eu!

Luiz Alexandre Cavalca Ramachiotti (Administrativa 01/04/2006 – 15:56

Agora entendo porque a Lei da Mordaça foi tão repudiada pelo Ministério Público.

Félix Soibelman – www.elfez.com.br – Enc. Soibelman (Advogado Autônomo 01/04/2006 – 15:19

Ante de comentar a matéria em si, digamos que dessa vez a Conjur fez uma matéria decente, ou até, para nossa surpresa, excelente, mas chama atenção, de todos os modos, a procedência, ou seja, Gilmar Mendes, que é unha e carne com a Conjur desde os tempos de sua indicação, quando esta revista fez boa campanha exaustiva para o mesmo com direito a matéria biográfica assinada por Márcio Chaer. Por que não colocam logo uma coluna na revista para Gilmar? Seria até boa coisa, dada a inegável erudição e singular inteligência do Ministro.


No restante, basta lembrar o caso Eduardo Jorge, alguns juízes da Anaconda, prisão o diretor do Ibama, etc., e veremos que a irmanação com a mídia é uma busca constante do MP. Assim, por vezes as luzes do estrelismo ofuscam a visão de suas verdadeiras obrigações, pelo que terminam com essas denúncias absolutamente ineptas. Frise-se que a inépcia não deve-se, como tentam desculpar alguns, a meras questões processuais, etc.; são ineptas, na maior parte das vezes, por falta de elementos na conduta que consubstanciem o tipo penal, ou seja, “‘forçação’ de barra” do MP para oferecer denúncia a qualquer custo. Isto mostra o quão deficiente está este órgão, confundindo obrigatoriedade da ação penal com “obrigatoriedade denunciante”.

Exemplo tragicômico foi a notícia, aqui na Conjur, há uma semana atrás, de alguém que fora acusado pelo furto de algo de R$ 1,67 e que o MP ainda recorrera quando o juiz indeferiu a denúncia com base no princípio da bagatela; pior ainda foi quando o MP ofereceu a denúncia com base em porte ilegal de arma contra alguém que falhou ao tentar suicidar-se com um tiro…

Os exemplos no parágrafo acima demonstram que o MP alijou a sua humanidade do cargo, tornando-se, com alguns juízes, uma máquina silogística sem nenhuma visão de vida, por vezes embriagada pelo Poder e imbuído de um desejo de “vingança estatal” que por vezes beira o ressentimento, mormente quando trata-se de gente famosa que está em sua mira.

No mais, o comentarista Olho Vivo acerta, como sempre, pois se a primeira instância tivesse a mesma lucidez e não se dobrasse à mídia, o MP ficaria muito mais inclinado a remendar-se. O problema é que, assim como os desembargadores têm um caso de amor com as sentenças monocráticas fazendo de tudo para não reformá-las, os juízes singulares têm um respeito tão grande pelo MP que acabam por receber as denúncias mais bizarras.

Félix Soibelman – www.elfez.com.br – Enc. Soibelman (Advogado Autônomo 01/04/2006 – 15:15

Ante de comentar a matéria em si, digamos que dessa vez a Conjur fez uma matéria decente, ou até, para nossa surpresa, excelente, mas chama atenção, de todos os modos, a procedência, ou seja, Gilmar Mendes, que é unha e carne com a Conjur desde os tempos de sua indicação, quando esta revista fez boa campanha exaustiva para o mesmo com direito a matéria biográfica assinada por Márcio Chaer. Por que não colocam logo uma coluna na revista para Gilmar? Seria até boa coisa, dada a inegável erudição e singular inteligência do Ministro.

No restante, basta lembrar o caso Eduardo Jorge, alguns juízes da Anaconda, prisão o diretor do Ibama, etc., e veremos que a irmanação com a mídia é uma busca constante do MP. Assim, por vezes as luzes do estrelismo ofuscam a visão de suas verdadeiras obrigações, pelo que terminam com essas denúncias absolutamente ineptas, as quais, frise-e, não são assim tentam desculpar alguns, por meras questões processuais, etc.; são sempre mesmo por falta de elementos na conduta que consubstanciem o tipo penal, ou seja, “‘forçação’ de barra” do MP para oferecer denúncia a qualquer custo, o que mostra o quão deficiente está este órgão, confundindo obrigatoriedade da ação penal com “obrigatoriedade denunciante”.

Exemplo tragicômico foi a notícia, aqui na Conjur, há uma semana atrás, de alguém que fora acusado pelo furto de algo de R$ 1,67 e que o MP ainda recorreu quando o juiz indeferiu a denúncia com base no princípio da bagatela, ou então quando o MP ofereceu a denúncia com base em porte ilegal de arma contra alguém que falhou ao tentar suicidar-se com um tiro…

Os exemplos no parágrafo acima demonstram que o MP alijou a sua humanidade do cargo, tornando-se, com alguns juízes, uma máquina silogística sem nenhuma visão de vida, por vezes embriagada pelo Poder e imbuído de um desejo de “vingança estatal” que por vezes beira o ressentimento, mormente quando trata-se de gente famosa que está em sua mira.

No mais, o comentarista Olho Vivo acerta, como sempre, pois se a primeira instância tivesse a mesma lucidez e não se dobrasse à mídia, o MP ficaria muito mais inclinado a remendar-se. O probelma é que, assim como os desembargadores têm um caso de amor com as sentenças monocráticas fazendo de tudo para não reformá-las, os juízes singulares têm um respeito tão grande pelo MP que acabam por receber as denúncias mais bizarras.

olhovivo (Outros 01/04/2006 – 14:09

Se os juízes e tribunais de instâncias inferiores não se curvassem ao espetáculo da mídia, que vez ou outra vem junto com as denúncias ineptas, e as rejeitassem de plano, por certo contribuiriam muito para o aperfeiçoamento do MP, pois este passaria a ser mais técnico e menos pirotécnico, na medida em que saberia não poder contar com um Judiciário receptivo a acusações temerárias e mal feitas. A culpa, portanto, é sim do Juidiciário. Basta citar o exemplo do juiz que não rejeitou de plano um habeas corpus impetrado pelo MP em favor de um chimpanzé, assim como outro caso em que a denúncia foi considerada bizarra. Por comodismo, o Judiciário contribui, e muito, para o comodismo e não aperfeiçoamento das instituições.

Ricardo Cubas (Advogado Autônomo 01/04/2006 – 13:25

Pode ser que o problema não esteja nas denúncias, ditas ineptas… mas de quem as julga como “ineptas”. Só uma análise, caso a caso, poderia dirimir esse paradoxo !

Armando do Prado (Outros 01/04/2006 – 12:12

digo espernearão.

Armando do Prado (Outros 01/04/2006 – 12:10

Pois é. O Presidente Consenzo disse que se for verdade, talvez teria que “fechar o MP”. O risco é que talvez ninguém sentisse falta. Está na hora de se avaliar o papel do MP e da ação de boa parte dos procuradores e promotores. É comum serem conhecidos pela arrogância e despreparo, aparecendo a arrogância como forma de encobrir o despreparo. Não me surpreende os números apresentados por Gilmar Mendes. Claro, espernearam e dirão que a culpa é do judiciário, do povo, do…

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