Distribuição de culpas

Hospital não é culpado se o médico não tem culpa

Autor

27 de setembro de 2005, 17h08

Mesmo depois da vigência do Código de Defesa do Consumidor, o hospital não responde objetivamente nos casos de indenização por danos produzidos por médico. Em princípio, o dever de indenizar do hospital só acontece quando provada a culpa ou o dolo do médico que eventualmente causou o dano. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com base em voto do ministro Fernando Gonçalves, acolheu recurso do Hospital e Maternidade Jundiaí, da mesma cidade do interior de São Paulo, para rejeitar ação movida por Clóvis Reis Bastos e sua mulher.

O casal entrou na Justiça com ação de indenização contra o hospital e contra os médicos Luís Roberto de Oliveira e Rubens Cruz Neves, alegando que sua filha menor, Juliana Fernanda da Silveira Bastos, morreu no local por negligência dos médicos, ambos credenciados do plano de saúde do pai.

Segundo o relator do processo, ministro Fernando Gonçalves, obrigação de resultado, no ramo da atividade médica, só acontece com relação às cirurgias estéticas e não reparadoras, o que não ocorreu na hipótese dos autos. No caso específico dos hospitais, a responsabilidade será objetiva somente no que se referir diretamente aos serviços prestados pelo estabelecimento, ou seja, aqueles que digam respeito à internação, às instalações físicas, aos equipamentos, aos serviços auxiliares, como enfermagem, exames, radiologia etc., e não aos serviços profissionais dos médicos que ali atuam ou que prestem serviços ao estabelecimento.

Para os médicos, a responsabilidade será sempre subjetiva, isto é, dependerá da comprovação da culpa no procedimento ou na prestação dos serviços. A decisão da Quarta Turma foi unânime, tendo os ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Jorge Scartezzini acompanhado o voto do ministro Fernando Gonçalves em sua conclusão.

Caso concreto

O pedido do casal foi julgado procedente na primeira instância, tendo o juiz condenado os médicos, solidariamente com o hospital, ao pagamento de pensão mensal equivalente a um salário mínimo de dezembro de 1995, data de morte da criança, a junho de 2020, ou até a morte dos pais da criança. Foram condenados também a pagar R$ 12 mil de indenização por dano moral, pela morte da menor.

A 3ª Câmara de Férias de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acolheu parcialmente a apelação dos médicos e do hospital, para excluir da condenação o pagamento da pensão mensal arbitrada por danos materiais, mantendo, no entanto, os R$ 12 mil relativos ao dano moral. Para os desembargadores do TJ paulista, em face da prova colhida nos autos, ficou impossível definir a alegada culpa dos médicos que atenderam a criança, devendo, porém, responder o hospital em face da aplicação ao caso do benefício da dúvida em favor do consumidor, previsto no artigo 47 do CDC.

Daí o Recurso Especial do hospital para o STJ, onde alega que houve contradição na decisão do tribunal estadual, pois, apesar de afastar, de modo claro e expresso, a culpa dos médicos, impôs ao estabelecimento de saúde a condenação por dano moral. Argumenta que, nessa hipótese, não seria cabível sua responsabilização de modo objetivo, pois que não verificada qualquer culpa na atuação de seus prepostos nem qualquer erro nos procedimentos por eles adotados.

Leia a íntegra do acórdão

RECURSO ESPECIAL Nº 258.389 – SP (2000/0044523-1)

RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

RECORRENTE: HOSPITAL MATERNIDADE JUNDAI S/A

ADVOGADO: TARCÍSIO GERMANO DE LEMOS FILHO

RECORRIDO: CLÓVIS REIS DE BASTOS E CÔNJUGE

ADVOGADO: VLADIMIR MANZATO DOS SANTOS E OUTROS

EMENTA

CIVIL. INDENIZAÇÃO. MORTE. CULPA. MÉDICOS. AFASTAMENTO. CONDENAÇÃO. HOSPITAL. RESPONSABILIDADE. OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE.

1 – A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes. Nesse sentido são as normas dos arts. 159, 1521, III, e 1545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos arts. 186 e 951 do novo Código Civil, bem com a súmula 341 – STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.).

2 – Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente.

3 – O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc e não aos serviços técnicos profissionais dosmédicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa).


4 – Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Divergiram apenas pela fundamentação os Ministros Jorge Scartezzini e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente o Ministro Fernando Gonçalves.

Brasília, 16 de junho de 2005 (data de julgamento).

MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator

Documento: 540244 – Inteiro Teor do Acórdão – Site Certificado- DJ: 22/08/2005 Página 1 de 15

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0044523-1 REsp 258389 / SP

Números Origem: 862734 9996

PAUTA: 12/04/2005 JULGADO: 12/04/2005

Relator

Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária

Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: HOSPITAL MATERNIDADE JUNDAI S/A

ADVOGADO: TARCÍSIO GERMANO DE LEMOS FILHO

RECORRIDO: CLÓVIS REIS DE BASTOS E CÔNJUGE

ADVOGADO: VLADIMIR MANZATO DOS SANTOS E OUTROS

ASSUNTO: Civil – Responsabilidade Civil – Indenização – Ato Ilícito

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Após o voto do Sr. Ministro Relator, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, no que foi acompanhado pelo voto do Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, pediu vista dos autos o Sr. Ministro Jorge Scartezzini. Aguardam os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.

Brasília, 12 de abril de 2005

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

Secretária

Documento: 540244 – Inteiro Teor do Acórdão – Site Certificado- DJ: 22/08/2005 Página 2 de 15

RECURSO ESPECIAL Nº 258.389 – SP (2000/0044523-1)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:

CLÓVIS REIS DE BASTOS e sua mulher ajuizaram ação de indenização contra o HOSPITAL E MATERNIDADE JUNDIAÍ S/A, LUIS ROBERTO DE OLIVEIRA e RUBENS CRUZ NEVES visando o recebimento de uma indenização em virtude do falecimento da menor Juliana Fernanda da Silveira Bastos, filha do casal, ocorrido nas dependências daquele nosocômio e ocasionado por conduta negligente dos dois últimos, médicos credenciados do plano de saúde mantido e administrado pelo primeiro.

O pedido foi julgado procedente, com a condenação dos réus solidariamente ao pagamento de pensão mensal equivalente a 01 (um) salário mínimo, de 01 de dezembro de 1995 a 01 de junho de 2020, ou até a morte dos autores, caso ocorra antes, reconhecido o direito de acrescer. Foram condenados ainda a pagar o valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais), a título de dano moral, em razão da morte da filha (fls. 371/404).

Às apelações interpostas, pela Terceira Câmara de Férias de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator o Des. ALFREDO MIGLIORE – foi dado parcial provimento para excluir o pensionamento (condenação por danos materiais), com manutenção, entretanto, da verba relativa ao dano moral, entendendo – ainda – aquela Corte não demonstrada a culpa dos médicos, respondendo o estabelecimento hospitalar de forma objetiva.

Esta a ementa do acórdão:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Atendimentos hospitalares prestados por médicos ligados ao Hospital-réu – Impossibilidade de definição de culpa, pela prova dos autos de qualquer dos réus médicos – Relevância, contudo, dos indícios que fazem presumir, face o benefício da dúvida (art. 47 do Documento: 540244 – Inteiro Teor do Acórdão – Site Certificado- DJ: 22/08/2005 Página 3 de 15 C.D.C.), de que alguma falha existiu, ou por médicos, ou por serviços vinculados ao Hospital – Ação indenizatória improcedente contra os médicos e parcialmente procedente contra o Hospital em que a menor que faleceu foi atendida – Descabimento da verba de danos materiais, de vez que filha menor não é devedora alimentar dos pais – Exegese do art. 1.537, II, do C.Ci. – Recursos providos em parte.” (fls. 460)

Os embargos de declaração opostos pelo Hospital e Maternidade Jundiaí S/A foram rejeitados por guardar o recurso, segundo o acórdão (fls. 478/480), caráter infringente. No especial, o Hospital, com fundamento nas letras “a” e “c” do permissivo constitucional, assinala maltrato aos art. 159, 1521, III, e 1523, todos do Código Civil de 1916 e ao art. 14 da Lei 8.078/90 (CDC), bem como dissenso jurisprudencial com julgados de outros tribunais e com a súmula 341 do Supremo Tribunal Federal.


Sustenta o recorrente não ser cabível a sua responsabilização de modo objetivo, porquanto a relação que se instaura na espécie é de cunho subjetivo, ou seja, dependente da verificação de culpa que, no seu caso, na qualidade de preponente, aceita-se seja presumida, desde que caracterizada a dos prepostos. Aduz que o Tribunal de origem, ao assim decidir, incide em verdadeira contradição, pois, apesar de afastar, de modo claro e expresso, a culpa dos médicos, impõe-lhe ao mesmo tempo, de modo ilógico, a condenação.

Conclui então que, ausente a culpa dos prepostos, afastado está, em conseqüência, o próprio nexo causal, sendo descabida a condenação.

Sem contra-razões, o recurso teve admitido o seu processamento (fls. 519-522), ascendendo os autos a esta Corte. É o relatório.

O ven. acórdão, ao excluir a responsabilidade dos médicos Luis Roberto de Oliveira e Rubens Cruz Neves, pondera não ter havido, pelo menos quanto a este, erro de diagnóstico ou falta de adequação em sua conduta.

Ressalta – ainda – não ter esta situação sido afirmada pela perícia, mas considera que a “previsibilidade do resultado, embora não assumido, constituiu a essência de culpabilidade e que, em situações de normalidade não parecia previsível ao cardiologista o que aconteceria depois, ou seja, a elevação da temperatura da menor já com anemia e com problemas neurológicos congênitos, a tal pontoque sofreu crise convulsiva, “desmaiou” (fls. 333), e apesar da pressa com que foi levada de táxi ao nosocômio réu, acabou falecendo.” (fls. 463/464)

Já em relação ao primeiro facultativo – Dr. Luis Roberto de Oliveira – foi destacada a sua recomendação no sentido da internação da criança, em 1º de dezembro de 1995, hipótese, contudo, recusada pela genitora sob o argumento de que teria condições de tratar da filha em casa. E diz: “Era razoável, portanto, crer, como fez esse demandado” (Dr. Luis Roberto de Oliveira) “que a criança nesse momento não apresentasse risco de vida” (fls. 463). E, então, arremata o julgado:

“Impressiona ao leigo e, mesmo ao jurista, o que consta em “manchetes” e editorial de jornais (fls. 21/24), mas a verdade é que, a teor da nossa legislação, não vejo como declarar qualquer dos dois médicos (ou sete, se considerarmos os outros que constam ter, de alguma forma, prestado diretamente serviços médicos, entre 27/11 e 01/12 à filha dos autores: drs. Pedro, Rubens, Laerte, Lígia e Euvaldo) como obrando com qualquer modalidade de culpa.

Acrescente-se que a recusa da co-autora Jane Maria à internação da filha horas antes de morrer, afasta a argüição relevante feita na Sentença quanto à perda de chance de vida ou sobrevida da menor, imputável ao médico-pediatra. É que a recusa dos genitores à autópsia da filha impediu que se definisse, com maior grau de certeza, a “causa mortis” desta.

Diante do exposto, não vejo como declarar a procedência da lide em referência aos médicos Luiz Roberto de Oliveira e Rubens Cruz Neves.” (fls. 464/465)

Assentadas estas premissas, o exame acerca da responsabilização objetiva do Hospital é destacada nas considerações que se seguem:

“Considero, contudo, quanto ao Hospital e Maternidade ser objetiva sua responsabilidade, pois todos os médicos e Serviços prestados à filha dos acionantes foram-no por e através de médicos desse nosocômio. Eventual erro de algum dos médicos não comprovado, e até de atendimentos, por indícios relevantes, podem adjetivar esta responsabilidade. A saber: a alta fornecida a 28/11; a leitura conflitante da radiologia; o entendimento contestado de obrigatoriedade de internação pelo médico dr. Luiz Roberto; a alegada “certa demora” quanto ao último atendimento da infeliz menor; e, bem assim, atendimentos que podem até ser corretos clinicamente, mas sem maior respeito ao desespero e atenções à filha enferma; e, por último, a circunstância de que todos os médicos estariam ligados ou vinculados ao Hospital demandado e ao Convênio deste, implicam em responsabilidade objetiva do Hospital, porque era possível (não certeza), se outra fosse a forma de atendimentos, no mínimo sobrevida da menor; e, até, evitar o falecimento.” (fls. 465)

Como se observa, o tema em debate é limitado à possibilidade de imposição de responsabilidade objetiva do hospital, quando não tenha o seu corpo clínico agido com culpa no atendimento de paciente.

A r. sentença informa que o atendimento médico da menor “foi feito com base no convênio GAME”, sendo os médicos credenciados. Este convênio – ainda de acordo com a sentença – é administrado pelo hospital, “que é quem seleciona os profissionais e faz o pagamento dos honorários” (fls. 396). Então, assevera o julgado de primeiro grau, demonstrada a conduta imperita do preposto (não se exige relação empregatícia) deflui a responsabilidade do nosocômio.


Sucede, porém, que o acórdão – expressamente – exclui a responsabilidade dos dois médicos, conforme já transcrito, não comportando a matéria na sede especial maiores comentários e indagações, dado que a sua completa e adequada elucidação reclama a toda evidência investigação probatória, vedada pela súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.

O importante é destacar que da exclusão da culpa dos médicos (prepostos) resulta conseqüente e necessariamente a exclusão da culpa do hospital (preponente), como, aliás, mutatis mutandis, apenas para realçar a imprescindibilidade do atuar culposo do preposto, já foi decidido por este Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 259816 – RJ – Rel. o Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, verbis:

“DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. HOSPITAL. FALECIMENTO DE PACIENTE. ATENDIMENTO POR PLANTONISTA. EMPRESA PREPONENTE COMO RÉ. CULPA DOS PREPOSTOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. DANOS MORAIS. QUANTIFICAÇÃO. CONTROLE PELA INSTÂNCIA ESPECIAL. POSSIBILIDADE. VALOR. CASO CONCRETO. INOCORRÊNCIA DE ABUSO OU EXAGERO. RECURSO DESACOLHIDO.

I – Nos termos do enunciado nº 341 da súmula/STF, “é presumida a culpa do patrão ou do comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

II – Comprovada a culpa dos prepostos da ré, presente a obrigação desta de indenizar.

III – O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, recomendando-se que, na fixação da indenização a esse título, o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da parte autora e, ainda, ao porte econômico da ré, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.

IV – No caso, diante de suas circunstâncias, o valor fixado a título de danos morais mostrou-se razoável.” (DJ de 27.11.2000)

Nos arraiais da doutrina, seja pelo ângulo do conceito clássico de responsabilidade, seja pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, o entendimento prevalente é de que a reparação em face da casa de saúde, em princípio, apenas terá lugar quando provada a culpa ou dolo do médico.

O insigne RUI STOCO em seu Tratado de Responsabilidade Civil – 6ª edição – Ed. Revista dos Tribunais – com extrema acuidade esclarece de modo definitivo a questão, com apoio de vários doutrinadores de peso, dentre eles AGUIAR DIAS, CAIO MÁRIO e RUY ROSADO DE AGUIAR JR, destacando o seguinte:

“A questão mais polêmica que surge é a que pertine à seguinte indagação: quando a responsabilidade deve ser carreada ao médico, pessoalmente, e quando se deve atribuí-la ao hospital?

A nós parece que se impõe examinar primeiro se o médico é contratado do hospital, de modo a ser considerado como seu empregado ou preposto.

Se tal ocorrer, aplica-se a surrada e vetusta regra de que o empregador responde pelos atos de seus empregados, serviçais ou prepostos (Código Civil, art. 932, III).

Aliás, Aguiar Dias demonstrou o alcance e largueza desse conceito de preposto em atividades que tais ao afirmar:

“O médico responde também por fato de terceiro. Este é o caso dos proprietários e dos diretores das casas de saúde, responsáveis pelos médicos, enfermeiros e auxiliares. Considera-se incluído nesta espécie de responsabilidade também o proprietário não-médico dos hospitais e clínicas, explicando que essa responsabilidade é nitidamente contratual, e advertindo que a noção de preposto, neste domínio, não se confunde com a que se lhe empresta no terreno extracontratual, porque, no caso em apreciação, é em virtude de uma garantia convencional implícita que o contratante responde pelos fatos de seus auxiliares. E tal garantia é devida pelo proprietário da casa de saúde, pelo fato danoso do médico assalariado” (op. cit., p. 292-293).

Se o médico atuar no respectivo hospital mediante vínculo empregatício, será empregado submetido às ordens da sociedade hospitalar. Se com ela mantiver contrato de prestação de serviços, deve ser considerado seu preposto e, nas duas hipóteses, aquela sociedade responderá pelos atos culposos daquele profissional. O hospital, contudo, terá direito de reaver o que pagar através de ação regressiva contra o causador direto do dano.

Mas se o médico não for preposto mas profissional independente que tenha usado as dependências do nosocômio por interesse ou conveniência do paciente ou dele próprio, em razão de aparelhagem ou qualidade das acomodações, ter-se-á de apurar, individualmente, a responsabilidade de cada qual.

Desse modo, se o paciente sofreu danos em razão do atuar culposo exclusivo do profissional que o pensou, atuando como prestador de serviços autônomo, apenas este poderá ser responsabilizado. Se, contudo, apurar-se manifestação incorreta do estabelecimento, através de ação ou omissão de seus dirigentes, empregados ou prepostos, podendo ser estes médicos, enfermeiros e funcionários em geral, então poderá responder apenas o hospital, se a ação ou omissão culposa deles dimana, ou o hospital e o médico, solidariamente, se ambos obraram com culpa.” (fls. 725)


E mais adiante, colacionando trabalho apresentado pelo Min. RUY ROSADO no IV Congresso Internacional sobre Danos, realizado em Buenos Aires – Argentina – em 1995, expõe:

“”… “o hospital não responde objetivamente, mesmo depois da vigência do Código de Defesa do Consumidor, quando se trata de indenizar danos produzido por médico integrante de seus quadros, pois é preciso provar a culpa deste para somente depois se ter como presumida a culpa do hospital”.” (fls. 729)

E arremata RUI STOCO:

“Cabe, finalmente, obtemperar a total ausência de sentido lógico-jurídico se, em uma atividade de natureza contratual em que se assegura apenas meios adequados, ficar comprovado que o médico não atuou com culpa e, ainda assim, responsabilizar o hospital por dano sofrido pelo paciente, tão-somente em razão de nsua responsabilidade objetiva e apenas em razão do vínculo empregatício entre um e outro.

Perceba-se, porque importante, que o caput do art. 14 do CDC condicionou a responsabilização do fornecedor de serviços à existência de “defeitos relativos à prestação de serviços”.

Tal expressão, embora em contradição com o princípio adotado no próprio artigo da lei, induz culpa, máxime quando se trate de atividade médica, cuja contratação assegura meios e não resultado (salvo com relação às cirurgias estéticas e não reparadoras), de modo que o resultado não querido não pode ser rotulado de “defeito”.

Este só se configura quando a lesão ao paciente resultar de procedimento totalmente desviado dos padrões e, portanto, com culpa evidente do seu causador.” (fls. 729)

Neste contexto, a conclusão única é de que na responsabilização do hospital por ato praticado por médico, não tem aplicabilidade a teoria objetiva, pois o que se põe em exame é o trabalho do facultativo, com incidência, inclusive, da norma do § 4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Significa isso dizer que, no caso específico dos hospitais, será objetiva a responsabilidade apenas no que toca aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações físicas, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos que ali atuam ou que tenham alguma relação com o nosocômio (convênio por exemplo), permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa) já iterativamente mencionada.

Em conclusão, pois, adotando-se a linha da responsabilidade subjetiva, se os médicos que cuidaram da filha dos autores não têm culpa pela morte da criança, constatação extraída do acórdão recorrido, com base nas provas dos autos e, por isso mesmo, como já declinado, imune ao crivo do especial, ut súmula 7-STJ, afigura-se, no mínimo, sem propósito, diante destes fundamentos, condenar o Hospital e Maternidade Jundiaí S/A.

Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para julgar improcedente o pedido inicial, condenando os autores a pagarem as custas e honorários advocatícios, estes à razão de 10% sobre valor da causa.

RECURSO ESPECIAL Nº 258.389 – SP (2000/0044523-1)

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO:

Sr. Presidente, no caso, como os votos antecedentes são concordantes e divergem tão-somente no ponto alusivo à fundamentação, acompanho, em princípio, o voto que V. Exa. está proferindo, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento. A meu ver, a responsabilidade do hospital é objetiva.

Então, a discussão em torno desse assunto perde relevo já que, de todo modo, não há o necessário nexo de causalidade.

RECURSO ESPECIAL Nº 258.389 – SP (2000/0044523-1)

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA:

Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator pela fundamentação, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento.

RECURSO ESPECIAL Nº 258.389 – SP (2000/0044523-1)

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI: Cuida-se de Recurso Especial interposto por HOSPITAL MATERNIDADE JUNDIAÍ S/A, sendo recorridos CLOVIS REIS DE BASTOS e cônjuge, contra v. aresto (fls. 459/466) que, face à morte da filha dos mesmos, não obstante excluindo expressamente a atuação culposa dos médicos credenciados ao nosocômio e prestadores do atendimento à vítima, responsabilizou de forma objetiva o hospital ora recorrente, condenando-lhe à reparação de danos morais. Cumpre ressaltar que, in casu, o pleito indenizatório referente à morte da menor embasou-se totalmente na negligência do atendimento ministrado à mesma pelos facultativos, da qual decorreria a responsabilidade do hospital por ato de seus prepostos (deveras, vedada a realização de autópsia, restou inviabilizada a definição da causa mortis e, em conseqüência, a eventual imputação do evento diretamente ao nosocômio).


Nesta esteira, consoante se infere do voto prolatado pelo e. Ministro Relator FERNANDO GONÇALVES, “o acórdão – expressamente – exclui a responsabilidade dos dois médicos, conforme já transcrito, não comportando a matéria, em sede especial, maiores comentários e indagações, dado que a sua completa e adequada elucidação reclama a toda evidência investigação probatória, vedada pela Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.” Explanando, ainda, que “da exclusão da culpa dos médicos (prepostos) resulta conseqüente e necessariamente a exclusão da culpa do hospital (preponente)”, conclui o e. Ministro Relator que “na responsabilização do hospital por ato praticado por médico, não tem aplicabilidade a teoria objetiva”, admitindo-a “apenas no que toca aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações físicas, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia)”.

Pois bem, melhor examinado a questão, conquanto não entenda inaplicável, em tese, a responsabilização objetiva de estabelecimento hospitalar, ainda que decorrente de ato de médico seu empregado ou preposto, nos termos, indistintamente, dos arts. 933 c/c 932, III, do CC/2002, ou 14, caput, do CDC (cf., a respeito, SERGIO CAVALIERI FILHO, in “Programa de Responsabilidade Civil”, 5ª ed., São Paulo, Malheiros Ed., 2004), tenho que, na hipótese sub judice perfaz-se inviável atribuí-la ao recorrente.

Com efeito, embasando-se o evento danoso exclusivamente na atuação médica culposa dos prepostos do recorrente, e excluída expressamente a respectiva ocorrência, verifica-se, por conseguinte, a supressão do próprio nexo de causalidade entre a conduta do hospital e a morte da menor, requisito imprescindível tanto à aferição da responsabilidade com base na teoria subjetiva como objetiva. Em outros termos, tenho que, in casu, da exclusão da culpa dos médicos resulta, conseqüente e necessariamente, a exclusão do nexo causal entre a conduta do hospital e o evento danoso, imprescindível à responsabilização subjetiva ou objetiva do mesmo. Consignadas tais ressalvas, acompanho, pela conclusão, o voto do e. Ministro Relator.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0044523-1 REsp 258389 / SP

Números Origem: 862734 9996

PAUTA: 12/04/2005 JULGADO: 16/06/2005

Relator

Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária

Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : HOSPITAL MATERNIDADE JUNDAI S/A

ADVOGADO : TARCÍSIO GERMANO DE LEMOS FILHO

RECORRIDO : CLÓVIS REIS DE BASTOS E CÔNJUGE

ADVOGADO : VLADIMIR MANZATO DOS SANTOS E OUTROS

ASSUNTO: Civil – Responsabilidade Civil – Indenização – Ato Ilícito

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto vista do Sr. Ministro Jorge Scartezzini, e os votos dos Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha, a Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Divergiram apenas pela fundamentação os Srs. Ministros Jorge Scartezzini e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.

Brasília, 16 de junho de 2005

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

Secretária

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