Aposentadoria aos 75

Aumento de limite na compulsória vai gerar aposentadorias precoces

Autor

  • Marcos Neves Fava

    é juiz do Trabalho Substituto na 2ª Região mestre em direito do trabalho pela USP diretor de Direitos e Prerrogativas da Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — para o biênio 2005-07.

22 de setembro de 2005, 11h12

Volta à pauta do Congresso Nacional, insistentemente, projeto de emenda à Constituição, que altera de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria no serviço público. Já houve várias tentativas no mesmo sentido, que sucumbiram nas votações das Casas Legislativas. Os argumentos em favor da idéia são apregoados com facilidade: a dignidade do ancião, ainda pleno de seus poderes intelectuais e físicos, a utilidade para o serviço público de pagar pela contraprestação de serviços, não pela jubilação, e a evolução da medicina, que deu ao homem perspectiva de longevidade superior àquela em que se baseou a legislação que se pretende reformar. Chamam-na, alguns, de expulsória, corruptela da nomenclatura oficial “aposentadoria compulsória”.

Rebater tais argumentos, necessidade que enfrento neste artigo, pode beirar ao desrespeito com os colegas da melhor idade. Longe disto! Todos os aspectos do problema devem ser sopesados, sem ataques pessoais ou defesa de interesses menores ou particulares. Faço-o em relação ao Judiciário, porque o integro e o conheço minimamente, nestes dez anos de carreira.

A idéia de carreira é fundamental estímulo a qualquer trabalhador. Um ajudante geral que é admitido em qualquer empresa, se não for um homem anormal, logo busca antever as possibilidades de ascensão nos postos disponíveis para sua maturidade profissional, e o sonho de galgá-los move o trabalhador em direção ao aprimoramento, à boa execução de suas tarefas, ao enriquecimento educacional, incentivando-o a “vestir a camisa” do empreendimento.

Qualquer magistrado, satisfeito com a profissão-sacerdócio abraçada, soma o prazer do exercício da judicatura de primeira instância à possibilidade de, após anos de carreira, ocupar assento no Tribunal a que está vinculado. Ali cuidará de outra faceta da profissão, que exige experiência e tempo de exercício, porque envolve a revisão das decisões de seus pares. Não se trata de ser mais ou menos importante, porque são funções que complementam a prestação jurisdicional, imprescindível, no todo, à democracia e às garantias sociais. Trata-se de outra atividade, dentro da mesma carreira.

O número de vagas nos tribunais, no entanto, mostra-se muito mais reduzido do que o de cargos de primeira instância, estabelecendo-se um natural funil. O aumento da idade limite de permanência no serviço público, implicará maior demora, ou, sem muita dificuldade, a proibição de que os magistrados de primeira instância atinjam o ápice de suas carreiras. Iniciarão em primeira instância e ali se aposentarão. Mais grave: nalguns casos, esta situação provocará a jubilação no cargo de juiz substituto, o primeiro da carreira.

No âmbito do TRT de São Paulo, espera-se cerca de dez anos para o juiz substituto galgar o primeiro degrau da carreira, promovendo-se a titular. Daí para o Tribunal, não há estimativa certa. O possível, no quando atual, é que a maioria dos titulares não chegue a ocupar vaga no segundo grau. O desestímulo para o exercício da profissão pode ser facilmente percebido. Aumentando-se a idade para 75 anos, o problema torna-se mais grave. Desaparecerá a idéia de carreira, que será trocada pela de cadeira. Passando no apertadíssimo concurso público de provas e títulos, o juiz receberá uma cadeira, que só desocupará na aposentadoria. A mesma, na primeira instância, que deixará, provavelmente, aos setenta e cinco anos.

Outro prejuízo decorre da imobilidade na carreira, também grave e notório. A eternização das posições jurisprudenciais. Os juízes que hoje ocupam assentos nos tribunais na faixa dos quarenta e poucos anos, permanecerão ali por mais 35, ditando a jurisprudência regional, sem a necessária mudança que, a par de democrática, mostrar-se-ia, ainda, enriquecedora par ao jurisdicionado.

A idade — de per si e só — não garante, de outro lado, a melhora do servidor. A prática tem revelado magistrados novos na idade cronológica, detentores de grande senso de justiça já amadurecido, importantíssimo para o exercício da jurisdição. A mesma prática revela, no entanto, que há outros não moldados para o serviço público, que não correspondem às necessidades da sociedade, que são mantidos, à vista do limite de idade, até os 70 e, com a alteração em cheque, gozarão de mais 60 meses de prestação de serviços ao Judiciário. Ninguém é despreparado para a função só por ser jovem, assim como ninguém se torna mais apto, apenas porque avançou em anos no cargo.

No tocante à economia, a estratégia pode representar um tiro no pé. A aprovação do avanço na idade da expulsória, por demasiado desestimulante aos demais membros da carreira, estimulará uma avalanche de aposentadorias precoces. Se o juiz não tem perspectiva de evolução na carreira, somando os requisitos para a aposentadoria, será este o caminho que tomará, sobrecarregando as contas da previdência, que poderão ser levadas ao colapso, em curto espaço de tempo.

Importantíssimo ainda é ponderar que, no momento político vivido pelo país atualmente — talvez dos mais graves da história da República —, quando pululam no âmbito do Congresso denúncias escatológicas de venda de apoio e votos, época de auto-crítica e cortar-a-própria-carne naquele Poder da República, a celeridade com que vem sendo tratada a PEC 42/2003 mostra-se, no mínimo, surpreendente. A distribuição do projeto na Câmara, depois de ter tramitado por mais de dois anos no Senado, deu-se em 31 de agosto deste ano de 2005. Já se acha na principal comissão da Câmara, a de Constituição e Justiça, com parecer elaborado pelo deputado relator.

Surpreendente que, em tempos de acirradas crises, cassações sugeridas às dezenas, até mesmo com o envolvimento do presidente da casa em denúncias concretas de corrupção, em pouco mais de dez dias, a comissão da Câmara dos Deputados já tenha debatido, com a seriedade e a gravidade exigidas para a amplitude da alteração constitucional, matéria tão relevante. Que poderoso motor terá sido acionado para tocar o barco da tramitação com tanta pressa? Não há matérias mais urgentes e abrangentes do que esta a serem tratadas pelo Congresso? A cortina de fumaça das CPI’s estaria a favorecer o apressado trâmite legislativo?

A pressa, inimiga histórica da perfeição, trará à luz um indesejável filho, que, traquinas, abalará as estruturas do Judiciário, prejudicando o destinatário final dos serviços do Estado, o cidadão.

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    é juiz do Trabalho Substituto na 2ª Região, mestre em direito do trabalho pela USP, diretor de Direitos e Prerrogativas da Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — para o biênio 2005-07.

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