Crise financeira

Justiça de São Paulo decreta a falência do Banco Santos

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20 de setembro de 2005, 20h27

A Justiça paulista decretou, nesta terça-feira (20/9), a falência do Banco Santos. Desde 12 de novembro do ano passado, o banco estava sob intervenção do Banco Central. A dívida do Santos ultrapassa R$ 2,2 bilhões.

O pedido de falência foi feito pelo liquidante, Vânio César Pickler Aguiar, nomeado no ano passado pelo BC. Segundo a inicial, seriam necessários, no mínimo, R$ 2,4 bilhões para o Banco Santos voltar à normalidade.

Ao atender o pedido, o juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ª Vara de Recuperações e Falências, entendeu que estavam presentes todos os requisitos necessários para a falência: autorização do Banco Central, existência de duas vezes mais passivos (dívidas) do que ativos (créditos) além da gravidade das irregularidades na administração do banco, encontradas durante a tramitação do inquérito instaurado pelo BC. Em parecer, o Ministério Público opinou pela falência.

“A gravidade das ocorrências constatadas no caso específico aconselham a decretação desde logo da falência, para permitir, o quanto antes, a apuração de delitos e a recuperação, ainda que pequena, dos direitos da imensa massa falida de credores prejudicados”, escreveu Oliveira.

O advogado Murilo da Silva Freire, que atuou em processos de concordatas famosos, como da Eucatex e da Matarazzo, explica que a falência, quando o banco está já está em processo de liquidação ou intervenção, só pode ser pedida pelo próprio interventor ou liquidante, e nunca pelos credores. Uma vez decretada, passam a valer as mesmas regras, inclusive da lista de prioridade de credores, estabelecidas pela Nova Lei de Falências.

O juiz Caio de Oliveira nomeou como interventor o próprio liquidante, Vânio César Pickler Aguiar, e determinou o prazo de 15 dias para a habilitação de crédito. Com a falência, estão suspensas as ações e execuções contra a falida.

Leia a íntegra da decisão

Processo nº 000.05.065208-7

Vistos.

BANCO SANTOS S.A., em liquidação extrajudicial, sociedade anônima fechada, estabelecida nesta Capital, através do seu liquidante nomeado, requer a decretação de autofalência, aduzindo que, durante o procedimento previsto em lei, após reclassificações e balanceamento de seus ativos e passivos, apurou-se um passivo a descoberto da ordem de R$ 2.236.078.000,00, afora outros prejuízos que ainda podem elevá-lo, de tal sorte que este fato, por si só, revelaria a sua situação de total insolvência. Para retornar à situação de normalidade, necessitaria de aporte mínimo de valor de R$ 2.450.875.000,00.

Ainda segundo a inicial, não bastasse esta situação, verificou-se em relação à sua administração -, durante a tramitação de inquérito instaurado pelo Banco Central do Brasil, diversas práticas irregulares pelos ex-administradores e controladores, algumas delas com participação dos próprios devedores, que acabaram por impedir exames e avaliação de investidores e analistas do mercado sobre a sua real situação financeira. Mais ainda, eram comuns operações que tinham por objetivo transferir ou desviar recursos para empresas não financeiras ou cobrir ativos insubsistentes de exercícios anteriores.

Prossegue, mencionando especificamente as operações danosas praticadas pela instituição, antes da intervenção decretada em 12.11.2004, com operações irregulares e ilegais, que atingiram não só os credores do Banco, como também o sistema financeiro, caracterizada a prática de crimes falimentares, que acabaram por levá-lo à insolvência e à liquidação extrajudicial.

Processado o pedido, facultou-se manifestação prévia da sociedade detentora da grande maioria do capital social do reqte., que impugna as conclusões do Banco Central do Brasil sobre a existência de grande passivo a descoberto, concluindo que teria sido a ação desordenada deste último a responsável pela situação de dificuldades em acabou se encontrando o Banco Santos.

Foram juntadas aos autos as conclusões da Comissão de Inquérito instaurado pelo Banco Central do Brasil.

Parecer do Ministério Público no sentido do acolhimento da pretensão inicial.

É o relatório.

Passo a decidir.

Inegavelmente, à vista da documentação que acompanha o requerimento de autofalência e, também, das conclusões da Comissão de Inquérito do Banco Central, o ativo da reqte. é infinitamente inferior aos seus débitos, não havendo qualquer possibilidade de cobertura de metade do montante dos créditos quirografários.

Em ação civil pública proposta pelo Ministério Público, contra os administradores da sociedade em liquidação, apurou-se passivo a descoberto, com base nas conclusões do inquérito do BACEN, da ordem de R$ 2.235.802.000,00, afora prejuízos não quantificados, notadamente a fundos de investimento e ao BNDES, demonstrando gestão nefasta na administração do Banco e, mais ainda, a prática de atos ilícitos, muitos deles a caracterizar crime.

Entre outros, constatou-se, durante a tramitação de inquérito, operações irregulares com debêntures, caracterizando emissão pública, sem registro prévio na Comissão de Valores Mobiliários; aquisição de cédulas de produtos rural já quitadas, com transferência de valores do Banco para pessoas jurídicas ligadas a seu controlador; operações irregulares com contratos de cessão de créditos de exportação (“export notes”); aplicação de recursos públicos (BNDES) com finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, além de empréstimos a empresas coligadas e aplicações em opções flexíveis ativas (empréstimos dissimulados).

Nenhuma dúvida no sentido de que, mesmo para as instituições financeiras é possível a decretação de falência, em face da disposições da Lei nº 6.024/74, mandada aplicar expressamente pelo art. 197 da novel legislação.

Sobre o tema, afirma Fábio Ulhôa Coelho que a exclusão dessas sociedades empresárias das disposições da nova lei falitária é parcial, “na medida em que elas, quando se encontram no exercício regular da atividade financeira, sujeitam-se à decretação da falência, como qualquer outra empresária. Mas, se o Banco Central decreta intervenção ou liquidação extrajudicial, esta não poderá mais falir a pedido de credor. Nesses casos, a quebra somente pode verificar-se a pedido do interventor (na intervenção) ou do liquidante (na liquidação extrajudicial), devidamente autorizados pelo Banco Central.” (Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, pág. 199, Ed. Saraiva).

Em suma, estão presentes os requisitos legais que autorizam o acolhimento da pretensão, notadamente a autorização do Banco Central, existência de ativo inferior à metade do passivo quirografário, sem contar a gravidade dos fatos constatados em inquérito e de fundados indícios de crimes falimentares e outros (art. 21, “b”, da Lei 6.024/74).

Nenhum motivo para realização prévia de perícia contábil para apuração dos valores do ativo e do passivo, como pretendido pela instituição controladora. Os números da situação econômico-financeira do reqte. estão explicitados à f. 267/289 das conclusões da Comissão de Inquérito.

Basicamente, os ativos do Banco são constituídos por créditos, muitos de duvidosíssima liquidação, havendo dezenas de ações judiciais em que os seus devedores invocam provimento jurisdicional para a proclamação de extinção de suas obrigações pela ocorrência de compensação ou por operações simuladas.

Além de não haver elementos relevantes, trazidos por ela, que justificassem essa produção preliminar de prova, não prevista na legislação vigente, o fato é que a gravidade das ocorrências constatadas no caso específico. aconselham a decretação desde logo da falência, para permitir, o quanto antes, a apuração de delitos e a recuperação, ainda que pequena, dos direitos da imensa massa de credores prejudicados.

Ressalte-se ainda que, antes da intervenção levada a efeito pelo BACEN, o acionista controlador da admitiu, em escrito que está juntado à f. 2457, a situação de “defaut técnico”, dependendo, para suas sobrevivência, da concessão de redesconto pelos cofres públicos.

Em face do exposto, decreto a falência da reqda., cujos administradores eram, ao tempo da intervenção, Edemar Cid Ferreira, Ricardo Ferreira de Souza e Silva, Ricardo Ancêde Gribel, Mário Arcângelo Martinelli, Clive José Vieira Botelho, Gustavo Durazzo, Sebastião Geraldo Toledo da Cunha, Abner Parada Júnior, Antonio Rubens de Almeida Neto, Carlos Eduardo Guerra de Figueiredo, Carlos Endré Pavel, Francisco Sérgio Ribeiro Bahia, José Mariano Drumond Filho, Márcio Serpejante Peppe, referidos à f. 12, fixando o termo legal em 90 dias contados do pedido.

Determino ainda o seguinte:

1) o prazo de 15 dias para as habilitações de crédito;

2) suspensão de ações e execuções contra a falida, com as ressalvas legais;

3) proibição de atos de disposição ou oneração de bens da falida;

4) anotação junto à JUCESP, para que conste a expressão “falido” nos registros e a inabilitação para atividade empresarial;

5) nomeio como administrador judicial o Sr. Vânio César Pickler Aguiar, administrador de empresas, ficando consignada a total impossibilidade de continuação das atividades da falida;

6) intimação do Ministério Público, comunicação por carta às Fazendas Públicas e publicação do edital, na forma do parágrafo único do artigo 99 da Lei 11.101/2005;

7) Intimem-se os administradores da falida para prestar declarações, na forma do artigo 104 da lei mencionada, a partir do dia 18 de outubro de 2.005, às 14:00 horas, sob pena de desobediência.

8) Outros administradores de fato e de direito e membros do Conselho de Administração, referidos nos autos, também poderão prestar declarações em função do que for ocorrendo;

9) Lavre-se o auto de arrecadação dos bens cujo arresto cautelar já foi determinado;

10) Oportunamente, ouvido o administrador judicial, deliberarei sobre a assembléia de credores.

P.R.I.

São Paulo, 20 de setembro de 2005.

Caio Marcelo Mendes de Oliveira

Juiz(a) de Direito Titular

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