CPI dos Correios

Daniel Dantas obtém liminar para não se incriminar

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20 de setembro de 2005, 19h43

O presidente do Grupo Opportunity, Daniel Dantas, vai poder se calar diante de perguntas que possam incriminá-lo durante seu depoimento na CPI dos Correios, marcado para as 10 horas desta quarta-feira. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar para que Dantas deponha na condição de investigado, e não de testemunha.

A defesa pediu Habeas Corpus ao Supremo para que Dantas não fosse obrigado a responder “indagações suscetíveis de causar embaraços à sua defesa”. Na decisão, o ministro ressalta que o não reconhecimento do direito de se calar diante a perguntas cujas respostas possam incriminar Daniel Dantas pode resultar em “graves e irreversíveis prejuízos a direito fundamental do paciente”.

De acordo com informações da Agência Câmara, os parlamentares tentam desvendar, entre outros pontos, depósitos bancários feitos pelas empresas de Daniel Dantas nas contas das agências DNA e SMP&B, do empresário Marcos Valério de Souza, acusado de operar o esquema do mensalão.

Leia a íntegra da liminar

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 86.724-3 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): DANIEL VALENTE DANTAS

IMPETRANTE(S): NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO

COATOR(A/S)(ES): COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO – CPMI DOS CORREIOS

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Daniel Valente Dantas apontando como autoridade coatora a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI dos Correios.

Alega-se que:

“Com efeito, o chamamento de alguém para depor perante tal ou qual CPI, não afasta o convocado, de modo algum dos princípios básicos da Constituição da República, atinentes aos direitos fundamentais, sobretudo aqueles arrolados, de forma taxativa, imperativa e fundamental, pelo artigo 5º de nossa Lei Maior.

(…)

De mister, pois, que ao Paciente se assegurem os direitos de praxe em situações que tais, que implicam, forçosamente, na desobrigação de responder indagações suscetíveis de causar embaraços à sua defesa, não por qualquer receio, porém por possíveis deturpações, levando-se em conta os direitos públicos subjetivos pertinentes à ampla defesa, bem assim ao de silenciar e, no caso, até mesmo o de não ser compelido a transgredir deveres de fidúcia inerentes às atividades de gestão, no âmbito empresarial e financeiro.” (fl. 07-08)

Após colacionar jurisprudência sobre o direito do investigado perante Comissão Parlamentar de Inquérito, requer liminar, “garantindo-se, assim, ao Paciente, em sua convocação de agora ou qualquer outra que se proceda, dada a multiplicidade de investigações no âmbito do Congresso Nacional, a plena observância de seus direitos constitucionais, particularmente a preservação de seu status libertatis, independentemente do eventual silêncio a alguma indagação.” (fl. 23)

Estando o paciente convocado para prestar esclarecimentos em audiência pública a realizar-se no próximo dia 21 de setembro, passo a analisar o pedido de liminar.

A Constituição confere às Comissões Parlamentares de Inquérito os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, § 3º).

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que, tal como ocorre em depoimentos prestados perante órgãos do Poder Judiciário, é assegurado o direito de o investigado não se incriminar perante as Comissões Parlamentares de Inquérito (CF, art. 5º, LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (…)”).

Nesse sentido, a seguinte passagem da ementa de decisão proferida no HC 78.812, verbis:

“COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – PRIVILÉGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO – DIREITO QUE ASSISTE A QUALQUER INDICIADO OU TESTEMUNHA – IMPOSSIBILIDADE DE O PODER PÚBLICO IMPOR MEDIDAS RESTRITIVAS A QUEM EXERCE, REGULARMENTE, ESSA PRERROGATIVA – PEDIDO DE HABEAS CORPUS DEFERIDO. – O privilégio contra a auto-incriminação – que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. – O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. (…)” (HC 79.812, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16.02.01)

Essa orientação, amplamente consolidada na jurisprudência da Corte (dentre tantos: HC 83.357, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 26.03.04; HC 79.244, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24.03.00), tem sido objeto de críticas da sociedade e dos meios de comunicação, no sentido de se conferir um “bill of indemnity” ao depoente a se eximir de fornecer informações imprescindíveis à regular instrução.

Se se pretende atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas, então devem-se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito, isto é, a exata definição do seu âmbito de proteção. Tal colocação já é suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições.

Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais com poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.

A Constituição de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e sete incisos e dois parágrafos (art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º).

A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

O direito ao silêncio, que assegura a não-produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.

Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck , 1990, 1I 18).

No caso dos autos, afigura-se inequívoco, pelo menos em sede de juízo cautelar, que o não reconhecimento do direito de não responder às perguntas, cujas respostas possam vir a incriminá-lo, importará graves e irreversíveis prejuízos a direito fundamental do paciente.

Com relação aos fatos que não impliquem auto-incriminação, persiste a obrigação de o depoente prestar informações.

Nesses termos, defiro a liminar para que o paciente tenha assegurado o direito à não auto-incriminação.

Expeça-se o salvo conduto.

Comunique-se, mediante telex, ao Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.

Requisitem-se informações.

Após, vista à Procuradoria-Geral da República.

Brasília, 20 de setembro de 2005.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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