Profissão reconhecida

Especialistas em optometria podem prescrever óculos

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13 de setembro de 2005, 13h47

Especialistas em optometria — ciência que trata da acuidade visual — podem continuar a prescrever lentes de grau a seus pacientes. A decisão é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Os ministros negaram pedido do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Os órgãos queriam proibir a emissão e registro dos diplomas dos alunos do período letivo de 1997 até o primeiro semestre de 2003 do curso superior de tecnologia em optometria da Universidade Luterana do Brasil.

As duas entidades entraram com Mandado de Segurança no STJ contra ato do ministro da Educação que reconheceu o curso e emitiu diplomas aos alunos.

O objetivo da ação era invalidar a portaria. O Conselho Federal de Medicina e o Conselho Brasileiro de Oftalmologia sustentaram que a portaria violou o Decreto 3.860/2001, que regulamentou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96) e vincula a criação de cursos na área de saúde à prévia aprovação do Conselho Nacional de Saúde.

Também teriam sido violados os Decretos 20.931/32 e 24.492/34, que regulam o exercício da medicina por profissionais habilitados, inclusive em relação à optometria. De acordo com as entidades, o artigo 38 do Decreto 20.931/32 proibiu expressamente a instalação de consultórios de optometristas destinados ao atendimento de clientes.

Os conselhos sustentaram ainda que o ministro da Educação “extrapolou os limites de sua competência, eis que a Carta Política estabelece que incumbe à União, privativamente, legislar (lei em sentido formal) sobre organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões”.

As entidades pediram a anulação da portaria para assegurar “aos associados dos impetrantes o exercício pleno da medicina oftalmológica, vedada, em conseqüência, a abertura de processo seletivo para futuros alunos”.

O pedido de liminar foi negado pelo relator no STJ, ministro Teori Albino Zavascki. A decisão foi confirmada pela 1ª Seção, ao apreciar o mérito do Mandado de Segurança. O ministro Zavascki esclareceu que a manifestação prévia do Conselho Nacional de Saúde é exigida apenas para os casos de criação de cursos de graduação em medicina, em odontologia e em psicologia.

Os ministros da 1ª Seção seguiram o entendimento do relator. Entenderam que a profissão de optometrista está prevista no Direito desde 1932 e as suas atividades descritas na CBO — Classificação Brasileira de Ocupações, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Portaria 397, de 9 de outubro de 2002).

MS 9.469

Leia a íntegra da decisão

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 9.469 – DF (2003/0235523-8)

IMPETRANTE: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

ADVOGADO: GISELLE CROSARA LETTIERI GRACINDO E OUTROS

IMPETRANTE: CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA – CBO

ADVOGADO: FLÁVIO DE CASTRO WINKLER E OUTROS

IMPETRADO: MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

LITIS. PAS: UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA

ADVOGADO: RUDINEI CLENIO CARVALHO E OUTROS

ASSISTENTE: CONSELHO BRASILEIRO DE ÓPTICA E OPTOMETRIA – CBOO

ADVOGADO: LUIZ CARLOS RODRIGUES TEIXEIRA

ASSISTENTE: PATRÍCIA MARA TREBIEN

ADVOGADO: TORBI ABICH RECH

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI(Relator):

Trata-se de mandado de segurança coletivo impetrado pelo Conselho Federal de Medicina – CFM e pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO contra ato do Ministro de Estado de Educação, consubstanciado na Portaria Ministerial n. 2.948, de 21.10.03, que, no seu art. 1º, reconheceu, “apenas para fins de emissão e registros de diplomas dos alunos que ingressaram nos anos letivos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e no primeiro semestre de 2003, o Curso Superior de Tecnologia em Optometria, ofertado pela Universidade Luterana do Brasil -ULBRA, mantida pela Comunidade Evangélica Luterana São Paulo – CELSP” (fls.3). Pretendem os impetrantes invalidar a referida Portaria, por conter efeitos concretos ofensivos ao “direito líquido e certo dos oftalmologistas brasileiros, de exercerem livre e plenamente sua atividade profissional e o fazerem submissos exclusivamente à lei e não ao ato administrativo impugnado, ofensivo de cláusulas constitucionais pétreas: CF/88, art. 5º, II e XIII” (fls. 35/36).

Alegam os impetrantes, em síntese, que: (a) o ato impugnado violou do Decreto n. 3.860/2001, regulamentador da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (n. 9.394/96), que vincula a criação de cursos na área de saúde à prévia aprovação do Conselho Nacional de Saúde; (b) também foram violados os Decretos ns. 20.931/32 e 24.492/34, os quais regulam o exercício da medicina por profissionais habilitados, inclusive em relação à optometria (especialidade médica em oftalmologia), sendo que o Decreto n. 20.931/32, em seu art. 38, proibiu expressamente a instalação, por optometristas, de consultórios destinados ao atendimento de clientes, prevendo a apreensão e leilão do material porventura encontrado em tais consultórios; (c) o Ministro do Estado da Educação “extrapola os limites de sua competência, eis que a Carta Política estabelece que incumbe à União, privativamente, legislar (lei em sentido formal) sobre organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões” (fl. 22). Postulam a concessão da ordem, a fim de que seja declarada a nulidade do ato ora impugnado, “assegurando-se aos associados dos impetrantes o exercício pleno da medicina oftamológica, vedado, em conseqüência, a abertura de processo seletivo para futuros alunos” (fl. 36).


Indeferida a liminar ante a inexistência de risco iminente (fls. 1275), decisão que foi confirmada pela Seção no julgamento de agravo regimental (fls. 1306/1310).

A autoridade impetrada prestou informações (fls. 1293/1301), argüindo, em preliminar, a ilegitimidade ativa das impetrantes e o descabimento do mandado de segurança, em que se pede tutela que depende de dilação probatória, incabível na via eleita. No mérito, aduz que: a) inexiste disposição na Constituição Federal ou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação impondo a prévia manifestação do CNS ou dos impetrantes para atos de autorização e credenciamento de instituições de ensino, cuja competência foi exclusivamente atribuída ao Ministério da Educação; b) o Decreto n. 3.860/2001, em seu art. 27, §§ 1º e 2º, prevê apenas parecer opinativo e informativo para cursos de medicina, odontologia e psicologia; c) o Decreto aludido, ademais, entrou em vigor após a criação do cursos de optometria ministrado pela ULBRA; d) não há direito líquido e certo a ser defendido pelo mandado de segurança, pois o ato administrativo impugnado não impede que os oftalmologistas exerçam plenamente a sua profissão.

A Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, litisconsorte passiva, alegou (fls. 1.314/1.324) que: a) o Curso Superior de Tecnologia em Optometria foi regularmente criado e funciona desde 1997, tendo sido desde então objeto de ataque judicial, sempre sem êxito, pelo CBO e outras entidades; b) a outorga de diplomas de Tecnólogo em Optometria não autoriza o exercício ilegal de profissão de médico; c) a profissão de optometrista “não afeta, nem poderá afetar, no futuro, sob o aspecto profissional, os atuais médicos oftalmologistas, pois não são passíveis de sofrer a concorrência dos graduados em optometria” (fl. 1316); d) os impetrantes não juntaram cópia do ato impugnado, documento este indispensável ao ajuizamento da ação; e) há litisconsórcio passivo em relação a todos os diplomados no curso de optometria; e) o exercício da medicina depende de registro profissional, “não bastando a mera titulação acadêmica” (fl. 1319); f) a Portaria Ministerial atacada não violou o disposto no art. 5º, XIII, da CF, pois foi editada em observância ao art. 37 do Decreto n. 3.860/01; g) os Decretos ns. 20.931/32 e 24.492/34 regulamentam o exercício profissional e não a formação acadêmica, tanto que “em seus respectivos textos não há proibição ao ensino da optometria, mas à clínica oftalmológica exercida por optometristas”; h) o curso de

optometria, dotado de autonomia universitária, não é uma “especialidade médica, dependente da oftalmologia” (fl. 1323).

Foram admitidos como assistentes da autoridade impetrada o Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria e a técnica em optometria Patrícia Mara Trebein (fls. 1417). Esta apresentou a petição de fls. 1.481/1503, pedindo a denegação da segurança, ao argumento de que: a) a profissão de optometrista está prevista no art. 3º do Decreto n. 20.931/32, sendo exigido, para o seu exercício, diploma de nível superior ou médio, conforme a Classificação Brasileira de Ocupações/2002; b) os arts. 5º, XIII, 170, VIII, parágrafo único, da CF, asseguram o exercício da profissão de optometrista; c) os arts. 38, 39 e 41 do referido Decreto, além de serem incompatíveis com o art. 3º, foram revogados pelo Decreto n. 77.052/76; d) não houve repristinação do Decreto n. 24.492/34, ainda que este tenha sido excluído da revogação decretada pelo Decreto n. 99.678/90; e) a profissão de optometrista, expressamente prevista pela legislação brasileira desde 1932 e reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, não se confunde com a de médico oftalmologista e nem interfere em seu exercício, atuando cada uma delas em campos distintos; f) as atividades de optometrista estão descritas na Classificação Brasileira de Ocupações, de 2002, aprovadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Em parecer da lavra da Subprocuradora Geral da República Dulcinéa Moreira de Barros (fls. 1846/1859), o Ministério Público Federal sustentou, em síntese, que: a) a profissão de optometrista existe na legislação brasileira desde 1932 e, salvo em relação a algumas das atividades descritas no itém 4A da Classificação Brasileira de Ocupações 2002 (relativas a exames optométricos, que só podem ser realizados por médico), seu exercício é legítimo; b) nenhum ato do Ministro da Educação está a criar empecilho à plena atividade médica; c) “sendo livre o exercício de qualquer profissão, não se pode obstar que se crie faculdade para a formação de optometristas, que, devidamente autorizada e reconhecida, há de formar optometristas. Todavia, pelo que figura na legislação, não podem eles aviar receitas de uso de lentes de grau, conquanto possam desempenhar as atividades descritas no nº 4 do item 3223 da Classificação Brasileira de Ocupações”. Assim, opinou pela denegação da segurança, “salvo alguma restrição quanto à ‘abertura de processo seletivo para futuros alunos’ até a correção a ser feita no código 3223 da Classificação Brasileira de Ocupações/2002”.


Em manifestação de fls. 1865/1875, Patrícia Mara Trebein sustentou que: a) a revisão do CBO/2002 foi concluída em 2004, restando mantido o texto final do item 4-A quanto à possibilidade de realização de exames optométricos pelo optometristas; b) na Representação n. 1.056-2, o STF julgou questão análoga relativa à constitucionalidade das profissões de Fisioterapeuta e de Terapeuta Ocupacional, oportunidade em que ficou reconhecida a legitimidade das novas profissões, fruto da evolução da ciência e do conhecimento, que impõe o surgimento de profissões especializadas, inclusive na área de saúde (além dos referidos, cita-se enfermeiros, odontólogos, psicólogos, nutricionistas, famacêuticos, etc); c) em casos tais, os cursos especializados impõe carga horária específica maior do que a do curso de medicina; d) essa evolução na área das ciências da saúde deve ser considerada na interpretação dos Decretos 20.931/32 e 24.492/34, editados à luz de outra realidade.

É o relatório.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 9.469 – DF (2003/0235523-8)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM OPTOMETRIA. RECONHECIMENTO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. LEGITIMIDADE DO ATO.

1. A manifestação prévia do Conselho Nacional de Saúde é exigida apenas para os casos de criação de cursos de graduação em medicina, em odontologia e em psicologia (art. 27 do Decreto n. 3.860/2001), não estando prevista para outros cursos superiores, ainda que da área de saúde.

2. Em nosso sistema, de Constituição rígida e de supremacia das normas constitucionais, a inconstitucionalidade de um preceito normativo acarreta a sua nulidade desde a origem. Assim, a suspensão ou a anulação, por vício de inconstitucionalidade, da norma revogadora, importa o reconhecimento da vigência, ex tunc, da norma anterior tida por revogada (RE 259.339, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 16.06.2000 e na ADIn 652/MA, Min. Celso de Mello, RTJ 146:461; art. 11, § 2º da Lei 9.868/99). Estão em vigor, portanto, os Decretos 20.931, de 11.1.1932 e 24.492, de 28 de junho de 1934, que regulam a fiscalização e o exercício da medicina, já que o ato normativo superveniente que os revogou (art. 4º do Decreto n. 99.678/90) foi suspenso pelo STF na ADIn 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal.

3. A profissão de optometrista está prevista em nosso direito desde 1932 (art. 3º do Decreto 20.931/32). O conteúdo de suas atividades está descrito na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Portaria n. 397, de 09.10.2002).

4. Ainda que se possa questionar a legitimidade do exercício, pelos optometristas, de algumas daquelas atividades, por pertencerem ao domínio próprio da medicina, não há dúvida quanto à legitimidade do exercício da maioria delas, algumas das quais se confundem com as de ótico, já previstas no art. 9º do Decreto 24.492/34.

5. Reconhecida a existência da profissão e não havendo dúvida quando à legitimidade do seu exercício (pelo menos em certo campo de atividades), nada impede a existência de um curso próprio de formação profissional de optometrista.

6. O ato atacado (Portaria n. 2.948, de 21.10.03) nada dispôs sobre as atividades do optometrista, limitando-se a reconhecer o Curso Superior de Tecnologia em Optometria, criado por entidade de ensino superior. Assim, a alegação de ilegitimidade do exercício, por optometristas, de certas atividades previstas na Classificação Brasileira de Ocupações é matéria estranha ao referido ato e, ainda que fosse procedente, não constituiria causa suficiente para comprometer a sua validade.

7. Ordem denegada.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI (Relator):

1. O objeto da impretração é, conforme relatado, o reconhecimento da nulidade da Portaria Ministerial 2.948, de 21.10.03, que, no seu art. 1º, reconheceu, “apenas para fins de emissão e registros de diplomas dos alunos que ingressaram nos anos letivos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e no primeiro semestre de 2003, o Curso Superior de Tecnologia em Optometria, ofertado pela Universidade Luterana do Brasil -ULBRA, mantida pela Comunidade Evangélica Luterana São Paulo – CELSP. A Portaria está juntada às fls. 1116.

Afasta-se, assim, as preliminares de inépcia da inicial e de ilegitimidade ativa, esta na consideração de que há relação de compatibilidade entre o objeto da demanda e os fins institucionais das entidades impetrantes, empenhadas em defender suas prerrogativas e a da profissão médica, mais especificamente, dos oftalmologistas. A legitimidade ativa do Conselho Federal de Medicina advém de sua competência para regular e fiscalizar o exercício da profissão médica (art. 1º da Lei 3.268/57) e a do Conselho Brasileiro de Oftalmologia se evidencia pela natureza das atribuições definidas por seu Estatuto, notadamente a de “representar os oftalmologistas brasileiros na defesa de seus direitos profissionais, sociais e econômicos” (art. 1º, b, do Estatuto do CBO).


2. Afasta-se, igualmente, a alegação de litisconsórcio passivo necessário de todos os técnicos em optometria, eis que o objeto da impetração é apenas o ato administrativo praticado por Ministro de Estado, cuja destinatária direta é entidade de ensino superior, que já figura na relação processual. Não há, no caso, qualquer relação jurídica entre os alunos e as entidades impetrantes ou entre eles e a autoridade impetrada. Sem dúvida existe interesse dos alunos no desfecho da demanda, mas se trata de interesse indireto, que justificaria, caso requerido, o seu eventual ingresso como assistentes. Todavia, os seus direitos individuais podem, se for o caso, ser tutelados em ação autônoma, não se configurando, portanto, a hipótese prevista no art. 47 do CPC. O tema foi enfrentado no julgamento do agravo regimental, ficando assentado que “a situação submetida a julgamento por esta Corte não pressupõe uma decisão uniforme para todas partes envolvidas”(fl. 1448).

3. O ato atacado é o que reconheceu o Curso Superior de Tecnologia em Optometria, cuja criação e funcionamento foram autorizados pela Resolução n. 187, de 29.11.96, do Conselho Universitário da ULBRA (doc. fls. 157). Integra a autonomia das universidades, segundo dispõe o art. 53 da Lei 9.394/1996, a prerrogativa de “criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior”. Tendo sido criado o curso, o seu reconhecimento oficial depende de ato do Ministério da Educação, garantindo-se, por conseguinte, a expedição e registro do diploma aos alunos que tenham cumprido na sua integralidade o currículo universitário, ainda que posteriormente o curso venha a ser desativado ou a instituição descredenciada (art. 37 do Decreto n. 3.860/2001).

4. Não há, no ato atacado, o vício formal alegado, relacionado com a ausência de parecer prévio do Conselho Nacional de Saúde. O Decreto n. 3.860/2001, que prevê consulta prévia ao referido Conselho, diz respeito apenas aos cursos elencados em seu art. 27, que assim dispõe:

“Art. 27. A criação de cursos de graduação em medicina, em odontologia e em psicologia, por universidades e demais instituições de ensino superior, deverá ser submetida à manifestação do Conselho Nacional de Saúde. § 1º O Conselho Nacional de Saúde deverá manifestar-se no prazo máximo de cento e vinte dias, contados da data do recebimento do processo remetido pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação. § 2º A criação dos cursos de que trata o caput dependerá de deliberação da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, homologada pelo Ministro de Estado da Educação”.

5. Também não prospera a alegação de que o Ministro de Estado da Educação extrapolou sua competência ao reconhecer curso superior relativo à profissão ainda não regulamentada pelo legislador federal, a quem compete dispor sobre a matéria (art. 22, XVI, da CF). A regulamentação em lei da atividade profissional não constitui requisito para a existência de curso superior ou para a expedição de diplomas de curso universitário autorizado, o que seria incompatível como o próprio art. 5º, XIII, da CF, que eleva a liberdade profissional à categoria de direito fundamental. Tampouco a inexistência de órgão de classe pode constituir óbice ao exercício da profissão por aquele que cumpre todas as exigências de formação e habilitação, o que, aliás, não se cogita no presente caso, ante a existência do Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria – CBOO, entidade de classe de âmbito nacional, cujas atribuições incluem a de “representar os Ópticos e Optometristas (Optologistas) brasileiros, na defesa de seus direitos profissionais, sociais e econômicos;” (fls. 1383).

6. Questão bem diferente, alheia ao objeto do ato atacado, é a que diz respeito aos limites do campo de atuação dos optometristas e de eventuais excessos ou interferências indevidas de suas atividades com as próprias e exclusivas dos médicos oftalmologistas, considerado o que dispõem os Decretos ns. 20.931, de 11.1.1932 e 24.492, de 28 de junho de 1934, que regulam e fiscalizam o exercício da medicina. Ressalte-se, desde logo, que tais diplomas continuam em vigor. O ato normativo superveniente que os revogou (art. 4º do Decreto n. 99.678/90) foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI n 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal. A suspensão ou a anulação por vício de inconstitucionalidade da norma revogadora importa a vigência, ex tunc, da norma anterior por ela tida por revogada.

Em nosso sistema, de Constituição rígida e de supremacia das normas constitucionais, a inconstitucionalidade de um preceito normativo acarreta a sua nulidade desde a origem, razão pela qual a sentença que reconhece tal vício tem natureza declaratória, e não constitutiva. A inconstitucionalidade opera ex tunc, a significar que o preceito normativo inconstitucional jamais produziu efeitos jurídicos legítimos, muito menos o efeito revocatório da legislação anterior. Essa é orientação firmemente assentada no Supremo Tribunal Federal, como se verifica, v.g., no RE 259.339, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 16.06.2000 e na ADIn 652/MA, Min. Celso de Mello, RTJ 146:461. No que se refere à liminar, há dispositivo específico consagrador dessa doutrina, no art. 11, § 2º da Lei 9.868/99.


7. A profissão de optometrista está prevista em nosso direito desde 1932, pelo menos. A própria legislação invocada pelos Impetrantes previa, expressamente, o seu exercício. Assim, o art. 3º do Decreto 20.931/32, dispôs:

“Art. 3º – Os optometristas, práticos de farmácia, massagistas e duchistas estão também sujeitos à fiscalização, só podendo exercer a profissão respectiva se provarem a sua habilitação, a juízo da autoridade sanitária”.

O próprio artigo 38 do Decreto, ao proibir aos optometristas certas práticas, reconhece, de forma indireta, não apenas a existência da profissão, como também a legitimidade do exercício das demais atividades não incluídas na proibição. Diz o art. 38: “Art. 38 – É terminantemente proibido aos enfermeiros, massagistas, optometristas e ortopedistas a instalação de consultórios para atender clientes, público, onde será vendido judicialmente a requerimento da Procuradoria dos leitos da Saúde Pública e a quem a autoridade competente oficiará nesse sentido. O produto do leilão judicial será recolhido ao Tesouro, pelo mesmo

processo que as multas sanitárias.”

A profissão de optometrista está, atualmente, prevista e descrita na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego – TEM (Portaria n. 397, de 09.10.2002), em cujo item 3223, arrola-se como de sua especialidade:

“A – REALIZAR EXAMES OPTOMÉTRICOS

1. Fazer anamnese; 2. Medir acuidade visual; 3. Analisar estruturas externas e internas do olho; 4. Mensurar estruturas externas e internas do olho; 5. Medir córnea (queratonometria, paquimetria e topografia); 6. Avaliar fundo do olho (oftomoscopia); 7. Medir pressão intraocular (tonometria); 8. Identificar deficiências e anomalias visuais; 9. Encaminhar casos patológicos a médicos; 10. Realizar testes motores e sensoriais; 11. Realizar exames complementares; 12. Prescrever compensação óptica; 14. Recomendar auxílios ópticos; 15. Realizar perícias optométricas em auxílios ópticos.

B – ADAPTAR LENTES DE CONTATO.

1. Fazer avaliação lacrimal; 2. Definir tipo de lente; 3. Calcular parâmetros das lentes; 4. Selecionar lentes de teste; 5. Colocar lentes de teste no olho; 6. Combinar uso de lentes (sobre-refração); 7. Avaliar teste; 8. Retocar lentes de contato; 9. Recomendar produtos de assepsia; 10. Executar revisões de controle.

C – CONFECCIONAR LENTES

1. Interpretar ordem de serviço; 2. Fundir materiais orgânicos e minerais; 3. Escolher materiais orgânicos e minerais; 4. Separar insumos e ferramentas; 5. Projetar lentes (curvas, espessura, prismas); 6. Blocar materiais orgânicos e minerais; 7. Usinar materiais orgânicos e minerais; 8. Dar acabamento às lentes; 9. Adicionar tratamento as lentes (endurecimento, anti-reflexo, coloração, hidratação e filtros); 10. Aferir lentes; 11. Retificar lentes.

(omissis)

F – PROMOVER EDUCAÇÃO EM SAÚDE VISUAL

1. Assessorar órgãos públicos na promoção da saúde visual; 2. Ministrar palestras e cursos; 3. Promover campanhas de saúde visual; 4. Promover a reeducação visual; 5. Formar grupos multiplicadores de educação em saúde visual.

G – VENDER PRODUTOS E SERVIÇOS ÓPTICOS E OPTOMÉTRICOS.

1. Detectar necessidades do cliente; 2. Interpretar prescrição; 3. Assistir cliente na escolha de armações e óculos solares; 4. Indicar tipos de lentes; 5. Coletar medidas complementares; 6. Aviar prescrições de especialistas; 7. Ajustar óculos em rosto de cliente; 8. Consertar auxílios ópticos.

H – GERENCIAR ESTABELECIMENTO

1. Organizar local de trabalho; 2. Gerir recursos humanos; 3. Preparar ordem de serviço; 4. Gerenciar compras e vendas; 5. Controlar estoque de mercadorias e materiais; 6. Controlar estoque de mercadorias e materiais; 6. Controlar qualidade de produtos e serviços; 7. Administrar finanças; 8. Providenciar manutenção do estabelecimento.

Y. COMUNICAR-SE

1. Manter registros de cliente; 2. Enviar ordem de serviço a laboratório; 3. Orientar cliente sobre o uso e conservação de auxílios ópticos; 4. Orientar família do cliente; 5. Emitir laudos e pareceres; 6. Orientar a ergonomia da visão; 7. Solicitar exames e pareceres de outros especialistas.

6) RECURSOS DE TRABALHO

Queratômetro; Máquinas surfaçadoras; Lâmpada de burton; Filtros e Feltro; Lâmpada de fenda (biomicroscópio); Produtos para assepsia abrasivos; Retinoscópio; Lensômetro; Refrator; Oftalmoscópio (direto-indireto); Pupilômetro; Topógrafo; Caixas de prova e armação para auxílios ópticos; Calibradores; Alicates; chaves de fenda; Máquinas para montagem; Tabela de Projetor de Optótipos; Torno; Tonômetro; Corantes e fluoesceína; Soventes Polidores e lixas; Foróptero, Espessímetro, Moldes e modelos Títmus Resinas”.

Pode-se até questionar a respeito da legitimidade do exercício de algumas dessas atividades pelos optometristas, por configurarem atividades médicas típicas. Todavia, como bem acentuou o parecer do Ministério Público, não há dúvida quanto à legitimidade do exercício da maioria delas, algumas das quais, aliás, confundem-se com as de ótico, já previstas no art. 9º do Decreto 24.492/34. Ora, reconhecida a existência da profissão de optometrista, como se reconhece, e não havendo dúvida quando à legitimidade do seu exercício em certo campo de atividades, está caracterizada justificativa suficiente para considerar legítima a existência e o reconhecimento oficial de um curso próprio de formação profissional. E o ato atacado no presente mandado de segurança nada mais fez do que reconhecer o Curso Superior de Tecnologia em Optometria. Não foi seu desiderato dispor sobre o conteúdo das atividades próprias da profissão, matéria legislativa que não se comporta no âmbito da atividade administrativa do Ministro da Educação.

Em suma, ainda que se admitisse, para argumentar, que a ilegitimidade do exercício, por optometristas, de algumas das atividades previstas na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Portaria n. 397, de 09.10.2002), essa circunstância de modo algum permitiria a anulação do ato atacado pelos impetrantes. É que a Portaria n. 2.948, de 21.10.03, nada dispõe sobre as funções do profissional em optometria, de modo que, se alguma ilegalidade existe nas atribuições a ela conferidas pela CBO/2002, é imputação que não pode ser dirigida ao Ministro da Educação, mas sim à autoridade que expediu a Portaria n. 397, ou seja, ao Ministro de Estado do Trabalho e Emprego. E, ainda que procedente, a imputação não ensejaria a procedência do pedido formulado na impetração.

8. Ante o exposto, denego a segurança. É o voto.

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