Prisão preventiva

Porque uns ficam demais e outros ficam de menos na cadeia

Autor

7 de setembro de 2005, 14h35

Um segurança de 31 anos, acusado de roubar um celular, está detido desde abril. Seu advogado, Niedson Manoel de Melo, já entrou com três pedidos de relaxamento de prisão, dois pedidos de liberdade provisória, três Habeas Corpus e três pedidos de reconsideração de liminar. Todos negados.

O jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, réu confesso do assassinato da jornalista Sandra Gomide em 2000, aguarda desde então, em liberdade, o julgamento pelo crime que cometeu.

A Justiça que põe na cadeia o segurança acusado de roubar um celular e deixa em liberdade o jornalista que matou a ex-namorada é a mesma, o que aumenta dificuldade do cidadão entender a diferença de tratamentos e principalmente os critérios para a aplicação da prisão processual — aquela que é aplicada não para punir o culpado, mas como um instrumento para garantir o bom andamento do processo.

A partir daí é possível explicar porque se reclama em um caso e em outro. No caso de Pimenta Neves, o que se contesta é a demora do julgamento do caso e a eventual aplicação de uma pena de prisão ao culpado. No caso do segurança reclama-se do prolongamento de uma medida processual que acaba se transformando em punição para o réu que ainda não foi julgado. Ambas as situações ocorrem em função da lentidão da Justiça.

Em março desse ano, em julgamento de Habeas Corpus, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que nada justifica a permanência de uma pessoa na prisão sem que tenha sido julgada pelo crime do qual é acusada, mesmo que se trate de crime hediondo. O ministro acredita que o excesso de prazo “quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo”.

Para Celso de Mello, o excesso de prisão torna evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão e frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: “o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei”.

O prazo para encerramento do inquérito, denúncia e instrução penal em um processo é de 81 dias. Porém, o segurança já está preso há mais de quatro meses e a instrução ainda não foi concluída.

Nos 11 pedidos em favor de seu cliente, o advogado do segurança alega, entre outras coisas, excesso de prazo na manutenção do preso e falta de fundamentação do decreto de prisão. O advogado alega, ainda, que “não se pode admitir que esse excesso de prazo seja considerado razoável, tampouco a ineficiência da Administração justifique a prisão do denunciado. Os requisitos da primariedade, bons antecedentes, endereço fixo e profissão definida encontram-se preenchidos pelo mesmo”.

O juiz César Augusto Andrade de Castro, da 23ª Vara Criminal de São Paulo, que rejeitou os dois últimos pedidos da defesa, de liberdade provisória e relaxamento de prisão, afirmou que a irregularidade do “pequeno excesso de prazo ocorrido” não pode ser atribuída a ele, mas ao Poder Executivo que não propicia os meios materiais básicos e imprescindíveis à pronta prestação jurisdicional.

Andrade de Castro manteve a prisão justificando a preservação da coletividade contra “pessoas potencialmente perigosas” e por “ausência de constrangimento ilegal ao indiciado, que pudesse ser imputado a este juízo”. Analisando o segundo pedido da defesa ele se limitou a esclarecer: “Resistem as circunstâncias anteriores, impondo a manutenção ao indeferimento da pretensão”.

Segundo a advogada criminalista Flávia Rahal, conselheira da Aasp — Associação dos Advogados de São Paulo, mesmo no caso de prisão em flagrante, não se justifica que o acusado responda ao processo preso, ainda mais se for réu primário, tiver residência fixa e ocupação.

De acordo com a especialista, a prisão provisória só deve ser mantida se o acusado apresentar risco de fuga ou periculosidade evidente. Flávia explica que a Constituição garante a presunção de inocência até trânsito em julgado do processo.

Justiça para todos

O segurança foi preso no dia 20 de abril deste ano, ouvido em juízo em 9 de junho. No dia 29 de julho houve a audiência de instrução e apenas no dia 10 de outubro a defesa será ouvida. E enquanto tudo isso acontece o segurança é mantido preso mesmo sem ter sentença de condenação.

Como explica Tarcísio dos Santos, assistente jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo, a lei não estipula prazo certo para a duração da prisão preventiva ou em flagrante, mas já existe construção jurisprudencial e doutrinária sobre o tema. Nesses termos, o entendimento é o de que, se cumpridos religiosamente todos os prazos fixados no Código de Processo Penal, a restrição da liberdade não ultrapassaria 81 dias, entre a prisão e a sentença.


Para a prisão temporária existe regra (Lei 7.960/89), que determina cinco dias de reclusão, prorrogável por igual período. Se o crime for hediondo esse prazo é de 30 dias.

O caso do jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves já é emblemático quando se fala em morosidade e burocracia do Judiciário brasileiro. No mesmo ano do crime, Pimenta chegou a ter prisão preventiva decretada pela primeira instância e mantida pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. A defesa entrou com pedidos de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça e depois no Supremo Tribunal Federal. Em junho de 2001, decisão da 2ª Turma do STF derrubou o decreto de prisão preventiva.

Em 2000, Pimenta Neves foi pronunciado por homicídio duplamente qualificado, para ir a júri. A sentença de primeira instância acatou o pedido do advogado Luiz Fernando Pacheco que representa a família de Sandra. A defesa de Pimenta Neves entrou com recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a sentença de pronúncia. Depois a defesa entrou com Recurso Especial no STJ e Recurso Extraordinário no STF.

Para que os recursos subissem para Brasília deveriam passar antes por um despacho de admissibilidade do 2º vice-presidente do TJ paulista. Cabe a ele dizer se o recurso tem condições técnicas de subir ou não aos tribunais superiores. O desembargador não permitiu a subida dos recursos. Contra o despacho, a defesa de Pimenta entrou com dois Agravos de Instrumento que estão seguindo para Brasília.

Há algumas semanas o processo a que Pimenta responde por ter assassinado Sandra Gomide voltou para a primeira instância e ele pode ser levado a júri em breve. Isso se a defesa do jornalista não tentar suspender o júri alegando que ainda não foram julgados os Agravos de Instrumento interpostos contra despacho da 2ª vice-presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O advogado da família de Sandra não atribui a demora da solução do caso à infinidade de recursos impetrados pela defesa de Pimenta e sim à morosidade da Justiça. Ele defende que o Judiciário está despreparado para fazer frente a esse sistema de recursos.

Segundo Ivan Sartori, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, a súmula 52 do Superior Tribunal de Justiça determina que encerrada a instrução criminal, ainda que não tenha sentença, já não há mais que se falar em excesso de prazo.

Sartori lembra que os requisitos da prisão provisória, periculosidade, risco de fuga, ameaça à instrução penal, entre outros elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal devem ser observados pelo julgador do caso. Mas ele pondera que tem de se avaliar cada caso e tudo depende da apreciação e da subjetividade de cada juiz, pois a lei deixa margem para interpretações diferentes.

Para o desembargador, os grandes descompassos e contradições do Judiciário estão escorados na morosidade da prestação jurisdicional. Segundo Sartori, é preciso maior celeridade processual, com a estruturação do Judiciário e simplificação recursal no processo penal, sem ofender o direito de defesa.

Leia os dois últimos pedidos do advogado

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 23ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO PAULO

PROCESSO Nº 050.05.031223-5 (594/05).

XX, já consubstanciado nos autos da Ação penal que lhe promove a Justiça Pública, processo em epígrafe, por seu advogado que esta subscreve, vem à presença de V. Exa. expor e requerer, o seguinte.

1. O denunciado encontra-se preso desde 20 de abril de 2005, ou seja, há exatamente 3 meses e 3 semanas, ou ainda, 111 dias, já tendo inclusive sido interrogado em juízo em 29/06/05.

2. Entretanto, hoje foram ouvidos a suposta vítima bem como as testemunhas arroladas pelo Ministério Público, não havendo mais nenhum motivo intuitivo de prejuízo a instrução processual a ser argüido por parte do órgão de acusação.

3. Ressalta-se que, para a defesa do acusado XX os depoimentos da suposta vítima e das testemunhas de acusação não foram objetivas quanto à culpabilidade do mesmo na imputação que lhe é atribuída neste processo.

4. Além do mais, o lapso de tempo para a continuação da instrução (próxima audiência) induz claramente não se saber com precisão quando se dará o término da instrução e conseqüente formação da culpa. Ora, não se pode admitir que esse excesso de prazo seja considerado razoável, tampouco a ineficiência da Administração justifique a prisão do denunciado. Os requisitos da primariedade, bons antecedentes, endereço fixo e profissão definida encontram-se preenchidos pelo mesmo.

5. Acrescente-se que o último pedido de liberdade provisória por excesso de prazo foi indeferido porque no entender do insigne juiz havia necessidade de se ouvir primeiro a vítima e as testemunhas como garantia da instrução processual. Agora, no entanto, estes fatos já foram supridos.


Ante o exposto, reitera-se o pedido de relaxamento da prisão e/ou a concessão da liberdade provisória, por questão de JUSTIÇA.

P. deferimento

São Paulo, 9 de agosto de 2005.

NIEDSON MANOEL DE MELO

ADV. OAB/SP 166.031-A

Leia o último pedido

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 23ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO PAULO.

PROCESSO Nº 050.05.031223-5 – (594/05)

URGENTE

XX, já consubstanciado nos autos da Ação Penal que lhe promove a Justiça Pública, processo em epígrafe, por seu advogado que esta subscreve, vem perante V. Exa. expor e requerer o que segue.

1. Existem evidentes contradições entre as descrições do fato delituoso reportado na Denúncia em relação ao acusado XX confrontado com o depoimento prestado em juízo em 09/08/05 pela suposta vítima XY, pois, diferentemente do que consta na peça exordial acusatória o depoente foi enfático em afirmar que “não tem condições de reconhecer com precisão o co-réu XX”.

O insigne juiz há de se recordar que ainda na sala de reconhecimento ao serem exibidos os denunciados WW e XX, o Sr. XY tido no processo como vítima reconheceu de plano o denunciado WW, não reconhecendo o denunciado XX, não obstante as insistentes indagações do digno magistrado naquela oportunidade, fato presenciado pelo ilustre Promotor de Justiça e os advogados de defesa dos acusados.

2. Por conta disso, a autoria do delito em relação ao denunciado XX restou precária pela não confirmação em juízo da suposta vítima, impondo-lhe assim a condição de INOCENTE até o trânsito em julgado da eventual sentença penal condenatória, conforme emerge do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

Entretanto, no mínimo se instalou uma DÚVIDA em relação à culpabilidade do denunciado XX, e, dessa forma há que se argüir o princípio fundamental que norteia o direito penal, segundo o qual, “in dubio pro reo”, isto é, na dúvida absolve-se o réu.

Na clássica lição de JULIO FABBRINI MIRABETE, “Como a confissão e a prova testemunhal extrajudiciais, o reconhecimento de pessoa efetuado no inquérito tem um valor reduzido, e não absoluto, como prova”. (Processo Penal, Editora Atlas, pág. 304).

Nessa mesma linha de raciocínio converge FERNANDO CAPEZ, segundo o qual, “O inquérito policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença de um juiz de direito”. (Curso de Processo Penal, 10ª edição, Editora Saraiva, pág. 72).

Portanto, pelo que se depreende dos ensinamentos dos jurisconsultos acima, somente o reconhecimento do réu pela vítima em juízo tem valor probante, visto que o inquérito é mera peça de conteúdo informativo.

Por esta mesma óptica é a jurisprudência pacífica do Colendo Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal e do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Eis os precedentes:

EMENTA. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. CO-AUTORIA. RECONHECIMENTO DO RÉU PELA VÍTIMA EM JUÍZO. DÚVIDA. ABSOLVIÇÃO.

I – Tendo em vista que o reconhecimento, em juízo, do réu pela vítima, prova fundamental para justificar a respectiva condenação, não se encontrou revestido de certeza, faz-se, imperioso, absolvê-lo sob o mesmo entendimento empregado para a absolvição dos demais co-réus, qual seja, a insuficiência de provas (CPP, art. 386, VI).

II – A tão-só circunstância de a vítima haver reconhecido o paciente como um dos autores da infração, em sede de inquérito policial, não se afigura suficiente para justificar a respectiva condenação, quando, em juízo, a mesma vítima não demonstrou convicção no reconhecimento do suposto autor do delito, assim como não restou produzido, ao longo da instrução criminal, qualquer outro elemento probatório que pudesse comprovar a conduta delitiva atribuída ao denunciado. Ordem concedida.

(STJ, HC 23547 / SP, QUINTA TURMA, RELATOR MINISTRO FELIX FISCHER, DJ 25.08.2003 p. 333).

EMENTA. RESP – CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL PENAL – PROVA – PROCESSO – INQUERITO POLICIAL – A CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DISTINGUE PROCESSO E INQUERITO POLICIAL. O PRIMEIRO OBEDECE O PRINCIPIO DO CONTRADITORIO. O SEGUNDO E INQUISITORIAL. A PROVA IDONEA PARA ARRIMAR SENTENÇA CONDENATORIA DEVERA SER PRODUZIDA EM JUIZO. IMPOSSIVEL INVOCAR OS ELEMENTOS COLHIDOS NO INQUERITO, SE NÃO FOREM CONFIRMADOS NA INSTRUÇÃO CRIMINAL.

(STJ, REsp 55178 / MG, SEXTA TURMA, RELATOR MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJ 19.12.1994 p. 35338).

EMENTA. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE PESSOAS. DÚVIDA QUANDO DO RECONHECIMENTO DOS DENUNCIADOS PELA VÍTIMA EM JUÍZO. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS PRODUZIDAS COM OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. ABSOLVIÇÃO COMO ÚNICA SOLUÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O fato de a vítima haver reconhecido os pacientes como autores do delito na fase inquisitorial não se mostra suficiente para sustentar o decreto condenatório, principalmente quando em Juízo o reconhecimento dos denunciados não se realizou com convicção, além de não ter sido produzida, ao longo da instrução criminal, qualquer outra prova que pudesse firmar a conduta delitiva denunciada e a eles atribuída.

2. O inquérito policial é procedimento meramente informativo, que não se submete ao crivo do contraditório e no qual não se garante aos indiciados o exercício da ampla defesa, razão pela qual impõe-se, na hipótese, a absolvição dos denunciados.

3. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória.

(HC 39192 / SP, QUINTA TURMA RELATOR MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ 01.07.2005 p. 575).

“Não se justifica decisão condenatória apoiada exclusivamente em inquérito policial pois se viola o princípio constitucional do contraditório”. (STF, RTJ, 59/786).

“O inquérito é peça meramente informativa, destinada tão-somente a autorizar o exercício da ação penal. Não pode, por si só, servir de lastro à sentença condenatória, sob pena de infringir o princípio do contraditório, garantia constitucional”. (JTACrimSP, 70/319).

3. Note-se ainda, que a situação do denunciado WW é bem diferente em relação ao denunciado XX, pois este último é primário e não teve confirmado o reconhecimento pela vítima. Logo, o indeferimento reportado as fls. 259 acatando o parecer ministerial de fls. 253/255, não pode prevalecer “data venia” em relação ao denunciado.

Posto isto, considerando estes fatos novos, requer-se a V. Exa. o RELAXAMENTO DA PRISÃO do denunciado XX, como medida de salutar justiça.

P. deferimento.

São Paulo, 24 de agosto de 2005.

NIEDSON MANOEL DE MELO

ADV. OAB/SP 166.031-A

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!