Contrato de aluguel

TJ paulista diz que bem de família de fiador é impenhorável

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3 de setembro de 2005, 13h50

A Justiça paulista reconheceu a impenhorabilidade de imóvel residencial de fiador em contrato de aluguel. A decisão, da 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, vai ao encontro do entendimento do ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, que decidiu que imóvel de fiador é impenhorável.

Em seu voto, o desembargador do TJ paulista e relator da matéria Lino Machado considerou que, como o contrato de locação se destinava exclusivamente para fins não residenciais, considerar penhorável o imóvel do fiador violaria a Emenda Constitucional 26, de 2000, que reafirmou o direito à moradia como direito fundamental.

A emenda inclui na Constituição Federal o artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Segundo Machado, neste caso, se a fiança é destinada a garantir locação não residencial, o dispositivo legal que excluiu a moradia do fiador da lista de impenhoráveis é inaplicável. Ele se refere ao inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009, de 1990, que foi inserido pelo artigo 82 da Lei 8.245, de 1991, conhecida como lei do inquilinato. O inciso incluído estabelece que o imóvel do fiador em contrato de locação, sendo bem de família ou não, pode ser penhorado sim.

O desembargador Lino Machado, no entanto, argumentou que ele mesmo tem aceitado a penhorabilidade de imóvel de fiador em contrato de locação residencial. “Tenho feito por considerar que a excepcionalidade desfavorável ao fiador não ofende o princípio da igualdade e está em conformidade com a finalidade de incentivar a oferta de moradias, uma vez que a maior facilidade de o locatário oferecer garantia facilita a locação de imóvel para residir com sua família”.

O entendimento foi firmado em apelação interposta pelos advogados Carlos Cyrillo Netto e Alan Bousso, do escritório Cyrillo Advogados Associados.

Leia a íntegra do voto do relator

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 789.652.0/6

VOTO Nº 5.874

Apelante: Cléo Francisco Garrafa; Ana Maria Filizzola Barbosa Garrafa

Apelado: Wilma Anna Mota D’Oliveira

Parte: Mário Hirose

Comarca: São Paulo (17ª Vara Cível – Proc. 95.483/02)

Apelação — Locação de imóvel não residencial — impenhorabilidade — Bem de família — Argüição posterior ao recurso.

Tratando-se de locação não residencial, é impenhorável o imóvel residencial dos fiadores, matéria apreciável de ofício, o que faz possível acolhimento de argüição feita depois de interposto o recurso — Se os embargantes foram vencidos quanto à matéria objeto dos embargos à execução, de manter-se sua condenação nos encargos de sucumbência.

Apelação improvida, mas acolhida argüição posterior de nulidade da penhora

Vistos.

Apelação dos embargantes inconformados com r. sentença de fls. 21/23, que julgou parcialmente procedentes os embargos à execução de aluguéis e encargos da locação de imóvel. Argúem os apelantes ser excessiva a multa de dez por cento, superior á permitida pelo art. 52, do CDC, bem como indevidos, diante da dupla sucumbência, os honorários advocatícios aos quais foram condenados. Vieram contra-razões em defesa da inalterabilidade do julgamento proferido.

É o relatório.

Uma vez que a penhora produz efeitos enquanto não desconstituída, é possível o exame das questões suscitadas nos embargos mesmo que o ato restritivo venha a ser anulado, desde que compatíveis com a anulação.

Em sua cláusula 4ª, § 1º, o contrato de locação estipulou multa moratória de 10% sobre o aluguel e os encargos se o atraso superar 30 dias (fl. 9 dos autos apensos). Não aplicável o CDC, por não se tratar de relação de consumo a ora sob exame, de aplicar-se o pactuado pelas partes.

A argüição de impenhorabilidade do imóvel no qual residem os embargantes (a embargada não impugnou a afirmação de ser o imóvel penhorado residência deles, pelo contrário, ao propor a execução os apontou como ali residentes) pode ser argüida a qualuqer tempo, apreciável que é de ofício (ver Theotonio Negrão, com a colaboração de José Roberto Ferreira Gouvêa, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 37ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, nota 19 ao art. 649 e nota 14 ao art. 741, do CPC).

Tenho sustentado que o art. 6º da CF, na redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 200, que consagra a moradia como direito social, não revogou o inciso VI do art. 3º da lei 8.009/90, introduzido pelo art. 82 da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, e o tenho feito por considerar que a excepcionalidade desfavorável ao fiador não ofende o princípio da igualdade e está em conformidade com a finalidade de incentivar a oferta de moradias, uma vez que a maior facilidade de o locatário oferecer garantia facilita a locação de imóvel para residir com sua família (veja-se, no sentido do texto, decisão monocrática proferida pelo Min. Cezar Peluso na Ação Cautelar 477/SP, datada de 26 de novembro de 2004, DOJ de 3/12/04, pág. 51, na qual se lê: “Inconvincente a reclamação. A este juízo prévio e sumário aparece infundada a alegação de que a constrição do bem de família do autor violaria o disposto no art. 6º da Constituição da República. É que o reforço das garantias prestadas nos contratos de locação — ratio iuris da exceção à impenhorabilidade do bem de família, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 29.03.1990 — também tem por objetivo favorecer à implementação do genérico direito constitucional à moradia. De modo que, sob tal prisma, suposto o imóvel de autor possa ser levado á praça (art. 588, inc. II, do CPC, com a redação da Lei nº 10.444, de 07.05.2002), não encontro razoabilidade jurídica à pretensão (art. 798 do CPC)”).

No entanto, no caso sob exame, a fiança foi concedida em locação para fins exclusivamente não residenciais (ver o contrato a fls. 9/14 dos autos apensos; cláusula 2ª, caput). Sendo assim, considerar o imóvel dos fiadores suscetível de penhora seria clara ofensa à Emenda Constitucional nº 26/00, que visa à proteção do direito de moradia e não do direito de exercício de atividade empresarial. Se a fiança foi outorgada para garantia de locação não residencial, inaplicável, contra os fiadores, o dispositivo legal que exclui sua moradia da impenhorabilidade. Aliás, com maior amplitude, diz o Min. Carlos Velloso, no RE 352.940-4, São Paulo, que a ressalva trazida pelo art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, na redação que lhe deu o art. 82 da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, ”feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais”, além de não ter, também, sido recepcionado pelo art. 6º da Constituição da República na redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 26/00.

A prova de que os executados residem no imóvel penhorado com sua família está dada pela própria inicial da execução, que os aponta como nele residentes (fls. 2, 41 e 70 dos autos apensos).

Tendo em conta a ínfima sucumbência da embargada nos embargos à execução na r. sentença recorrida o fato de que a impenhorabilidade do imóvel residencial dos embargantes somente veio a ser argüida depois da apelação, ficam mantidos os encargos de sucumbência tal como atribuídos aos embargantes pela r. sentença.

Por conseguinte, nego provimento à apelação, mas acolho a posterior argüição de nulidade da penhora para declarar nulo o ato de constrição, diante da impenhorabilidade do imóvel penhroado.

Lino Machado

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