Inteligência regulamentada

Rio sai na frente na criação de varas de Propriedade Intelectual

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3 de setembro de 2005, 13h43

Nove anos depois da aprovação da Lei 9.279/96 que estabeleceu as regras de Propriedade Intelectual, a Justiça Federal do Rio de Janeiro é a única unidade da federação a contar com uma estrutura judicial especializada no assunto. São quatro varas especializadas em marcas e patentes, criadas em 2001, e duas Turmas para decidir questões desta matéria, criadas neste ano.

“Ponto para o Judiciário fluminense, que percebeu a importância estratégica da Propriedade Intelectual no mundo contemporâneo. Certamente, o êxito dessa idéia fará com que os outros Estados da Federação tomem providência semelhante”, diz o advogado Bruno Aronne, associado do Nelson Schver Advogados.

Há uma boa explicação para o fenômeno: o INPI — Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o órgão federal que regula e administra o assunto com sede no Rio, é uma das únicas autarquias federais com sede fora de Brasília. Os escritórios especializados acabaram sendo construídos ao redor do instituto. Com isso se desenvolveu uma cultura de valorização da Propriedade Intelectual.

Criadas as condições locais, a Justiça Federal do Rio tratou de atender ao que dispõe o artigo 241, da Lei 9.279/96, que autoriza o Poder Judiciário “a criar juízos especiais para dirimir questões relativas à propriedade intelectual”.

A juíza Márcia Maria Nunes, titular da 37ª Vara Federal Especializada em Assuntos de Previdência e Propriedade Industrial explica que antigamente os processos de Propriedade Industrial (concessão de marcas e patentes, registro de desenho industrial, registro de marca, concorrência desleal) eram centralizados numa vara cível, junto com todas as ações.

Com o aumento de número de processos, viu-se a necessidade, em 2001 de centralizar essas causas em varas especializadas, para prestação mais eficiente do serviço. Assim, ficaram com a responsabilidade os juízes das 35ª, 37ª, 38ª e 39ª Varas Federais do Rio. Nas quatro varas, em julho de 2005, foram contabilizados 660 processos sobre o tema, ainda em trâmite. No Tribunal Regional Federal da 2ª Região, são milhares de ações.

A juíza entende que a especialização das varas possibilitou “o aperfeiçoamento dos julgadores e servidores, e conseqüentemente maior efetividade na entrega da prestação jurisdicional, o que satisfaz os interesses de administração da Justiça, dos advogados e agentes da propriedade industrial, dos titulares de direito sobre a propriedade industrial, e de toda a sociedade”.

O desembargador federal André Fontes, da 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, destinada a questões de matéria penal, previdenciária e propriedade industrial e intelectual, acredita que a especialização do Judiciário na área de propriedade intelectual se deve, principalmente aos advogados associados da ABPI — Associação Brasileira de Propriedade Intelectual.

“Os advogados da associação sempre pediram a instalação das Turmas. Isso foi feito em primeiro grau e este ano no Tribunal Regional Federal. Além disso, encontros, seminários, debates geraram essa preocupação.”

De acordo com o desembargador, a 1ª e 2ª Turmas do TRF-2 receberam neste ano, aproximadamente mil processos. A pauta da 2ª Turma está praticamente zerada. “O TRF-2 promoveu uma série de cursos de especialização, inclusive de pós-graduação para que juízes e desembargadores pudessem entender melhor o assunto. Houve, inclusive, aumento da biblioteca e concentração da Jurisprudência”.

Bruno Aronne, com atuação em Direito Processual Civil, Direito Civil e Direito de Propriedade Intelectual, considera que a criação do juízo de matéria específica “permitiu a celeridade e a congruência da jurisprudência no assunto, o que nem sempre acontecia antes. Essa transformação se deve principalmente ao fato de que as varas especializadas ficam próximas entre si e de que seus juízes estão bem preparados para dirimir os conflitos”.

De acordo com a juíza Márcia Maria Nunes, titular de uma das varas especializadas do Rio, com aproximadamente 300 processos sobre o tema, já se justifica a criação. “Não é só a quantidade de processos, mas a importância do assunto para o interesse público que justifica a criação dessas varas”.

A juíza defende que, São Paulo e Rio Grande do Sul deveriam criar juízos especiais, já que grande parte da produção industrial está nestes estados.

Terceira Região

O juiz federal Paulo Sérgio Domingues, diretor do foro da seção judiciário de São Paulo e ex-presidente da Ajufe — Associação dos Juízes Federais do Brasil, ainda não defende a criação das varas especializadas, mas acredita que se instaladas, podem ser úteis.

“Precisamos terminar o levantamento [número de processos em que o INPI figura como parte] para saber quantas varas precisarão ser criadas. Há estudo em andamento no TRF da 3ª Região. Com o resultado, é viável dizer que no próximo ano já teremos alguma novidade nesse sentido”.

A idéia de Domingues é estruturar estes juízos de forma diferenciada. “A lei autorizou a criação de juízos especiais, o que não significa dizer vara especializada. Pode ser um tipo de juízo que se tenha uma câmara de conciliação. Estamos discutindo a interpretação da lei. Creio que esta norma nos oferece algo mais”.

O juiz também explica que o tribunal precisa consolidar a jurisprudência sobre competência para julgar ações envolvendo o INPI, fora do Rio de Janeiro.

Para o ex-presidente da Ajufe, a relevância do tema não justifica a criação de uma vara especializada. “Todos os temas são importantes e não devem ser tratados de forma diferenciada. Não se pode ter uma vara com 100 processos e outra com milhares, simplesmente pela importância da matéria”.

Sônia D’Elboux, advogada da área de propriedade intelectual em São Paulo, diz não ser “favorável à criação de varas especializadas neste momento, mas sim à maior difusão da Propriedade Intelectual, que deveria ser disciplina obrigatória nas faculdades de Direito”.

“O problema que enfrentamos hoje, sem as varas especializadas, é decorrente da falta de conhecimento da matéria pelos juízes, pois Propriedade Intelectual não é uma disciplina obrigatória no curso de Direito e são raríssimas as faculdades que a incluem na grade. Além disso, como é pequeno o número de processos envolvendo questões de PI, os juizes têm pouquíssimas oportunidades de julgar ações versando sobre essa área do Direito e, conseqüentemente, não se aprofundam no assunto”, observa a advogada.

“Com a criação de varas especializadas, os casos serão julgados por juízes que deverão se dedicar ao estudo do tema em profundidade e que se beneficiarão da experiência adquirida o julgamento de muitos casos semelhantes — esse é o lado positivo. Por outro lado, justamente pelo pequeno número de casos, somente seria possível a criação de uma ou, no máximo duas varas especializadas e, com isso, a posição desses dois juízes (ou quatro, considerando-se os substitutos) sobre as questões de PI será absolutamente dominante em primeira instância”.

O advogado Sérgio de Paula Emerenciano, associado do Emerenciano, Baggio e Associados – Advogados, explica que “a especialização é uma tendência moderna da sociedade. Não é justo exigir de um juiz conhecimento de todos os assuntos. Vejo a criação dessas varas como vantajosa para as empresas a para a sociedade como um todo. Elas vão garantir maior especialização dos profissionais e eficiência na prestação jurisdicional”.

“A criação do juízo especial está previsto desde 1996. Se passaram 9 anos e o único estado em que contamos com esse tipo de vara é o Rio de Janeiro. Não vejo porque não tê-las em São Paulo, uma vez que o estado é o carro chefe empresarial do país”.

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