Estatuto do idoso

Juíza manda pagar direitos apurados em ação que já dura 16 anos

Autor

1 de setembro de 2005, 12h36

Idoso tem direito de pagamento imediato de direitos apurados em processo trabalhista. A decisão é da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes determinaram que um senhor de 83 anos de idade receba os valores reconhecidos em ação ajuizada há 16 anos e que ainda se arrasta na Justiça do Trabalho.

Para o TRT paulista, o novo texto da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional 45/04 — Reforma do Judiciário — assegura a todos os cidadãos a razoável duração do processo. “A longevidade do processo (16 anos), a esse ponto, já passa a configurar risco para o Estado”, observou a relatora do recurso, juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva.

Por maioria, os juízes autorizaram a liberação imediata dos R$ 106 mil devidos ao trabalhador pela empresa Braskote Revestimentos e Pinturas. A informação é do TRT de São Paulo.

O processo começou a tramitar em 1989, quando o ex-empregado da Braskote entrou com ação na 8ª Vara do Trabalho de São Paulo. Ele pedia as verbas não quitadas na rescisão do contrato de trabalho.

A primeira instância julgou o pedido parcialmente procedente. A empresa não recorreu e o processo entrou em fase de execução. A Braskote não quitou a dívida e a primeira instância determinou a penhora dos bens. A empresa questionou a penhora em dois recursos para a segunda instância.

O leilão do patrimônio não teve resultado. O trabalhador pediu à 8ª Vara do Trabalho o bloqueio de contas bancárias da Braskote e de seus sócios. A primeira instância não autorizou o levantamento do valor, pois a empresa entrou com novo recurso (Embargos à Execução) no TRT paulista.

Inconformado, o autor da ação impetrou Mandado de Segurança, pedindo a imediata liberação do dinheiro. A juíza Wilma Nogueira afirmou que “tendo em vista a condição etária especialíssima do exeqüente (83 anos)”, deve ser determinada a liberação imediata do valor, com fundamento no artigo 71 do Estatuto do Idoso.

O texto assegura “prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância”.

Leia a íntegra do voto

PROCESSO TRT/SP Nº 11309200400002006 (1309/2004-6)

MANDADO DE SEGURANÇA

IMPETRANTE: ALFREDO PIGOZZI

IMPETRADO: ATO DO EXMO. SR. JUIZ DO TRABALHO DA MM. 8ª VT/SÃO PAULO

LITISCONSORTE: BRASKOTE REVESTIMENTOS E PINTURAS LTDA.

MANDADO DE SEGURANÇA – liberação DE valor incontroverso – periculum in mora em razão da idade – art. 5º, lxxviii, da constituição federal. Trata-se de mandado de segurança em processo que se arrasta há 16 anos, cujo impetrante-exeqüente, já com 83 anos de idade, procura obter a liberação imediata do valor da execução, pendente agravo de petição contra a decisão de bloqueio da conta corrente da executada. Sendo inconcebível que, em execução definitiva, não se tenha um valor incontroverso, obstar o levantamento dessa parcela implica ofensa ao art. 897, § 1º, da CLT, além de, ante a peculiaridade do caso, também lesão ao artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, bem como ao art. 71 da Lei nº 10741/03 (Estatuto do Idoso).

Segurança concedida.

Voto divergente prevalecente

Adoto o relatório do Exmo. Juiz Relator, tal como se transcreve na íntegra, a seguir:

“ALFREDO PIGOZZI impetra mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato do Exmo. Sr. Juiz do Trabalho da MM. 8ª VT/São Paulo, que indeferiu o pedido de levantamento de numerário penhorado na conta corrente da sócia da executada, antes do trânsito em julgado dos embargos à execução opostos.

Síntese dos Fatos: em reclamação trabalhista que move em face de Braskote Revestimentos e Pinturas Ltda., julgada parcialmente procedente (fls. 27/31), operou-se o trânsito em julgado da mesma face à ausência de recurso (fls. 34).

Efetivada a penhora (fls. 38), seguiram-se embargos à execução opostos pela empresa, sem sucesso (fls. 39). Interposto agravo de petição (fls. 40/43), foi-lhe negado provimento (fls. 44), com trânsito em julgado da referida decisão (fls. 49).

Designado o praceamento dos bens penhorados (fls. 50), restou negativo (fls. 53/54). Posteriormente, foi requerido o bloqueio das contas da executada e respectivos sócios, tendo sido deferido o pedido (fls. 71/72), culminando na constrição de R$105.964,04 (cento e cinco mil, novecentos e sessenta e quatro reais e quatro centavos).

Entretanto, ao requerer o levantamento do numerário, a d. Autoridade impetrada indeferiu o pedido, sob argumento de que existiam embargos à execução (fls. 120/127), cuja sentença não havia transitado em julgado (fls. 138). Eis o ato atacado.

Requer a concessão de liminar para que seja determinado o imediato levantamento da quantia penhorada.

Atribuiu à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Procuração e documentos, às fls. 11/170.

Citação do litisconsorte, às fls. 176, sem manifestação.

Informações da d. Autoridade impetrada, às fls. 177/178.

Liminar indeferida, às fls. 179.

Parecer Ministerial, às fls. 181/182, opinando pela denegação da segurança.

É o relatório”.

V O T O

Conheço do mandado de segurança, por presentes os pressupostos legais de sua admissibilidade.

Como relatado, insurge-se o impetrante contra ato do Exmo. Sr. Juiz do Trabalho da MM. 8ª VT/São Paulo, que indeferiu o pedido de levantamento de numerário penhorado na conta corrente da sócia da executada, antes do trânsito em julgado dos embargos à execução opostos. De acordo com as informações prestadas pela d. Autoridade tida como coatora, encontra-se pendente de julgamento o agravo de petição em embargos à execução opostos pela executada, cujo objeto envolve discussão relativa à totalidade da penhora incidente sobre numerário depositado na conta corrente do sócio. A documentação juntada às fls. 146/156 revela a existência de pedido formulado em agravo de petição para que a execução fosse suspensa, além de reiterar a discussão instaurada nos aludidos embargos, objetivando a desconstituição do bloqueio da conta corrente, com insurgência contra a desconsideração da personalidade jurídica da executada e alegação de excesso de penhora.

No entanto, a verificação dos autos igualmente revela tratar-se de ação incidental em processo que se arrasta há 16 (dezesseis) anos. O impetrante-exeqüente conta com 83 anos de idade e busca a segurança para obter a liberação imediata do valor da execução pendente do julgamento de agravo de petição interposto contra a decisão de bloqueio da conta corrente da executada.

O voto do eminente Juiz Relator está lavrado no sentido de que, por depender da solução a ser dada no julgamento do recurso interposto, não haveria direito líquido e certo do impetrante ao imediato levantamento, ainda que incontroverso o valor depositado. Esse entendimento, com a devida vênia, além de não se amoldar ao disposto no art. 897, § 1º,da CLT, dissente da jurisprudência desta Corte, de que é exemplo a ementa a seguir transcrita:

Mandado de segurança levantamento de valores incontroversos se a execução é definitiva e existem cálculos reconhecidos pela executada como incontroversos, não há por que não se deferir levantamento de tal valor, conforme preconizado na súmula de jurisprudência do tribunal regional do trabalho desta região: ” nº 001: Execução trabalhista definitiva. Cumprimento da decisão. O cumprimento da decisão se dará com o pagamento do valor incontroverso em 48 horas, restando assim pendente apenas controvertido saldo remanescente, que deverá ser garantido com a penhora.” segurança que se concede. (TRT 2ª R. – MS 03120/2001-1 – (2003003485) – SDI – Rel. Juiz Nelson Nazar – DOESP 11.03.2003).

Saliente-se, ademais, a impossibilidade de se conceber que, em execução definitiva de processo que tramita há tanto tempo, não se tenha um valor incontroverso, como se infere das informações de fls. 177/178, ratificadas no d. parecer de fls. 181/182.

Entendo, pois, que assiste razão ao impetrante. Com efeito, tendo em vista a condição etária especialíssima do exeqüente (83 anos), considero legítima a divergência, com a devida vênia, a fim de que se conceda a segurança para a liberação imediata do valor incontroverso, com fundamento no art. 71 do Estatuto do Idoso, cujo texto é o seguinte:

Lei nº 10741/03

Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.

§ 1º O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo, fazendo prova de sua idade, requererá o benefício à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do processo.

§ 2º A prioridade não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos.

§ 3º A prioridade se estende aos processos e procedimentos na Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, ao atendimento preferencial junto à Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal em relação aos Serviços de Assistência Judiciária.

§ 4º Para o atendimento prioritário será garantido ao idoso o fácil acesso aos assentos e caixas, identificados com a destinação a idosos em local visível e caracteres legíveis.

Além do fator etário, quanto ao impetrante, há de considerar igualmente a longevidade do processo (16 anos) que, a esse ponto, já passa a configurar risco para o Estado, ante o acréscimo do inciso LXXVIII, feito pela Emenda Constitucional nº 45/2004 no artigo 5º da Carta Magna, pelo qual se inseriu no rol dos direitos fundamentais disposição no sentido de que a todos os cidadãos, indistintamente, são assegurados, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Sob esse aspecto, o periculum in mora decorrente da idade avançada do exeqüente resulta qualificado pela acentuação do risco administrativo de responsabilização objetiva da União pela excessiva duração do feito. Já quanto ao fumus boni juris, não pode haver a menor dúvida, não sobre a existência da mera fumaça, mas sim, do pleno direito constituído e ratificado em todas as instâncias e do qual o impetrante pretende, tão-somente, a liberação do valor incontroverso já depositado.

Dessa forma, caracterizando-se a lesão ao artigo 5º, LXXVIII, da Constituição da República, bem como à Lei nº 10741/03, impõe-se, a concessão da segurança a fim de que seja autorizado o imediato levantamento da quantia incontroversa depositada como garantia do juízo

Pelo exposto, concedo a segurança para, nos termos da fundamentação, determinar a liberação imediata, ao impetrante, do valor incontroverso da execução que se processa nos autos originários.

Custas isentadas, ex vi do art. 790-A da CLT.

WILMA NOGUEIRA DE ARAÚJO VAZ DA SILVA

Juíza Relatora Designada

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!