Lei dos Juizados

MP do Bem viraria MP do Mal com mudança na Lei dos Juizados

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27 de outubro de 2005, 19h29

por Arnaldo Esteves Lima

A imprensa noticiou, recentemente, a existência da Medida Provisória 252/2005, adotada pelo senhor Presidente da República e submetida ao Congresso Nacional – art. 62/CF. O sugestivo apelido “do bem” leva a crer que ela contempla proposições que visam minorar encargos tributários, burocráticos etc., tudo para facilitar o incremento, ainda maior, do desenvolvimento econômico nacional, que, felizmente, vem ocorrendo. Um aspecto, no entanto, chamou a atenção. É aquele relativo à alteração dos pagamentos das Requisições de Pequeno Valor – RPVs, resultantes da Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais.

Em artigo intitulado “JUDICIÁRIO: Morosidade X Avanços”, publicado na imprensa em outubro de 2002, época em que exercia a honrosa Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, após abordar dificuldades que emperram a solução das demandas, incluindo-se a tradicional e anacrônica forma de pagamentos por precatórios, dos débitos da Fazenda Pública, oriundos de condenações judiciais – art. 100/CF, consignei, na segunda parte, os avanços, o que vale relembrar, neste momento crucial, em que há ou houve prenúncio de retrocesso institucional, no particular. Escrevemos, então:

Progressos, todavia, no ponto, vêm ocorrendo, e de cunho social altamente expressivo.Com efeito, a EC nº 20/98 acrescentou ao artigo 100 o § 3º, que diz:

"O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual e Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado".

Abriu-se aí a perspectiva da dispensa de precatórios para o pagamento de valores pequenos, como tais definidos em lei.

Sobreveio a Lei nº 10.099, de 19 de dezembro de 2000, cujo artigo 1º, ao modificar a redação do artigo 128, da Lei nº 8.213/91, que anteriormente havia sido alterado pela Lei nº 9.032/95, dispôs que o referido preceito passaria a vigorar com a seguinte redação:

”As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valores de execução não superiores a R$ 5.180,25 (…) por autor poderão, por opção de cada um dos exeqüentes, ser quitadas no prazo de até sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade da expedição de precatório".

Posteriormente, a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, ao instituir os Juizados Especiais Federais, fixou – artigos 3º e 17, § 1º, combinados –, novo parâmetro, a fim de estabelecer um limite para as obrigações definidas como de pequeno valor – CF, art. 100, § 3º.

Tal limite passou a corresponder a sessenta salários mínimos (R$ 12 mil).

Foi um avanço significativo, pois os respectivos credores, normalmente segurados do INSS e grande parcela de servidores públicos – justamente aqueles que percebem menor remuneração – não mais se sujeitam, quando a obrigação se situa em tal limite, à penosa via do precatório para receber os créditos resultantes de decisões judiciais.

A aparente singeleza da matéria oculta o seu expressivo significado social, dado o elevado número de beneficiários, exatamente aqueles, em regra, materialmente mais necessitados.

A EC nº 30/2000 introduziu novas alterações e acréscimos ao referido artigo 100, e, ainda, ao artigo 78, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, sendo oportuno registrar que, desta feita, pelo menos dois benefícios trouxe, quais sejam, a definição de débitos de natureza alimentícia e a determinação para se atualizar o valor requisitado na data do pagamento.

Por outro lado, introduziu desvantagens, sobressaindo-se o parcelamento de determinadas obrigações em até dez anos, matéria, no entanto sub judice perante o egrégio STF (ADIs n. 2.356-0 e 2.362-4, ambas da relatoria do eminente Ministro NÉRI DA SILVEIRA, recentemente aposentado).

Não fossem as alterações apontadas, todas as dívidas, independentemente de seus valores, se submeteriam a tal regra, o que, aliás, ocorria antes da edição da Lei nº 10.099/2000, quando irrisórios valores eram requisitados aos órgãos devedores através de tal procedimento, registrando-se que, em casos não raros, os papéis utilizados para formar o precatório ficavam mais caros que o próprio crédito! Verdadeira irracionalidade.

É oportuno registrar que o Conselho da Justiça Federal, órgão de supervisão administrativa e financeira (CF, 105, parágrafo único), que presta, discretamente, diga-se de passagem, inestimáveis serviços ao Judiciário, particularmente, à Justiça Federal, aprovou a Resolução nº 258, de 21/03/02, alterada pela de nº 270, de 08/08/02, regulamentando os procedimentos referentes às requisições de pagamento de somas a que a Fazenda Pública for condenada, especialmente, as chamadas Requisições de Pequeno Valor – RPVs, cujo montante atualizado não seja superior ao limite de 60 (sessenta) salários mínimos, facultando-se, inclusive, a utilização de meio eletrônico na sua requisição, o que já vem sendo observado, por exemplo, no TRF da 2ª Região, com inúmeros benefícios.

Destarte, a dívida de valor igual ou inferior a doze mil reais, decorra a condenação de julgamento de Juizado Especial Federal ou de Juízos outros, uma vez transitada em julgado a decisão, terá o seu pagamento efetuado, no máximo, em sessenta dias, adotando-se, para obtê-lo, procedimento seguro, porém, simplificado, buscando a máxima eficiência na sua realização.

Com certeza, no âmbito da Justiça Federal, mais de 80% (oitenta por cento) das dívidas pecuniárias resultantes de condenações impostas à UF, suas autarquias e fundações públicas – incluindo-se a ECT, que, embora sendo empresa pública, por peculiaridades específicas, beneficia-se, também, do precatório, conforme jurisprudência do egrégio STF (cf. RE nº 229.444, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO, julgado em 19/6/2001, 2ª T, v.u. pub. in DJ de 31/8/2001) –, situam-se per carpita, em patamar inferior ao limite de 60 s.m., tal significando que seu pagamento subordina-se a este novo, justo e avançado modelo, ora enfocado, e assim o qualifico, ao compará-lo com o injusto e anacrônico precatório tradicional.

É importante assegurar tal conquista, altamente expressiva – dos cidadãos, exatamente aqueles mais carentes, que vêm a juízo –, acrescida dos inovadores Juizados Especiais, devendo a comunidade, especialmente a jurídica, envidar esforços para o seu constante aprimoramento, rechaçando-se, por óbvias razões, quaisquer tentativas de retrocesso, pois a novidade vem produzindo, no seu limiar, especialmente na esfera federal, ótimos resultados, registrando-se que os pagamentos, no TRF-2, exemplificativamente, em tais hipóteses, têm sido feitos no prazo médio de 30 (trinta) dias após a entrada da RPV no Tribunal, quando a lei o estabelece em até 60 (sessenta) dias, após o trânsito em julgado da respectiva decisão.

Há, como se vê, avanços evidentes, embora muito e muito esteja por fazer. Para quem convive de perto com os pagamentos via precatórios, não será demais acentuar que o salto, no pertinente, foi quilométrico e de um cunho social altamente expressivo. Há razões para otimismo. Com certeza, o Judiciário Nacional não está tão longe de prestar jurisdição, seu dever precípuo, em tempo razoável, vindo de encontro, assim, ao justo direito e anseio da sociedade brasileira, sem se esquecer do empenho diuturno da Magistratura, do Ministério Público e da nobre classe dos Advogados, bem como dos servidores, todos engajados e sequiosos pela consecução de tão acalentado objetivo.

Adveio, em bom momento e de forma louvável, a aprovação, pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, de nota técnica contra a mudança na Lei dos Juizados Especiais Federais, a qual foi encaminhada aos senhores Presidentes da República, da Câmara e do Senado Federal (Notícias do STF, 18/10/2005).

Que venham MP “do bem”, leis “do bem”. Serão bem-vindas, mesmo porque é inconcebível que a lei não tenha tal conotação, seja ela qual for, pois seu fim deve ser, sempre, atender às necessidades sociais. Que não se alterem, todavia, as Requisições de Pequeno Valor, salvo para melhor, pois, do contrário, o seu qualificativo será “do mal”, “do retrocesso”, na contramão, inclusive, do propósito da EC 45/05 (Reforma do Judiciário), cujo pano de fundo é a sua melhoria, e não a piora, óbvio.

Sem embargo da confiança nas autoridades máximas do país, que, certamente, alertadas, evitarão o pior, devemos, entretanto, manter-nos vigilantes, como fez o CNJ.

Arnaldo Esteves Lima é ministro do Superior Tribunal de Justiça.

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