Prêmio protelatório

Prescrição de crimes no Brasil é sinônimo de impunidade

Autor

  • Lélio Braga Calhau

    é promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.

26 de outubro de 2005, 15h29

A reforma processual penal tão prometida pelo Congresso Nacional tramita em ritmo demasiadamente lento. Também por esse motivo a impunidade ocorre diariamente nos tribunais causada pelo excesso de normas pouco razoáveis que existem ainda em nossa legislação criminal.

A reforma visa acabar, em parte, com esses gargalos processuais. Na prática, o pobre é julgado pelo juiz de primeiro grau e tem uma apelação analisada uma vez. Para o rico, o caminho é bem diferente. Além dos recursos ordinários (que no seu caso são sempre manejados, até para protelar a decisão), o réu que detém um advogado criminal competente e caro vai a Brasília onde, por força de uma jurisprudência complacente, ações de impugnação como Habeas Corpus e Mandados de Segurança são impetrados sem limites, ora caindo nas mãos de relatores plantonistas em fins de semana, ora repetidos diversas vezes num mesmo processo, muitas vezes com o intuito mero de postergar a sentença penal transitada em julgado.

Os recursos protelatórios têm um objetivo único: alcançar algumas das diversas modalidades de prescrição penal existente no Brasil. Descritas e reguladas nos artigos 109 a 118 do Código Penal elas se transformaram hoje em sinônimo de impunidade.

Existem crimes graves que prescrevem em pouco tempo, como o abuso de autoridade que prescreve em dois anos, prazo muito exíguo para se concluir um processo criminal contra agentes públicos que abusam de seu poder. Por outro lado, o crime de homicídio deveria prescrever no mínimo em trinta anos. São comuns os casos de homicidas que ainda se evadem do distrito da culpa e fogem para os estados longínquos ou mesmo para Portugal ou Estados Unidos. Impedir o Estado de levá-los a julgamento por um prazo maior é profundamente injusto para as famílias das vítimas. É como se o autor do homicídio fosse coroado pela sua astúcia em mudar de país com o intuito de impedir a aplicação da lei penal.

O artigo 115 do Código Penal prevê que são reduzidos de metade os prazos prescricionais quando o acusado era, ao tempo do crime, menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos. A manutenção da redução da idade para os menores de 21 anos é razoável. Coaduna com uma Política Criminal onde a tolerância deve ser aplicada ás infrações praticadas pelos jovens que estejam nessa faixa etária.

Todavia, a mesma redução pela metade da prescrição para as pessoas que tenham mais de 70 anos na data da sentença é profundamente injusta. Em maio deste ano, o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Salim Maluf, foi beneficiado com essa modalidade de redução da prescrição em uma acusação penal. A mesma regra será utilizada nos atuais processos que estão sendo ajuizado contra o mesmo. Essa modalidade de redução do prazo prescricional também é um prêmio para a impunidade.

A prescrição é a consagração da pacificação do conflito criminal pelo tempo, mas não é justo para as vítimas e para a sociedade civil, que num sistema onde as partes utilizam os recursos processuais para conseguir a prescrição, nada seja feito. É um direito das vítimas e de seus familiares que as pessoas que lhes tenham prejudicado sejam levados a um julgamento pelo Estado.

É um direito das vítimas que isso ocorra. Cabe ao Congresso Nacional rever esses prazos e permitir que o Estado possa processar e julgar os acusados em um tempo mais razoável. Não defendo aqui a criação de mais crimes imprescritíveis, mas a possibilidade do Estado poder levar a julgamento criminosos em prazos mais justos para as vítimas e suas famílias.

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    é promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.

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