Responsabilidade pública

Município deve indenizar pedestre por queda em calçada

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20 de outubro de 2005, 18h35

O município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, terá de indenizar uma pedestre por queda em calçada mal-conservada. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho. Que entendeu que o município é responsável pela conservação das vias públicas. Os desembargadores elevaram o valor da indenização por dano moral de R$ 500, fixado em primeira instância, para R$ 3 mil. Cabe recurso.

A autora da ação caminhava pela Rua Alberto Pasqualini, na cidade, quando sofreu queda porque havia lajotas soltas na calçada e uma tábua cobrindo a vala. Para o relator do caso, desembargador Odone Sanguiné, as fotografias estampadas no processo demonstravam as péssimas condições da calçada.

“Nesse caso, a responsabilidade pela pavimentação, manutenção, conservação e limpeza é exclusiva do Município”, acentuou o relator. Odone Sanguiné considerou que embora o acidente não tenha gerado graves lesões, houve caracterização do dano moral.

O TJ gaúcho julgou adequada indenização no valor de R$ 3 mil, como pretendia a autora da ação. Os desembargadores registraram que a quantia não representa prêmio nem enriquecimento sem causa para o ofendido, e atinge caráter punitivo, estimulando o município a manter em boas condições as vias públicas.

Processo 70011921673

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEDA DE MUNÍCIPE NO SOLO EM RAZÃO DE DESNÍVEIS NO PASSEIO PÚBLICO. LESÕES LEVES. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. OBRIGAÇÃO DE CONSERVAÇÃO DE RUAS, CALÇADAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS EM CONDIÇÕES DE SEGURANÇA E INCOLUMIDADE ÀS PESSOAS. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO PODER PÚBLICO CARACTERIZADA NA MODALIDADE NEGLIGÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR PELOS DANOS MATERIAIS E MORAIS CAUSADOS Á AUTORA CONFIGURADO.

I — O SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ADOTA A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL OBJETIVA DO ESTADO SOB A FORMA DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. TAL ASSERTIVA ENCONTRA RESPALDO LEGAL NO ART. 37, § 6º, DA CF/88. TODAVIA, QUANDO O DANO ACONTECE EM DECORRÊNCIA DE UMA OMISSÃO DO ESTADO É DE APLICAR-SE A TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.

II — COMPETE, AO MUNICÍPIO, FISCALIZAR A EXECUÇÃO CORRETA DA PAVIMENTAÇÃO DO PASSEIO EM FRENTE AO IMÓVEL DE PROPRIETÁRIOS DE TERRENOS, EDIFICADOS OU NÃO, LOCALIZADOS EM LOGRADOUROS QUE TENHAM OU NÃO MEIO FIO, A FIM DE MANTÊ-LOS EM BOM ESTADO DE CONSERVAÇÃO. PORTANTO, AINDA QUE TERCEIRO FOSSE RESPONSÁVEL POR ESSES SERVIÇOS, CUMPRIA AO MUNICÍPIO-DEMANDADO FISCALIZAR O CUMPRIMENTO DE TAIS ATRIBUIÇÕES. EM NÃO O FAZENDO, OMITE-SE NEGLIGENTEMENTE E SUPORTA OS DANOS ADVINDOS DA SUA FALTA DE AGIR DILIGENTE.

III — NO CASO, HOUVE CULPA CONCORRENTE DA AUTORA, PORQUANTO A EXISTÊNCIA DE DESNÍVEIS NAS CALÇADAS DE QUALQUER CIDADE NO BRASIL É FATO NOTÓRIO, MERECENDO A ATENÇÃO NATURAL DE QUALQUER TRANSEUNTE AO ANDAR NAS RUAS. ISTO GANHA ESPECIAL RELEVO NO CASO DOS AUTOS, EM QUE A AUTORA NÃO SOFREU GRAVES LESÕES ADVINDAS DA QUEDA. TAIS CIRCUNSTÃNCIAS ACARRETAM ATENUAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO, A TÍTULO DE DANO MORAL, O QUAL DEVE SER ARBITRADO NA PROPORÇÃO DA PARTICIPAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DO EVENTO DANOSO. IV- PONDERAÇÃO NO CASO CONCRETO QUE RECOMENDA A MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO A QUO.

V — SUCUMBÊNCIA MANTIDA.

1º APELO IMPROVIDO E 2º APELO PROVIDO. UNÂNIME.

APELAÇÃO CÍVEL — NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70011921673 — COMARCA DE SANTA MARIA

MUNICIPIO DE SANTA MARIA — APELANTE/APELADO

JAQUELINE PRATES ROCHA — APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em improver o apelo do Município e prover o apelo da autora para fixar a indenização por danos morais em R$3.000,00, corrigidos a partir da presente data pelo IGP-M e acrescidos de juros moratórios de 12% ao ano a contar do evento danoso, conforme Súmula 54 do STJ. Mantida, no mais, a sentença em reexame.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE E REVISOR) E DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI.

Porto Alegre, 24 de agosto de 2005.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)

Trata-se de dois recursos de apelação interpostos, respectivamente, por MUNICÍPIO DE SANTA MARIA (1º apelante) e por JAQUELINE PRATES ROCHA (2ª apelante) contra sentença prolatada nos Autos da Ação Ordinária, ajuizada pela 2ª apelante em face do 1º apelante, que julgou parcialmente procedente os pedidos, condenando o demandado ao pagamento dos danos materiais consubstanciados na fl. 21 e de R$500,00 a título de danos morais, atualizados pelo IGP-M e acrescidos de juros moratórios a partir da data do evento danoso, condenando o réu ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de R$500,00 (fls. 83/88).


Em suas razões do 1º apelo (fls. 87/92), o réu assevera a ocorrência de responsabilidade subjetiva do Município no caso, porquanto trata-se de ato omissivo do ente estatal. No ponto, argumenta que a autora não trouxe prova da conduta culposa ou dolosa do Município em não providenciar a manutenção do passeio público. Além disso, sustenta que houve culpa concorrente da vítima, pois inexistente um cuidado mínimo de sua parte ao andar pela calçada. Assevera que o proprietário do estacionamento em frente à calçada deve ser responsabilizado exclusivamente pelo eventual dever de reparar danos à autora. Sustenta a excessividade do quantum arbitrado no Juízo a quo (R$500,00) a título de danos morais, pois as lesões físicas experimentadas pela autora foram de natureza leve, além de inexistir prova sobre sua ausência à faculdade durante o período de eventual recuperação das lesões. Ainda afirma inexistir abalo psicológico e quiçá desvio de personalidade advindos da queda da autora na indigitada calçada. Por fim, requer o provimento do recurso, com o julgamento de improcedência dos pedidos iniciais e, alternativamente, a redução do quantum indenizatório fixado no Juízo a quo.

Em razões do 2º apelo (fls. 99/102), a autora insurge-se contra o quantum arbitrado no Juízo a quo a título de danos morais. No ponto, afirma que o valor de R$500,00 não se presta ao critério sancionatório-punitivo do lesante. Requer, nestes termos, o provimento do recurso para ver majorado o quantum indenizatório.

Em contra-razões (fls.105/109), a autora pleiteia o improvimento do recurso do réu. Este, por sua vez, deixou transcorrer in albis o prazo de apresentação das contra-razões (fl. 104).

O Ministério Público na origem opinou pelo improvimento da apelação interposta pelo Município e pelo parcial provimento do recurso da autora (fls. 110/112).

Subiram os autos a esta Corte. Distribuídos, o Parquet nesta Corte lançou parecer no sentido do improvimento da apelação interposta pelo Município e parcial provimento do recurso da autora

Após, os autos vieram conclusos a minha Relatoria.

É o relatório.

VOTOS

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)

Eminentes Colegas:

Analiso os dois recursos de apelação em conjunto, por versarem sobre matéria semelhante.

Inicialmente, destaca-se que o sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos caso de dolo ou culpa.”

Colhe-se da doutrina:

“O dano causado por obra pública gera para a Administração a mesma responsabilidade objetiva estabelecida para os serviços públicos, porque, embora a obra seja um fato administrativo, deriva sempre de um ato administrativo de quem ordena a sua execução (…) Quanto às lesões a terceiros ocasionadas pela obra em si mesma, ou seja, por sua natureza, localização, extensão ou duração prejudicial ao particular, a Administração Pública que a planejou responde objetivamente, sem indagação de culpa de sua parte. Exemplificando: se na abertura de um túnel ou de uma galeria de águas pluviais o só fato da obra causa danos aos particulares, por estes danos responde objetivamente a Administração que ordenou os serviços (…)” (Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros. p. 629)

Para que incida a responsabilidade objetiva, em razão dos termos da norma constitucional em destaque, há necessidade de que o dano causado a terceiros seja provocado por agentes estatais nessa qualidade. É o que se depreende da pertinente lição de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, págs. 560/562, Ed. Malheiros, 1994).

Todavia, não foi o que aconteceu na casuística, já que a autora alega que os danos causados, em virtude da queda, ocorreram porque o Município de Santa Maria não cumpriu com seu dever de fiscalização, deixando de atribuir, especificamente, a algum agente da Administração Pública, a ausência de conduta.

Nesse sentido ensina o jurista Rui Stoco:

“Não é apenas a ação que produz danos. Omitindo-se, o agente público também pode causar prejuízos ao administrado e à própria administração. Segundo José Cretella Júnior, ‘a omissão configura a culpa in omitendo e a culpa in vigilando. São casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bonus pater familiae, nem como bonus administrador. Foi negligente. Às vezes imprudente e até imperito. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito, se não previu as possibilidades da concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à idéia de inação, física ou mental’ (Tratado de Direito Administrativo, Forense, Rio, 1ª ed., 1970, p. 210, n. 161).” (STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 5. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1994. p. 319).”


Descartada a hipótese de responsabilidade objetiva, emerge a responsabilidade subjetiva do Município, a teor do art. 186 do Código Civil, a qual encontra amparo nos elementos de convicção trazidos aos autos.

Nestes lindes, incide o princípio geral da culpa civil, nos modalidades de imprudência, negligência ou imperícia na realização do serviço público que causou o dano, daí, exigir-se a prova da culpa da Administração.

A propósito, Celso Antônio Bandeira de Mello, destaca que quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva (Curso de Direito Administrativo, pág. 524 e seguintes, Ed. Malheiros, 1998).

No mesmo sentido, os ensinamentos de Yussef Cahali:

“A conservação e fiscalização das ruas, estradas, rodovias e logradouros públicos inserem-se no âmbito dos deveres jurídicos da Administração razoavelmente exigíveis, cumprindo-lhe proporcionar as necessárias condições de segurança e incolumidade às pessoas e aos veículos que transitam pelas mesmas; a omissão no cumprimento desse dever jurídico, quando razoavelmente exigível, e identificada como causa do evento danoso sofrido pelo particular, induz, em princípio, a responsabilidade indenizatória do Estado” (Cahali, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 300).

A Suprema Corte firmou orientação no mesmo sentido:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes — a negligência, a imperícia ou a imprudência — não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço — faute du service dos franceses — não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. – Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. – RE conhecido e provido.

(RE 382054/ RJ, Julgamento: 03/08/2004, Órgão Julgador: Segunda Turma, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO)

Também precedente desta Corte:

RESPONSABILIDADE CIVIL. MUNICÍPIO. QUEDA DE PEDESTRE EM VIRTUDE DE BURACO EXISTENTE NA CALÇADA. OMISSÃO. DANO MORAL E LUCROS CESSANTES. Para a caracterização da responsabilidade objetiva do Município, insculpida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é necessário que o dano seja causado por seus agentes e nessa qualidade. No caso dos autos, a omissão não foi atribuída a um agente específico. Trata-se, pois, da responsabilidade subjetiva da Administração Pública, a teor do art. 159 do CC de 1916, então vigente. Ao Município, incumbe o dever de fiscalizar o bom estado do passeio público, cuja obrigação pela conservação é do proprietário do imóvel. Circunstância em que a queda da autora, que se encontrava grávida, ocorreu em virtude de buraco existente na calçada, ocasionando a fratura em seu antebraço esquerdo. Culpa caracterizada, por omissão, ensejando o dever do Município de indenizar o dano material e moral causados. Apelação desprovida. Sentença confirmada em reexame. (Apelação Cível Nº 70008300063, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 13/05/2004)

In casu, restou demonstrado, pela prova documental e testemunhal, que a autora Jacqueline Prates Rocha, no dia 23.10.2002, ao transitar pela calçada da Rua Alberto Pasqualini, no Município de Santa Maria, sofreu queda, em razão de lajotas soltas existentes na calçada e de uma tábua que cobria uma vala, resultando em ofensa à sua integridade física (fl. 14), é dizer, contusão no joelho (fls. 20/21 e 23).

As fotografias estampadas às fls. 25/ 28, aliadas aos receituários das fls. 20/21, bem como aos depoimentos da testemunha Gilton Beltrame deixam assentes que a autora sofreu queda em razão das “péssimas condições” da calçada da rua que fica na região central do Município (fl. 64).

A propósito, a prova dos autos confirma que a calçada se trata de passeio público situado no Centro da Cidade, com alta circulação de pessoas. Nesse caso, a responsabilidade pela pavimentação, manutenção, conservação e limpeza da calçada é exclusiva do Município. Em não o fazendo, incide na modalidade culposa da negligência.


Nesta senda, nem venha o Município alegar que a responsabilidade pela má condição da calçada é devida ao proprietário do estabelecimento comercial em frente. Ora, compete, ao Município, fiscalizar a execução correta da pavimentação do passeio em frente ao imóvel de proprietários de terrenos, edificados ou não, localizados em logradouros que tenham ou não meio fio, de modo a mantê-los em bom estado de conservação, como previsto no art. 28 da Lei Complementar nº 12/1975. Portanto, ainda que terceiro fosse responsável por esses serviços, cumpria ao Município-demandado fiscalizar o cumprimento de tais atribuições. Sendo assim, mesmo que a calçada fosse de propriedade de particular, o réu também seria solidariamente responsabilizado no caso de acidente ocorrido por sua má-conservação, porque não teria exercido adequadamente sua função de fiscalizar esse serviço, notadamente por se tratar de uma calçada pela qual circulam muitas pessoas. Assim, o Município deveria constatar a existência de lajotas ou tábuas soltas no passeio, providenciando incontinenti os reparos necessários.

Por conseguinte, o réu não cumpriu com seu dever de fiscalização por caracterizada negligência, do que resultou a queda da autora.

Desse modo, caracterizada a omissão negligente de parte do Município, tem o dever de indenizar o dano moral suportado. É de salientar, contudo, que a autora concorreu para a sua queda, uma vez que os desníveis na calçada existem apenas no ponto específico onde veículos costumam subir no passeio público, para parar no estacionamento em frente ao mesmo, conforme fotografias de fl. 26. Trata-se de desnível facilmente detectável e suscetível de desvio por parte dos pedestres. Todavia, tal circunstância não elide a responsabilidade do Município em manter as vias de acesso de pedestres em perfeitas condições de manutenção.

Sobre o tema, vem a lume o seguinte escólio doutrinário:

“Hipóteses haverá em que o evento lesivo seja fruto de ação conjunta do Estado e do lesado, concorrendo ambos para a geração do resultado danoso. Ainda aqui não haverá falar em excludente da responsabilidade estatal. Haverá, sim, atenuação do quantum indenizatório, a ser decidido na proporção em que cada qual haja participado para a produção do evento.” (Bandeira de Melo, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 806).

Por conseguinte, demonstrado o dever municipal de indenizar.

Igualmente restou caracterizado o dano moral, já que, inegavelmente, a autora teve o curso normal de sua vida alterado em função do ocorrido, o que fica assente nos exames médicos realizados, além de todos os transtornos psíquicos daí advindos, tais como tristeza, indignação, angústia e dor, os quais independem da lesão ou deformidade ser permanente. Da mesma forma, tais danos são de prova difícil ou, em alguns casos, impossível, motivo pelo qual esta C. Câmara tende a considerá-los in re ipsa.

Neste sentido, o seguinte paradigma:

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. REEXAME NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE REQUISITO LEGAL. NOVA REDAÇÃO DO ART. 475 DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICIPIO. QUEDA DE PEDESTRE. DECLIVE EM PASSEIO PÚBLICO. FERIMENTOS GRAVES. OMISSÃO DO MUNICÍPIO NA CONSERVAÇÃO DE PASSEIO PÚBLICO. DANO MORAL. DESNECESSIDADE DE PROVA. DANO IN RE IPSA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. ANÁLISE DOS PARÂMETROS DA CÂMARA E DAS CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. VALOR DO DANO MORAL MENCIONADO NA INICIAL. MONTANTE MERAMENTE ESTIMATIVO. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO-OCORRÊNCIA. (…) A não-realização de obra exigível, como a de conservação de calçada de praça por onde transitam pedestres, de forma a evitar a ocorrência de danos aos particulares, atrai a responsabilidade civil do Município. Provado o fato, o dano e o nexo de causalidade, e não demonstrando a municipalidade a ocorrência de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva ou concorrente da vítima, incide a indenização por dano moral, em virtude dos ferimentos graves sofridos pela queda da autora em buraco existente no passeio público, comprovados pelo conjunto probatório dos autos. O dano moral se dá no íntimo da pessoa humana, no seu psíquico, razão pela qual independe de prova e decorre do próprio fato ilícito. (…) (Apelação e Reexame Necessário Nº 70005381538, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 10/12/2003)

Também impende reconhecer que restou evidenciada a culpa concorrente da autora, pois a existência de desníveis nas calçadas de qualquer cidade do Brasil não se mostra um acontecimento extraordinário. A atenção por onde se pisa ao andar na rua, portanto, é natural a qualquer transeunte, deixando a autora de assim agir.

Na casuística, a vítima sofreu ferimentos leves em virtude da queda, segundo se observa pelos documentos das fls. 14/15 e 21/22.


Em tais circunstâncias, entendo prudente que se majore o valor da indenização para R$3.000,00 — o equivalente a 10 salários mínimos nacionais -, na esteira do opinado pelo Parquet nesta Corte. Ocorre que a indenização não pode representar um prêmio ao ofendido, e quiçá enriquecimento sem causa, devendo atender ao caráter sancionatório-punitivo, a estimular o Poder Público a manter em boas condições as vias públicas e atendendo ainda à natureza reparatório-compensatória que deve sempre informar as indenizações por dano moral.

Veja-se, por exemplo, o seguinte precedente:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICIPIO. QUEDA DE PEDESTRE EM BURACO DE CORREDOR DE ONIBUS, COM FRATURA DE TORNOZELO. FALTA DO SERVIDO PELA AUSENCIA DE CONSERVACAO E FISCALIZACAO DAS CALCADAS E VIAS PUBLICAS. LUCROS CESSANTES NAO COMPROVADOS. A NAO REALIZACAO DE OBRA RAZOAVELMENTE EXIGIVEL, COMO A DE CONSERVACAO DA CALCADA DE CORREDOR DE ONIBS, DE FORMA A EVITAR A OCORRENCIA DE DANOS AOS PARTICULARES, ATRAI A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICIPIO. QUEDA EM BURACO, COM FRATURA DO TORNOZELO. PROVADOS O FATO, O DANO E O NEXO DE CAUSALIDADE E NAO PROVANDO A ADMINISTRACAO A OCORRENCIA DE CASO FORTUITO, FORCA MAIOR OU CULPA EXCLUSIVA OU CONCORRENTE DA VITIMA, INCIDE A INDENIZACAO. DANO MORAL. COMPROVACAO PELAS CIRCUNSTANCIAS FATICAS. MANUTENCAO DO VALOR EM 10(DEZ) SALARIOS MINIMOS, TENDO EM VISTA AS CIRCUNSTANCIAS CONCRETAS E OS PARAMATROS DA CAMARA. LUCROS CESSANTES. COMPROVADO O AN DEBEATUR, SAO DEFERIDOS, VALOR A SER APURADO EM LIQUIDACAO POR ARTIGOS. REEXAME NECESSARIO. CUSTAS. A CONDENACAO DO MUNICIPIO A METADE DAS CUSTAS DEVE SER REDUZIDA NOVAMENTE POR METADE. APLICA-SE A SUMULA N. 2 DO EXTINTO TRIBUNAL DE ALCADA, QUE BEM OPERACIONALIZOU O REGIMENTO DE CUSTAS (LEI ESTADUAL N. 8121/85, ART-11). PRIMEIRA APELACAO DESPROVIDA. SEGUNDA APELACAO PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENCA PARCIALMENTE MODIFICADA EM SEDE DE REEXAME NECESSARIO.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 599175486, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS, JULGADO EM 31/05/2000)

O valor deve ser corrigido a partir da presente data pelo IGP-M e acrescidos de juros moratórios de 12% ao ano a contar do evento danoso, conforme Súmula 54 do STJ.

No mais, mantenho a fixação dos ônus de sucumbência dispostos na sentença, nos termos do artigo 20, § 4o do CPC.

O voto, pois, é pelo improvimento do apelo do Município e provimento do apelo da autora para fixar a indenização por danos morais em R$3.000,00, corrigidos a partir da presente data pelo IGP-M e acrescidos de juros moratórios de 12% ao ano a contar do evento danoso, conforme Súmula 54 do STJ. Mantida, no mais, a sentença em reexame.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI – De acordo.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA – Presidente – Apelação Cível nº 70011921673, Comarca de Santa Maria: “1º APELO IMPROVIDO E 2º APELO PROVIDO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: ELIANE GARCIA NOGUEIRA

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