Norma pública

Empresa deve registrar empregado mesmo que ele não queira

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11 de outubro de 2005, 11h03

Empresa deve assinar carteira mesmo contra vontade do trabalhador. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes condenaram a Petrus Commodities a pagar a uma ex-funcionária todas as verbas decorrentes da rescisão do contrato de trabalho. Cabe recurso.

A ex-empregada da Petrus ganhou, na 31ª Vara do Trabalho de São Paulo, reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa.

Inconformada, a empresa recorreu ao TRT-SP. Alegou que só deixou de assinar a CTPS — Carteira de Trabalho e Previdência Social da ex-funcionária porque ela mesma pediu. Segundo a Petrus, a ex-empregada se recusou, inclusive a fornecer o documento. Em audiência, a trabalhadora confirmou que, “de fato, solicitou para não ser registrada”.

O relator do recurso no tribunal, juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, esclareceu que “a anotação do contrato de trabalho em CTPS é obrigação legal imposta ao empregador pelo artigo 29 da CLT, que é norma de ordem pública e, assim, irrenunciável”.

Segundo o juiz, a Petrus, como empregadora, deveria ter ordenado que a trabalhadora apresentasse sua CTPS para que fossem feitas as devidas anotações. “Caso a empregada não atendesse a determinação, estaria se insubordinando e, via de conseqüência, se expondo à aplicação da pena correspondente, qual seja, a rescisão contratual por justa causa”, explicou o relator.

Para ele, “os elementos dos autos indicam que nada disso aconteceu. A reclamante pediu para não ser registrada e a reclamada adotou cômoda posição ao lhe atender. Agora não pode fazer uso de tal argumento para furtar-se de sua obrigação”.

RO 01223.2001.031.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

4ª. TURMA

PROCESSO TRT/SP NO: 01223200103102000 (20030903089)

RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTES: 1º) PETRUS COMMODITIES LTDA e 2º) MARLINDA FERREIRA DE SOUZA

RECORRIDOS: OS MESMOS

ORIGEM: 31ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: CTPS. ANOTAÇÃO. IRRENUNCIABILIDADE. Independentemente de ter a reclamante confessado em audiência que “de fato solicitou para não ser registrada”, não se exime o empregador de proceder a anotação do contrato de trabalho na CTPS, vez que se trata de obrigação legal imposta pelo artigo 29 da CLT, que é norma de ordem pública e assim, irrenunciável.

Contra a respeitável sentença de fls. 115/116 recorre ordinariamente a reclamada refutando o vínculo de emprego reconhecido, a condenação nas verbas decorrentes e em horas extras e reflexos e pleiteando que a correção monetária incida a partir do mês subseqüente ao vencido.

Recorre adesivamente a autora postulando como extraordinárias as horas prestadas excedentes à oitava diária.

Contra-razões fls. 132/135 e 141/144.

Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, às fls. 145, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

DO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA

DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

A reclamante vem a juízo postular o reconhecimento do vínculo empregatício com a reclamada, entre outros pedidos.

A reclamada não nega a prestação de serviços, contudo busca isentar-se da responsabilidade decorrente, alegando que o contrato só deixou de ser anotado na CTPS da autora porque ela assim pediu, recusando-se, inclusive, a fornecer o documento.

É evidente que o argumento da reclamada não a beneficia, independentemente de ter a reclamante confessado em audiência que “de fato solicitou para não ser registrada” (fls. 97).

A anotação do contrato de trabalho em CTPS é obrigação legal imposta ao empregador pelo artigo 29 da CLT, que é norma de ordem pública e assim, irrenunciável.

A reclamada, como empregadora, dirigia a prestação de serviços da reclamante.

Deveria ter ordenado à reclamante que apresentasse a sua CTPS para que fossem efetuadas as devidas anotações. Caso a empregada não atendesse a determinação, estaria se insubordinando e, via de conseqüência, se expondo à aplicação da pena correspondente, qual seja, a rescisão contratual por justa causa.

Os elementos dos autos indicam que nada disso aconteceu. A reclamante pediu para não ser registrada e a reclamada adotou cômoda posição ao lhe atender. Agora não pode fazer uso de tal argumento para furtar-se de sua obrigação.

Mantenho.

DAS HORAS EXTRAS

A reclamada refuta a condenação ao pagamento de horas extras e reflexos tentando desqualificar as informações prestadas pela testemunha da reclamante, única ouvida em audiência (fls. 97/98).

Todavia, nenhum de seus argumentos a socorre.

Primeiro, porque quando a testemunha afirma que trabalhou diretamente com a reclamante nos últimos quatro meses de contrato, ela se refere ao contrato da reclamante, não ao seu próprio, o que fica claro logo a seguir, quando a depoente faz menção “aos meses que trabalhou junto com a reclamante no escritório”. Logo, não vinga a versão da recorrente, de que ambos tenham trabalhado juntos apenas por cerca de uma semana.

Quanto ao teor propriamente dito do depoimento, a reclamada “divide a prova”. O que lhe interessa é mencionado, o que não lhe convém é descartado.

A reclamada simplesmente pinça frases entrecortadas da testemunha e as alça ao status de verdade real. Claro que tal procedimento não deve prevalecer. O depoimento merece análise como um todo, não de forma fracionada, como pretende a ré. E o que nele foi dito, excetuando-se as informações concernentes ao intervalo, vai ao encontro do que foi sustentado na exordial.

A testemunha afirma que realizava serviços externos até às 18:30/19/20 horas e que nestas ocasiões a reclamante lhe “passava serviço” até por volta de 19/19.30 horas. A testemunha, inclusive, reiterou tais informações, quando foi inquirida pelo juízo.

Por fim, também não há como se concluir pela incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada de trabalho informados em depoimento nesta ação e aqueles declinados na petição inicial da ação que a testemunha moveu contra a ré. Os últimos horários ora mencionados nada mais são do que a média dos primeiros.

Mantenho.

DA CORREÇÃO MONETÁRIA

A correção monetária observará os termos do artigo 39 da Lei 8.177/91 c/c 459 da CLT e Súmula nº 381 do C. TST.

Reformo.

DO RECURSO ADESIVO DA AUTORA

DA LIMITAÇÃO DAS HORAS EXTRAS

A reclamante teve deferido o pedido de pagamento de horas extras. Todavia, o julgado a quo considerou como tais as excedentes à quadragésima quarta semanal.

Recorre a reclamante, pretendendo afastar tal limitação, a fim de que lhe sejam pagas como extraordinárias as horas trabalhadas que excederem a oitava diária.

Tem razão a recorrente. O acordo tácito para a compensação de horas é nulo, aplicando-se à espécie o entendimento jurisprudencial consubstanciado no inciso I da Súmula 85 do C. TST, in verbis:

“A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 – primeira parte – Res. 121/2003, DJ 21.11.2003).”

Portanto, as horas trabalhadas excedentes à oitava diária serão consideradas extraordinárias. Todavia, também observar-se-á o limite de quarenta e quatro horas semanais, que já foram remuneradas pela reclamada, restando devido, quanto a estas, apenas o respectivo adicional. Por óbvio, as horas que sobejarem de tal limite serão pagas integralmente (hora normal mais adicional), conforme inciso III do verbete jurisprudencial já citado, abaixo transcrito:

“O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 – segunda parte- Res. 121/2003, DJ 21.11.2003).”

Reformo parcialmente.

Do exposto, conheço dos recursos e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao ordinário, interposto pela reclamada, para determinar que a correção monetária observe os termos do artigo 39 da Lei 8.177/91 c/c 459 da CLT e Súmula nº 381 do C. TST. De outra parte, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso adesivo, interposto pela reclamante, para deferir-lhe como extraordinárias as horas trabalhadas excedentes da oitava diária, observados os termos da Súmula nº 85 do C. TST, tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo. Mantida, no mais, a sentença de primeiro grau.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

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