Regras soberanas

Direitos fundamentais aplicam-se às relações privadas

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11 de outubro de 2005, 21h41

Os direitos fundamentais devem ser respeitados nas relações privadas. Isso quer dizer que em todo processo que se desenvolva em associações e outras entidades deve-se respeitar o direito à ampla defesa e ao contraditório.

A apreciação dessa matéria foi concluída nesta terça-feira (11/10), depois de meses de discussão na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Coube ao ministro Celso de Mello o voto de desempate. A relatora, ministra Ellen Gracie foi vencida junto com seu colega Carlos Velloso. A divergência foi aberta pelo ministro Gilmar Mendes que foi também acompanhado por Joaquim Barbosa.

Celso de Mello reforçou a tese de que o estatuto das liberdades públicas "não se restringe à esfera das relações verticais entre o Estado e o indivíduo, mas também incide sobre o domínio em que se processam as relações de caráter meramente privado, reconheceu que os direitos fundamentais projetam-se, por igual, numa perspectiva de ordem estritamente horizontal."

Ou seja, o direito das associações privadas não é absoluto e comporta restrições, que dão lugar ao prestígio dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal. No caso concreto, decidiu-se pela não concessão de recurso à União Brasileira de Compositores (UBC), que excluiu um de seus sócios do quadro da entidade sem o amplo direito à defesa.

Leia o voto do ministro Celso de Mello:

11/10/2005 SEGUNDA TURMA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 201.819-8 RIO DE JANEIRO

V O T O

(vista)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar a presente causa, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 264):

Sociedade Civil. União Brasileira de Compositores. Exclusão de sócio. Alegado descumprimento de resoluções da sociedade e propositura de ações que acarretaram prejuízos morais e financeiros à entidade. Direito constitucional de ampla defesa desrespeitado. Antes de concluir pela punição, a comissão especial tinha de dar oportunidade ao sócio de se defender e realizar possíveis provas em seu favor. Infringência ao art. 5º, inc. LV da Constituição Federal. Punição anulada. Pedido de reintegração procedente. Recurso desprovido.” (grifei)

O exame da controvérsia jurídica suscitada nesta sede recursal extraordinária faz instaurar instigante discussão em torno de tema impregnado do mais alto relevo constitucional, consistente na análise da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, valendo referir, a esse respeito, valiosas opiniões doutrinárias (WILSON STEINMETZ, “A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais”, 2004, Malheiros; THIAGO LUÍS SANTOS SOMBRA, “A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Jurídico-Privadas”, 2004, Fabris Editor; ANDRÉ RUFINO DO VALE, “Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas”, 2004, Fabris Editor, v.g.).

A questão constitucional em debate no processo ora em julgamento – que estimula reflexões em torno do tema pertinente à eficácia externa (ou eficácia em relação a terceiros) dos direitos, liberdades e garantias, também denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais na ordem jurídico-privada – resume-se, em seus elementos essenciais, à seguinte indagação, que, formulada por J. J. GOMES CANOTILHO (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 1.151, Almedina), bem delineia o aspecto central da matéria em análise:


Em termos tendenciais, o problema pode enunciar-se da seguinte forma: as normas constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias (e direitos análogos) devem ou não ser obrigatoriamente observadas e cumpridas pelas pessoas privadas (individuais ou colectivas) quando estabelecem relações jurídicas com outros sujeitos jurídicos privados?” (grifei)

O acórdão objeto do presente recurso extraordinário, ao assinalar que o estatuto das liberdades públicas (enquanto complexo de poderes, de direitos e de garantias) não se restringe à esfera das relações verticais entre o Estado e o indivíduo, mas também incide sobre o domínio em que se processam as relações de caráter meramente privado, reconheceu que os direitos fundamentais projetam-se, por igual, numa perspectiva de ordem estritamente horizontal.

Daí a procedente advertência, feita por INGO WOLFGANG SARLET (“A Constituição Concretizada: Construindo Pontes entre o Público e o Privado”, p. 147, 2000, Livraria do Advogado, Porto Alegre), no sentido de que o debate doutrinário em torno do reconhecimento, ou não, de uma eficácia direta dos direitos e garantias fundamentais, com projeção imediata sobre as relações jurídicas entre particulares, assume um nítido caráter político- -ideológico, assim caracterizado por esse mesmo autor: “uma opção por uma eficácia direta traduz uma decisão política em prol de um constitucionalismo da igualdade, objetivando a efetividade do sistema de direitos e garantias fundamentais no âmbito do Estado social de Direito, ao passo que a concepção defensora de uma eficácia apenas indireta encontra-se atrelada ao constitucionalismo de inspiração liberal-burguesa”.

Entendo correta, por isso mesmo, com a devida vênia, a decisão emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, quando reconheceu a impossibilidade de determinada associação civil (como a parte ora recorrente) excluir, de seus quadros, compulsoriamente, em caráter punitivo, qualquer associado, como o ora recorrido, que ostentava, de modo regular, a legítima condição de membro integrante dessa entidade de direito privado (fls. 266):

Não se pode, na verdade, pretender que uma entidade de compositores, em sua vida associativa, adote regras ou formas processuais rigorosas, mas também não se pode admitir que princípios constitucionais básicos sejam descumpridos flagrantemente.

Caracterizadas as infrações, ao ver da comissão, o autor tinha de ser, expressa e formalmente, cientificado das mesmas e convocado a apresentar, querendo, em prazo razoável, a sua defesa, facultando-lhe a produção das provas que entendesse cabíveis.” (grifei)

Essa mesma percepção do tema foi igualmente revelada pela r. sentença proferida em primeira instância (fls. 229/232):

O problema ocorrente encontra enquadramento em norma constitucional que foi descumprida pela ré. Dispõe a nova Carta Magna da República, no artigo 5º, inciso LV, que, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo (…), são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Ou seja, ninguém pode ser punido, mesmo em associação de caráter privado, sem que tenha tido a oportunidade de exercer o direito de defesa. (…). O direito de defesa é sagrado, regra essa também da Declaração Universal de Direitos Humanos. Não basta que tenha havido comissão de inquérito ou delegação no modo referido. Seria preciso que o autor fosse intimado pela ré para produzir sua defesa, e, aí sim, depois, em procedimento contraditório, poderia ser punido do modo como o foi. A punição em tela foi nula de pleno direito por afrontar a Constituição Federal.” (grifei)


Vale acentuar, neste ponto, por relevante, a observação constante do voto proferido pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, notadamente no ponto em que – após acentuar que a UBC integra o sistema ECAD – reconhece, presente o contexto em exame, a plena legitimidade da aplicação direta, ao processo de exclusão/expulsão de associado de entidade de direito privado, das garantias fundamentais decorrentes da cláusula constitucional do “due process of law”:

O caso em exame apresenta singularidades.

Conforme elucida o parecer da Procuradoria-Geral da República, a Recorrente é ‘repassadora do numerário arrecadado pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD)’ (fls. 307).

Destarte, a exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras.

De outro lado, diante da iminência de expulsão disciplinar, ainda que o recorrido tivesse optado por ingressar em outras entidades congêneres, nacionais ou estrangeiras, o ônus subsistiria em razão da eliminação automática do associado, nos termos do art. 18 do Estatuto Social da recorrente (fls. 48).

……………………………………………

Destarte, considerando que a União Brasileira de Compositores (UBC) integra a estrutura do ECAD, é incontroverso que, no caso, ao restringir as possibilidades de defesa do recorrido, ela assume posição privilegiada para determinar, preponderantemente, a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seu associado.

Em outras palavras, trata-se de entidade que se caracteriza por integrar aquilo que poderíamos denominar como ‘espaço público’ ainda que ‘não-estatal’.

Essa realidade deve ser enfatizada principalmente porque, para os casos em que o único meio de subsistência dos associados seja a percepção dos valores pecuniários relativos aos direitos autorais que derivem de suas composições, a vedação das garantias constitucionais de defesa pode acabar por lhes restringir a própria liberdade de exercício profissional.

Logo, as penalidades impostas pela recorrente, ao recorrido, extrapolam, em muito, a liberdade do direito de associação e, sobretudo, o de defesa. Conclusivamente, é imperiosa a observância das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF).

Tem-se, pois, caso singular, que transcende a simples liberdade de associar ou de permanecer associado. Em certa medida, a integração a essas entidades configura, para um número elevado de pessoas, quase que um imperativo decorrente do exercício de atividade profissional.” (grifei)

Impende destacar, ainda, considerados os fundamentos ora expostos, que essa visão da controvérsia pertinente à questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares tem se refletido na jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, como resulta claro de decisões que esta Suprema Corte proferiu a propósito da incidência da garantia do devido processo legal nas hipóteses de exclusão de integrantes de associações e cooperativas, ou, ainda, em casos nos quais empresas estrangeiras, com sede domiciliar no Brasil, incidiram em práticas discriminatórias contra trabalhadores brasileiros, em frontal oposição ao postulado da igualdade:


COOPERATIVAEXCLUSÃO DE ASSOCIADO – CARÁTER PUNITIVO – DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa.

(RTJ 164/757-758, Rel. Min. MARCO AURÉLIO)

2. Cooperativa: exclusão de cooperado: imposição de observância do devido processo legal: precedente (RE 158.215, Marco Aurélio, 2ª T., DJ 7.6.1996).

3. Recurso extraordinário: descabimento: a invocação do artigo 5º, XVIII, da Constituição, relativo à liberdade de criação e à autonomia de funcionamento de associações e cooperativas, não afasta o fundamento do acórdão recorrido referente à inobservância dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, verificada à luz de normas estatutárias: incidência das Súmulas 283 e 454.

(AI 346.501-AgR/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE: AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, ‘caput’.

I.Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, ‘caput’.

II. – A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465.

III.Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso.

IV. – R.E. conhecido e provido.

(RE 161.243/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)

O entendimento doutrinário não dissente dessa orientação jurisprudencial, cabendo mencionar, por oportuno, dentre outros autores (ANDRÉ RUFINO DO VALE, “Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas”, p. 137/138, item n. 3.4, 2004, Fabris Editor; CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, “Aplicação dos Direitos Fundamentais às Relações Privadas”, “in” “Cadernos de Soluções Constitucionais”, p. 32/47, 2003, Malheiros; DANIEL SARMENTO, “Direitos Fundamentais e Relações Privadas”, p. 301/313, item n. 5, 2004, Lumen Juris), a precisa lição de PAULO GUSTAVO GONET BRANCO (“Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais”, “in” “Direito Público”, ano I, nº 2, p. 170/174, out/dez de 2003), quando expende doutas considerações em torno de julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal a propósito da questão concernente à extensão, às relações jurídicas de ordem privada, dos direitos e garantias fundamentais inscritos no texto da Constituição da República:


Um dos direitos fundamentais que se apontam como de incidência no âmbito dos relacionamentos privados é o direito de ampla defesa. Esse direito é tido como de observância obrigatória, em se tratando de exclusão de sócio ou de membro de associação particular.

……………………………………………

O direito de defesa ampla assoma-se como meio indispensável para se prevenirem situações de arbítrio, que subverteriam a própria liberdade de se associar.

O acórdão do STF em comento parece imbuído dessa convicção. Por isso, o Tribunal não resumiu a questão posta ao seu descortino a um mero problema de desrespeito de cláusulas estatutárias sobre processo disciplinar, o que tornaria a Corte incompetente para a causa; ao contrário, à falta de todo procedimento prévio de defesa dos recorrentes, viu desrespeitada a incontornável necessidade de se ouvir o castigado antes da sanção, quer a medida seja aplicada pelo Estado, quer ela seja infligida no âmbito das relações privadas.

O julgado em comento marca postura do Supremo Tribunal em conferir larga extensão à garantia da ampla defesa, firma precedente inserindo o direito brasileiro na corrente que admite a invocação de direitos fundamentais no domínio das relações privadas e dá entrada a novas e ricas perspectivas argumentativas na compreensão do direito de se associar e no manejo do próprio recurso extraordinário.” (grifei)

Essa mesma reflexão sobre o tema é também compartilhada por WILSON STEINMETZ (“A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais”, p. 295, 2004, Malheiros), cujo magistério põe em destaque a significativa importância de estender-se, ao plano das relações de direito privado estabelecidas entre particulares, a cláusula de proteção das liberdades e garantias constitucionais, cuja incidência – como já referido no início deste voto – não se resume, apenas, ao âmbito das relações verticais entre os indivíduos, de um lado, e o Estado, de outro:

No marco normativo da CF, direitos fundamentais – exceto aqueles cujos sujeitos destinatários (sujeitos passivos ou obrigados) são exclusivamente os poderes públicos – vinculam os particulares. Essa vinculação se impõe com fundamento no princípio da supremacia da Constituição, no postulado da unidade material do ordenamento jurídico, na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, no princípio constitucional da dignidade da pessoa (CF, art. 1º, III), no princípio constitucional da solidariedade (CF, art. 3°, I) e no princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e das garantias fundamentais (CF, art. 5º, § 1º).” (grifei)

É por essa razão que a autonomia privada – que encontra claras limitações de ordem jurídica – não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.

Daí o inteiro acerto da observação de ANDRÉ RUFINO DO VALE (“Drittwirkung de Direitos Fundamentais e Associações Privadas”, “in” “Direito Público”, vol. 9/53-74, 64-65 e 72-73, julho/setembro de 2005, IDP/Síntese):

No entanto, o direito de autodeterminação das associações encontra seus limites precisamente no conteúdo da relação privada determinado pelas regras estatutárias que a própria associação elabora, assim como nas normas e nos princípios de ordem pública, mormente os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente aos sócios.


……………………………………………

Como se vê, a autonomia estatutária, quando se trata de matéria de poder sancionador, não é ilimitada, podendo sofrer certo controle de conteúdo. Esse controle pode ser levado a efeito com base não somente na legislação civil, mas diretamente em face das normas constitucionais.

Os estatutos, portanto, deverão regular o procedimento sancionador e delimitar os órgãos competentes para impor as sanções, sempre de acordo com os preceitos de ordem pública e assegurando direitos fundamentais do sócio, como a ampla defesa.

Assim, certo é que o direito fundamental de associação estará sempre limitado pelos direitos fundamentais de seus próprios membros.

Essa limitação concretiza-se em algumas regras.

……………………………………………

A idéia de um ordenamento jurídico invadido pela Constituição faz transparecer a noção de associações privadas responsáveis pelos direitos fundamentais de seus associados. Constitucionalizar a ordem jurídica privada significa também submeter o ordenamento jurídico interno dos organismos privados aos princípios constitucionais. Não se trata de restringir ou anular a autonomia privada das associações, mas de reafirmar que a liberdade de associação, assegurada pelo art. 5º, incisos XVII a XX, da Constituição, não pode e não deve ser absoluta, mas sim precisa estar em harmonia com todo o sistema de direitos fundamentais.

……………………………………………

Diante disso, os princípios constitucionais devem operar como limites à capacidade de auto-regulação dos grupos, na medida em que se faça necessário assegurar a eficácia de direitos fundamentais dos indivíduos em face do poder privado das associações. Servem, nessa perspectiva, como fundamento para justificar o controle judicial de atos privados atentatórios às liberdades fundamentais.” (grifei)

Isso significa, portanto, que a ordem jurídico- -constitucional brasileira não conferiu às associações civis a possibilidade de agir, como a parte ora recorrente o fez no caso em exame, à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais.

Não é por outro motivo que o novo Código Civil brasileiro, em alguns de seus preceitos (arts. 57 e 1.085, parágrafo único, p. ex.), expressamente proclama a necessária submissão das entidades civis às normas que compõem o estatuto constitucional das liberdades e garantias fundamentais (o direito à plenitude de defesa, dentre eles), considerada a vinculação imediata dos indivíduos, em suas relações de ordem privada, aos direitos básicos assegurados pela Carta Política.

Bastante expressiva dessa especial proteção, que se estende ao plano das relações privadas, é a regra inscrita no art. 57 do Código Civil, na redação que lhe deu a novíssima Lei nº 11.127/2005, elaborada com o claro propósito de conformar a atividade legislativa ao que soberanamente dispõe, em tema de direitos e garantias fundamentais, a própria Constituição da República:

Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.” (grifei)

Concluo, pois, presentes as razões expostas, no sentido de reconhecer, Senhores Ministros, que assiste, ao associado, no procedimento de sua expulsão referente à entidade civil de que seja membro integrante, a prerrogativa indisponível de ver respeitada a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve, em cláusula mandatória, a Constituição da República, em seu art. 5º, inciso LV, não obstante se trate, como no caso, de ato praticado na esfera e sob a égide de uma típica relação de ordem jurídico-privada.

Sendo assim, consideradas as razões expostas e na linha da divergência iniciada pelo eminente Ministro GILMAR MENDES e reafirmada pelo eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, peço vênia para conhecer e negar provimento ao presente recurso extraordinário, mantendo, em conseqüência, o v. acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

É o meu voto.

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