Contra a legislação

Função em estágio sem relação com os estudos é fraude

Autor

6 de outubro de 2005, 12h35

Contratar estagiário para fazer função sem relação com seus estudos universitários frauda a legislação trabalhista. Assim uma estudante de jornalismo que trabalhava como atendente de telefone e digitadora teve reconhecido vínculo empregatício, conseguiu equiparação salarial e adicional noturno. A decisão é da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho.

“Nada resta a este Tribunal senão a confirmação da r. sentença de origem. Incontroverso que a reclamante em suas atividades de atendimento telefônico a clientes e digitação das ocorrências de acidentes de veículos inseria-se nas atividades rotineiras da empresa, que tem por objetivo econômico a prestação de serviços para diversas companhias de seguros para veículos”, afirma o ministro João Batista Brito Pereira relator do Recurso de Revista da empresa.

A Turma confirmou decisão da segunda instância para conceder à estudante o reconhecimento do vínculo, a equiparação salarial e adicional noturno, rejeitando apenas o vale-transporte. “É do empregado o ônus de comprovar que satisfaz os requisitos indispensáveis à obtenção do vale-transporte”, afirmou a Turma.

De acordo com a defesa da estagiária, representada pelo advogado Pablo Dotto, do escritório Monteiro Dotto e Monteiro Advogados, muitas empresas com a conivência de algumas universidades na tentativa de fugir às obrigações e encargos legais que decorrem do vínculo empregatício contratam estudantes como empregados por meio do contrato de estágio.

“Trata-se, inequivocamente, de verdadeiro embuste, pois, não raro, estes estudantes acabam trabalhando em serviços que nada tem a ver com o curso que estão estudando, desvirtuando, assim, o objetivo do legislador quando da edição da Lei 6.494/77”, afirma o advogado.

Leia o acórdão

NÚMERO ÚNICO PROC: RR – 77441/2003-900-02-00

PUBLICAÇÃO: DJ – 16/09/2005

PROC. Nº TST-RR-77.441/2003-900-02-00.3

A C Ó R D Ã O

(Ac. 5ª Turma)

RECURSO DE REVISTA. ESTÁGIO. VÍNCULO DE EMPREGO. A aferição da veracidade da assertiva do Tribunal Regional — no sentido de que não havia liame entre as atividades da reclamada e os estudos universitários da reclamante — ou da reclamada — de que o contrato que manteve com a reclamante era de estágio — depende de nova avaliação dos fatos, procedimento vedado em sede de Recurso de Revista. Incidência da Súmula 126 do TST.

EQUIPARAÇÃO SALARIAL. ÔNUS DA PROVA. O acórdão regional encontra-se em consonância com a Súmula 6, item VIII, do TST segundo a qual: “É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial.”

VALE-TRANSPORTE. ÔNUS DA PROVA. “É do empregado o ônus de comprovar que satisfaz os requisitos indispensáveis à obtenção do vale-transporte.” (Orientação Jurisprudencial 215 da SBDI-1 do TST).

ADICIONAL NOTURNO. O Recurso de Revista está desfundamentado, à luz do art. 896 da CLT, porque não há indicação de ofensa a dispositivo de lei nem transcrição de julgado para comprovação de divergência jurisprudencial. Recurso de Revista de que se conhece em parte e a que se dá provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-77.441/2003-900-02-00.3, em que é Recorrente MERCOSUL ASSISTANCE PARTICIPAÇÕES LTDA. e Recorrida PATRÍCIA MARIA SILVA SANTOS.

Irresignada, a reclamada interpõe Recurso de Revista (fls. 153/162), buscando reformar o acórdão regional no tocante aos temas: vínculo de emprego, equiparação salarial, vale transporte e adicional noturno. Aponta ofensa a dispositivos de lei bem como transcreve arestos para confronto de teses.

O Recurso foi admitido mediante o despacho de fls. 202. Foram oferecidas contra-razões (fls. 207/217) O Recurso não foi submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

Preenchidos os pressupostos comuns de admissibilidade do Recurso de Revista, passo a examinar os específicos.

1. CONHECIMENTO

1.1. VÍNCULO EMPREGATÍCIO

O Tribunal Regional do Trabalho negou provimento ao Recurso Ordinário interposto pela reclamada, mantendo o reconhecimento de vínculo de emprego entre as partes, consignando o seguinte:

“Alega a reclamada que foi mantido entre as partes contrato de estágio, nos termos da Lei 6.494/77, entretanto, não tem razão. Nada resta a este Tribunal senão a confirmação da r. sentença de origem. Incontroverso que a reclamante em suas atividades de atendimento telefônico a clientes e digitação das ocorrências de acidentes de veículos inseria-se nas atividades rotineiras da empresa, que tem por objetivo econômico a prestação de serviços para diversas companhias de seguros para veículos.

Incontroverso também que a reclamante fazia faculdade de jornalismo, de forma que a única conclusão possível é a e que de fato não havia nenhum liame entre suas atividades na reclamada e seus estudos universitários.

Ainda que o Decreto 87.497 não exija paralelismo absoluto entre o curso realizado pelo estudante e o estágio, é certo que a sua existência só se justifica se o trabalho se constituir em elemento integrador entre a área de estudo e a profissionalização nessa mesma área, sob pena de se admitir fraude à legislação trabalhista e autorizada a criação de uma sub categoria de trabalhadores.” (fls. 149)

A reclamada interpõe Recurso de Revista, sustentando que “se a própria lei considera como estágio a participação do estudante em empreendimentos ou projetos de interesse social, não há como exigir total relação entre as atividades desenvolvidas pelo estudante na empresa e seu currículo escolar” (fls. 159). Aponta violação ao art. 4º da Lei 6.494/77 e divergência jurisprudencial.

Incide na espécie a orientação expressa na Súmula 126 desta Corte, pois, no Recurso de Revista, a parte pretende o reexame do conjunto probatório fixado pelo Tribunal Regional. A aferição da veracidade da assertiva do Tribunal Regional — no sentido de que não havia liame entre as atividades da reclamada e os estudos universitários da reclamante — ou da parte — no sentido de que o contrato que manteve com a reclamante era de estágio — depende de nova reavaliação dos fatos, procedimento vedado em sede de Recurso de Revista.

A incidência da Súmula 126 desta Corte, por si só, afasta o cabimento do Recurso por violação de lei e por dissenso pretoriano. NÃO CONHEÇO.

1.2. EQUIPARAÇÃO SALARIAL

O Tribunal de origem, quanto à equiparação salarial, negou provimento ao Recurso Ordinário interposto pela reclamada, nos seguintes termos:

“Reconhecido o vínculo empregatício, e tendo a reclamada alegado como fato impeditivo ao pedido a existência de diferença de perfeição técnica e produtividade, cabia a ela o ônus de produzir tal prova, e dele não se desincumbiu. Mantenho.” (fls. 150)

No Recurso de Revista, a reclamada aduz que a reclamante não se desincumbiu do ônus de provar que exercia função equiparada à exercida pela sua paradigma. Aponta violação aos arts. 461 e 818 da CLT, 333, incs. I e II, do CPC e divergência jurisprudencial.

O acórdão regional encontra-se em conformidade com a Súmula 6, item VIII, desta Corte, segundo a qual:

“É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial. (ex-Súmula nº 68 – RA 9/77, DJ 11.02.1977)” Incide na espécie a orientação contida na Súmula 333 do TST, ficando inviabilizado o confronto de teses, a teor do art. 896, § 4º, da CLT.

A aplicação do entendimento pacífico desta Corte afasta de pronto a aferição das violações a dispositivos de lei apontadas, exatamente porque aquele reflete a interpretação dos dispositivos que regem a matéria em questão, já se encontrando, portanto, superado o debate a respeito. NÃO CONHEÇO.

1.3. VALE-TRANSPORTE

Estes são os termos do acórdão regional em relação ao vale-transporte:

“O fato constitutivo do direito ao vale transporte é a utilização de conduções, pelo empregado, para locomoção ao local de trabalho. A renúncia ao vale, é fato extintivo desse direito e o ônus da prova quanto aos fatos extintivos, é do empregador (CPC art. 333-II). Assim como o empregador providenciava a opção do empregado pelo regime do FGTS, por escrito, deve também fornecer formulário para que o empregado opte ou não pelo recebimento do vale transporte. Mantenho a r. sentença de origem.” (fls. 150)

A reclamada, em seu Recurso de Revista, afirma que a reclamante jamais lhe forneceu os dados necessários para o exercício do direito de receber o vale-transporte, exigência prevista no art. 7º do Decreto 95.247/87.

Aponta violação ao art. 7º do Decreto 95.247/87 e dissenso pretoriano. O segundo aresto trazido para confronto a fls. 161 é divergente, tendo em vista que registrar que “cabe ao reclamante provar a solicitação bem assim a existência de necessidade de utilização do transporte para fazer jus a indenização substitutiva”. CONHEÇO, por divergência jurisprudencial.

1.4. ADICIONAL NOTURNO

No tocante ao adicional noturno, o Colegiado a quo assentou é o seguinte:

“A reclamada alega que o adicional em questão só é devido aos empregados e que não existia vínculo empregatício entre as partes. Reconhecido o contrato de emprego, o pagamento do título pleiteado constitui-se em decorrência lógico-jurídica e é devido à reclamante.” (fls. 150)

A reclamada assevera, no Recurso de Revista, que o adicional noturno não é devido à reclamante, tendo em vista a inexistência de vínculo empregatício entre as partes.

O Recurso de Revista está desfundamentado, à luz do art. 896 da CLT, porque não há indicação de ofensa a dispositivo de lei nem transcrição de julgado para comprovação de divergência jurisprudencial. NÃO CONHEÇO.

2. MÉRITO

2.1. VALE-TRANSPORTE. ÔNUS DA PROVA

Esta Corte Superior pacificou o entendimento acerca do ônus da prova em relação aos requisitos indispensáveis à obtenção do vale-transporte, consubstanciada na Orientação Jurisprudencial 215 da SBDI-1, a qual dispõe:

“VALE-TRANSPORTE. ÔNUS DA PROVA. É do empregado o ônus de comprovar que satisfaz os requisitos indispensáveis à obtenção do vale-transporte.”

Assim sendo, observa-se que o entendimento expendido no acórdão regional contrariou a Orientação Jurisprudencial 215 da SBDI-1 desta Corte, porquanto no presente caso a reclamante não se desincumbiu do seu ônus de provar o preenchimento dos requisitos legais para obtenção do vale-transporte. DOU PROVIMENTO para excluir da condenação o pagamento do vale-transporte.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista apenas em relação ao vale-transporte, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir da condenação o pagamento do vale-transporte.

Brasília, 31 de agosto de 2005.

JOÃO BATISTA BRITO PEREIRA

Ministro Relator

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!