Planos de saúde

ANS deve ter função orientadora e não punitiva

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6 de outubro de 2005, 19h59

Alguns aspectos jurídicos relevantes decorrem da interpretação das normas aplicáveis às operadoras de planos de saúde no que diz respeito ao reconhecimento de infrações por parte das empresas e imposição de penalidades, normas estas tanto legais quanto infra-legais. Aquelas decorrentes da interpretação da Lei Federal 9.656/98 (a Lei de Planos de Saúde). Estas principalmente da interpretação das resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

A Lei Federal referida delegou à ANS, em seu artigo 1º, parágrafo primeiro, o poder de polícia a ser exercido sobre as operadoras, de forma imparcial, fiscalizando seus atos e posturas contratuais, bem como o seu relacionamento com os usuários dos contratos, sobrevindo no ano de 2000 a Lei Federal 9.961 que regulamentou a atuação da ANS. Assim, infringida uma determinação normativa, legal ou infra-legal, a Agência Nacional de Saúde, com o poder conferido por lei, deve aplicar a sanção, normalmente após procedimento administrativo iniciado com um pedido de esclarecimentos que pode culminar com a aplicação de multas que variam de R$ 50 mil a R$ 1 milhão.

Contudo, diante de duas situação similares, a ANS vem atuando de forma distinta na apuração dos fatos e, pior, na aplicação de penalidades. A Agência Nacional de Saúde Suplementar promove as investigações por meio de denúncias de usuários à autarquia e por meio do projeto denominado “olho vivo” quando, por amostragem, uma empresa é selecionada para que seja averiguado se a mesma cumpre as normas do setor. Tanto um procedimento quanto outro visam, objetivamente, a verificação de eventual infração por parte da operadora distinguindo um procedimento do outro apenas pela sua origem já que um é derivado do próprio consumidor e outro iniciado espontaneamente pela ANS. Contudo, verificada, por qualquer dos meios, a prática de infração, as conseqüências são diversas, e aqui reside a ilegalidade.

Com efeito reconhecendo a ANS a prática de infração por parte da empresa e por meio do projeto “olho vivo” a operadora é convocada para que, em data previamente designada, compareça na sede da autarquia para firmar um termo de compromisso ou ajuste de conduta quando então a empresa se compromete a regularizar a postura tida por irregular sob pena, aí sim, no caso de descumprimento, de aplicação de multa. Este, em nosso entendimento, uma prática correta e justa já que atua a ANS, num primeiro momento, e efetivamente, como órgão imparcial e orientador, como deve ser. Porém, quando a investigação ocorre decorrente de pedido ou denúncia do usuário, de forma direta, a ANS, após a inauguração de procedimento administrativo, e em reconhecendo a ocorrência da infração, aplica as multas previstas na Resolução da Diretoria Colegiada 24/2000, normalmente fixadas em R$ 50 mil.

Os atos levados a efeito pela ANS, tanto decorrente do projeto “olho vivo” como da denúncia de beneficiários dos planos de saúde, visam a uma só finalidade, qual seja a verificação da prática infrativa. Contudo, no primeiro caso a ANS orienta a operadora, concedendo-lhe a oportunidade de adequação o que didaticamente é aconselhável. No segundo caso, sem oportunidade de correção do eventual erro, aplica a multa. Para situação semelhantes, tratamentos diferentes.

A Lei Federal 9.784/99, que regula os procedimentos administrativos da União Federal, da qual a ANS é uma autarquia — aplicável portanto a legislação ao caso em análise — dispõe em seu artigo 2º que “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência” prevendo ainda em seu parágrafo único que deverá a Administração atuar “conforme a Lei e o Direito”.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil prevê, em seu artigo 150, inciso II, ao tratar das garantias tributárias dos contribuintes, aqui aplicado por analogia, a proibição de que haja tratamento “desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, princípio este decorrente das garantias também constitucionais insculpidas no artigo 5º da mesma CF. Aliás todo o ordenamento jurídico pátrio tem como um de seus pilares o princípio da isonomia.

No último dia 21, na sede da Amcham — Câmara Americana de Comércio da cidade de Campinas, em exemplar palestra proferida pela atual diretora de fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Maria Stella Gregori, ficou claro que a ANS, como meta futura, pretende rever a política de aplicação de penalidades às empresas operadoras de planos de saúde havendo sinalização para que a atuação da agência reguladora, num primeiro momento, seja orientadora e não punitiva, o que, em nosso entendimento, viria ao encontro do pretendido pelo constituinte brasileiro.

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