Pré-referendo

STF julga se porte ilegal de arma sem munição é crime

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5 de outubro de 2005, 20h26

Pedido de vista do ministro Carlos Velloso interrompeu, hoje, o julgamento de um hábeas corpus no qual o Supremo Tribunal Federal discutiria a tipicidade da conduta de quem porta arma, ilegal, desmuniciada.

A tipicidade ocorre quando determinada conduta praticada por uma pessoa está “tipificada” – ou descrita – no Código Penal ou em uma lei. E para essa conduta haja a previsão de uma pena. Os ministros iriam discutir se o fato de alguém estar com uma arma, sem munição e ausente a possibilidade de municiá-la rapidamente, pode ser considerado crime.

No entanto, ao discutir o tema no seu voto, o ministro-relator do HC 85240, Carlos Ayres Britto citou as motivações legislativas para a criação da lei 9.437/97, que instituiu o Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Nessa lei, no artigo 10, estão descritas várias condutas associadas às armas de fogo e a respectiva punição para quem as exercer –entre elas, a do impetrante do habeas corpus, preso há seis meses pelo porte ilegal de arma.

O artigo 10 da lei 9437/97 tem a seguinte redação: “Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena – detenção de um a dois anos e multa”.

Ao proferir seu voto, Ayres Britto tocou em temas delicados, como as armas de fogo serem tidas como as principais causadoras de morte em acidentes caseiros. Em tempos de referendo, a discussão incomodou o ministro Carlos Velloso, que, além de ministro do STF, preside o Tribunal Superior Eleitoral, responsável pela consulta popular do dia 23.

Velloso chegou a pedir a suspensão do julgamento. Mas Ayres Britto ponderou que leria, de seu voto, apenas os objetivos do legislador com a lei. O ministro Joaquim Barbosa ainda sugeriu que houvesse um pedido de vista, posterior à concessão de uma medida cautelar em favor do réu, para evitar o debate. O relator, porém, finalizou seu voto, negando o hábeas corpus, por entender que se tratava de uma conduta típica.

Em seguida, abriu a divergência o ministro Sepúlveda Pertence, que foi o relator do acórdão do RHC 81057, julgado na 1ª turma do Supremo. Nesse julgamento, vencidos os ministros Ilmar Galvão e Ellen Gracie, relatora, decidiu-se pela concessão de um habeas corpus em caso idêntico ao julgado pelo pleno hoje. Na oportunidade, os ministros entenderam que não havia uma conduta típica em razão da arma estar sem munição.

Pertence iniciou seu voto lendo a ementa do acórdão que decorreu do julgamento na 1ª turma: “para a teoria moderna – que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso – o cuidar-se de crime de mera conduta – no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação – não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte”.

Ainda de acordo com a leitura da ementa, “na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça – pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos – da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena.”

A última parte da ementa, lembrou Pertence, aponta que a potencialidade da arma está associada à possibilidade de se municiá-la em breve espaço de tempo. Depois do voto dissidente, houve um intervalo. Na volta, ao se reiniciar a sessão, Carlos Velloso pediu vista do processo.

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