Profissão regulamentada

Veja decisão que fixa exigência de diploma para jornalista

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30 de novembro de 2005, 18h15

Não se pode confundir liberdade de manifestação do pensamento ou de expressão com liberdade de profissão. Além disso, a exigência do diploma para exercer o jornalismo foi criada pelo Decreto-Lei 972/69, durante a ditadura militar e amparado mais tarde pela Constituição de 1988 que assegurou o livre exercício da atividade, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei.

Com esses fundamentos, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, determinou em outubro deste ano a exigência de diploma de curso superior para a atividade de jornalista. O relator do caso, juiz federal convocado Manoel Álvares registrou em seu voto: “Como é sabido, a profissão de jornalista é uma profissão liberal, assim entendida a que exige, por excelência, a intervenção do intelecto e para cujo exercício é indispensável o diploma do curso superior específico conferido por estabelecimento de ensino autorizado ou reconhecido”. A decisão foi publicada nesta quarta-feira (30/11) no Diário Oficial da União.

Para os desembargadores a exigência do diploma não ofende as garantias constitucionais de liberdade de trabalho, liberdade de expressão e manifestação de pensamento. “Liberdade de informação garantida, bem como garantido o acesso à informação. Inexistência de ofensa ou incompatibilidade com a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos”, afirmaram na decisão.

“Não se pode confundir liberdade de manifestação do pensamento ou de expressão com liberdade de profissão. Quanto a esta, a Constituição assegurou o seu livre exercício, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei (art. 5º, XIII). O texto constitucional não deixa dúvidas, portanto, de que a lei ordinária pode estabelecer as qualificações profissionais necessárias para o livre exercício de determinada profissão”, explicita a decisão.

A exigência do diploma para exercer o jornalismo foi criada pelo Decreto-Lei 972/69, durante a ditadura militar. Até então, não era necessário cursar faculdade de jornalismo para ser registrado na profissão. Em 2001, o Ministério Público Federal entrou com Ação Civil Pública na 16ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo contra o decreto-lei.

Para o autor da ação, o procurador regional dos Direitos do Cidadão André de Carvalho Ramos, exigir o diploma restringe o acesso a uma profissão essencial para a liberdade de expressão. Na ação, ele ainda argumenta que a conduta profissional ética não é assegurada pelo curso. Os argumentos do procurador vão no sentido de parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos, emitido em 1985.

Em outubro de 2001, a juíza federal Carla Abrantkoski Rister concedeu liminar para suspender a exigência do diploma. Em primeira instância, a decisão foi confirmada. A União e a Fenaj — Federação Nacional dos Jornalistas, então, recorreram. E, nesta quarta-feira, conseguiram derrubar a decisão.

Leia a decisão e o voto do relator

Tribunal Regional Federal da 3ª Região

PROC. : 2001.61.00.025946-3 AC 922220

APTE: Ministerio Publico Federal

PROC: ANDRE DE CARVALHO RAMOS (Int.Pessoal)

APTE: Uniao Federal

ADV: ANTONIO LEVI MENDES

APTE: FEDERACAO NACIONAL DOS JORNALISTAS FENAJ e outro

ADV: JOAO ROBERTO EGYDIO PIZA FONTES

APDO: SINDICATO DAS EMPRESAS DE RADIO E TELEVISAO NO ESTADO DE SAO PAULO SERTESP

ADV: RUBENS AUGUSTO CAMARGO DE MORAES

APDO: OS MESMOS

REMTE: JUIZO FEDERAL DA 16 VARA SAO PAULO Sec Jud SP

RELATOR: JUIZ CONV. MANOEL ALVARES / QUARTA TURMA

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Manoel Álvares (Relator)

O Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada, de abrangência nacional, em face da UNIÃO, sustentando, em apertada síntese, a não recepção do artigo 4º e seu inciso V do Decreto-Lei n. 972/69, que exige a formação em curso superior de jornalismo para o exercício profissional de jornalista e registro perante o Ministério do Trabalho, pela Constituição Federal de 1988, em face do disposto nos artigos 5º, IX, XIII e 220, §1º. Sustenta ainda que o dispositivo causa lesão à liberdade do exercício de profissão e à liberdade de expressão de pensamentos e ofende a Convenção Americana dos Direitos Humanos, impedindo o livre acesso à informação; aduz que a profissão de jornalista prescinde de qualificação técnica a dar ensejo à regra de exceção prevista no artigo 5º, XIII, da Constituição Federal (fls. 02/52).

Com esses fundamentos postulou, em tutela antecipada:

1. Seja a União obrigada a não mais registrar ou fornecer qualquer número de inscrição no Ministério do Trabalho para os diplomados em jornalismo, informando aos interessados a desnecessidade do registro e inscrição para o exercício da profissão de jornalista.


2. Seja a União obrigada a não mais executar fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau de curso universitário de jornalismo, bem como não mais lavrar os autos de infração correspondentes.

3. Sejam declarados nulos todos os autos de infração lavrados contra indivíduos por auditores-fiscais do trabalho, em fase de execução ou não, em razão da prática do jornalismo sem o correspondente diploma.

4. Sejam remetidos ofícios aos Tribunais de Justiça de todos os Estados da Federação, dando ciência de antecipação de tutela, de forma a que se aprecie a pertinência de trancamento de eventuais inquéritos policiais ou ações penais, que por lá tramitem, tendo por objeto a apuração de prática de delito de exercício ilegal da profissão de jornalista.

Ao final, postulou a procedência do pedido para, em caráter definitivo:

1) Ser confirmada a tutela antecipada pleiteada.

2) Ser fixada multa de R$10.000,00, a ser revertida em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos (art. 13 da Lei n. 7347/85), para cada auto de infração lavrado em descumprimento das obrigações impostas através da concessão do pedido.

3) Ser a ré condenada a reparar os danos morais coletivos causados pela conduta impugnada.

A tutela antecipada foi parcialmente deferida para determinar que a ré, em todo o país, não mais exija o diploma de curso superior em jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de diploma para tanto, bem assim que não execute mais fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau de nível universitário de jornalismo, assim como deixe de exarar os autos de infração correspondentes, até decisão final, sob pena de cominação de multa diária, nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347/85 (fls.317/326).

A FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo ingressaram nos autos, na qualidade de terceiros interessados, postulando pela devolução de prazo para interposição de recurso de agravo de instrumento. Pedido deferido mediante a comprovação da representação processual, interesse jurídico e legitimidade (fls. 332/333).

Às folhas 340/348, a FENAJ e o Sindicato dos Jornalistas apresentam suas razões de interesse jurídico e legitimidade, postulando pelo ingresso nos autos na qualidade de assistentes simples da União. Intimadas as partes para manifestação acerca do pedido de ingresso na lide, o Ministério Público Federal, às folhas 385/391, apresentou impugnação, postulando pelo desentranhamento das peças constantes de folhas 332/334, 340/348 e 385/391, para autuação em apenso, bem como pelo indeferimento do ingresso na lide da FENAJ e do Sindicato dos Jornalistas. A União apresentou concordância com o ingresso dos assistentes (fls. 501/502). Por sua vez, o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo – SERTESP ingressou nos autos requerendo sua admissão como assistente do Ministério Público Federal, na qualidade de terceiro interessado (fls. 710). Pedidos deferidos, conforme decisão de fls. 747.

A União, às fls. 336/337, postulou pela reconsideração da decisão que antecipou a tutela, para o fim de que as obrigações impostas fossem dirigidas diretamente ao Ministério do Trabalho, haja vista a falta de poderes de ingerência da AGU no Ministério do Trabalho e suas Delegacias, detendo tão somente a representação jurídico-processual. Pedido deferido.

A FENAJ e o Sindicato dos Jornalistas interpuseram recurso de agravo de instrumento contra a antecipação de tutela parcialmente deferida, pleiteando o efeito suspensivo ao recurso (fls. 398/476). Da mesma forma, insurgiu-se a União, postulando pelo efeito suspensivo ao recurso de agravo e pela reforma da decisão monocrática que deferiu parcialmente a antecipação da tutela (fls. 478/493).

Mencionados agravos foram recebidos neste E. Tribunal, tramitando com os números 2001.03.00.034677-0 e 2001.03.00.035349-0 (apensados). Determinado o processamento dos agravos sem feito suspensivo, até o pronunciamento definitivo da Turma. Esses dois recursos foram tidos por prejudicados, em face da prolação da sentença, ora recorrida.

Constam dos autos petições de terceiros interessados (Pedro Paulo Notaro – fls. 495, Antonio Carlos Arnone – fls. 498, Adriana Carvalho – fls. 504 e José Goulart Quirino – fls. 515) requerendo o ingresso nos autos. Pedidos indeferidos, ante a ausência de interesse processual e legitimidade (fls. 747). A União apresentou contestação às fls. 567, aduzindo preliminarmente: vedação legal de antecipação da tutela em face da Fazenda Pública; ilegitimidade ativa do Ministério Público; inadequação da via eleita; e restrição de jurisdição a esta Região. No mérito, pugnou pela improcedência da ação, defendendo a legislação vigente sob o fundamento de que a exigência de formação de nível superior é indispensável para o exercício da profissão de jornalista diante da necessária qualificação técnica e moral do profissional em face da relevância da profissão e dos riscos que seu exercício, sem a devida qualificação, oferecem à coletividade; sustenta que a exigência não afeta a liberdade de expressão, nem tão pouco limita o acesso à informação, não restando qualquer agressão à ordem constitucional vigente.


Às fls. 621 e segs., contestaram a ação a FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo argüindo, preliminarmente: ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal; inadequação da via eleita, por sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade; e configuração de litisconsórcio necessário não observado. No mérito, sustentaram a constitucionalidade do Decreto-Lei n. 972/69 e sua recepção pela Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de que a regulamentação por lei, do exercício da profissão, além de encontrar respaldo no artigo 5º, XIII da CF de 1988, em hipótese alguma afeta a liberdade de expressão ditada pelo artigo 220 da mesma. Ao contrário, o § 1º do artigo invocado traz expressa a necessidade de observância à ressalva constante do artigo 5º, XIII. Defenderam, outrossim, a necessidade de qualificação técnica para o exercício da profissão, sob pena de colocar em risco toda a coletividade. Refutam a tese de impedimento de acesso à informação, invocando dispositivos que tratam da matéria.

Houve réplica do Ministério Público Federal, apresentada às fls. 756/774, reiterando os fundamentos e pedidos da exordial.

Manifestou-se o Sindicato de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo reiterando a não recepção do Decreto-Lei n. 972/69 (fls. 785/796).

Proferida sentença (fls. 883/930), afastando as preliminares argüidas, com parcial procedência do pedido para:

a) Determinar que a ré União, em todo o país, não mais exija o diploma de curso superior em jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma para tanto, bem assim que não mais execute fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau universitário de jornalismo, assim como deixe de exarar os autos de infração correspondentes.

b) Declarar a nulidade de todos os autos de infração pendentes de execução lavrados por Auditores-Fiscais do Trabalho contra indivíduos, em razão da prática do jornalismo sem o correspondente diploma.

c) Que sejam remetidos ofícios aos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação, de forma a que se aprecie a pertinência de trancamento de eventuais inquéritos policiais ou ações penais em trâmite, tendo por objeto a apuração de prática de delito de exercício ilegal da profissão de jornalista.

d) Fixar multa de R$10.000,00 (dez mil reais), a ser revertida em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos, para cada auto de infração lavrado em descumprimento das obrigações impostas no decisum.

Os fundamentos invocados na r. sentença como razão de decidir foram, em síntese, os seguintes:

a) A exigência de regulamentação por lei ao direito do livre exercício de profissão, a teor do artigo 5º, XIII da Constituição Federal, só é permitida em estrita observância ao interesse público, em defesa da coletividade, exemplificando com as profissões de engenharia e da área de saúde, profissões que colocam em risco a vida das pessoas, caso desempenhadas por profissionais sem capacitação técnica. Não se identificando esses requisitos, prevalece a regra geral do livre exercício da profissão.

b) Do exercício da profissão de jornalista, não se vislumbram riscos à coletividade e ao interesse público que justifiquem a restrição imposta pelo Decreto-Lei n. 972/69, quanto à exigência do diploma em curso superior de jornalista, bem como não exigem uma capacitação técnica, mas tão somente uma formação cultural sólida e diversificada, o que não se adquire apenas com a freqüência a uma faculdade, mas sim pelo hábito da leitura e pelo próprio exercício da prática profissional.

c) O exercício da profissão por profissional inepto não prejudica diretamente direito de terceiro, pelo que restaria afastado o interesse público que consiste na garantia do direito à informação, a ser exercido sem qualquer restrição, através da livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, invocando o inciso IX do artigo 5º e caput do artigo 220, ambos da Constituição Federal.

d) Os requisitos da ética ou da moral não se adquirem em bancos de faculdade, mas com a formação do indivíduo.

e) O leitor, o ouvinte ou o telespectador tem direito de ser informado de maneira plena, sem qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística, pelos melhores profissionais, quer tenham cursado a Faculdade de Jornalismo, quer não, mas observadas as qualificações profissionais dos informantes.

f) Existe incompatibilidade material da norma atacada em face do novo ordenamento que veio a consagrar as liberdades públicas, de manifestação do pensamento, de expressão intelectual, artística e científica, independentemente de censura prévia.


g) Não houve recepção da norma por incompatibilidade formal, haja vista ter sido outorgado por Junta de Militares em desrespeito ao processo legislativo vigente à época.

h) A exigência de formação superior para o exercício da profissão de jornalismo não é compatível com a atual ordem social, diante da realidade social do País e da necessidade de atendimento aos fins sociais e do bem comum, na busca da eliminação das desigualdades sociais e do pleno emprego, consagradas como princípios da ordem econômica (art. 170, VII e VIII, da CF).

i) Há incompatibilidade dessa exigência com a Convenção Americana de Direitos Humanos, em face do caráter vinculante desta, haja vista a ratificação pelo Brasil.

j) Há coerência na exigência de registro no Ministério do Trabalho, vez que em todas as profissões é salutar que exista uma entidade de controle e fiscalização daquelas pessoas que as exercem de modo profissional.

k) É descabida a reparação por danos morais coletivos, pois eventuais sofrimentos verificados no âmbito individual por parte das pessoas que foram impedidas de exercer a profissão não caracteriza um dano moral coletivo indenizável, bem como não é possível a imputação de responsabilidade da União por todos os equívocos passados, mormente diante da natural evolução histórica das instituições democráticas.

Decisão sujeita ao reexame necessário. Subiram os autos por força deste e de recursos voluntários da União, da FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e do Ministério Público Federal.

Os recursos de apelação foram recebidos somente com efeito devolutivo (fls. 1.301); esta decisão foi objeto de agravo de instrumento interposto por FENAJ e Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, a fim de conferir efeito suspensivo à apelação (proc. nº 2003.03.00.042570-8). Inicialmente foi deferido efeito suspensivo ao mencionado agravo de instrumento, por decisão da Em. Desembargadora Federal Alda Basto (em Turma de Férias), da qual o Ministério Público Federal tirou Agravo Regimental. Este relator houve por bem em reconsiderar essa decisão, processando-se o agravo sem o efeito suspensivo.

A FENAJ e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, ás fls. 939/995, bem como a UNIÃO, às fls.1184/1197, apresentam, em síntese, como razões de recurso o seguinte:

a) Nulidade da sentença por cerceamento de defesa em ofensa ao princípio do devido processo legal e da ampla defesa, sob o fundamento de que o julgamento antecipado da lide, como verificado, não é compatível com a presente demanda que dava azo à matéria probatória. Necessária, pois, a produção de provas conforme requerido.

b) Ilegitimidade do Ministério Público Federal, sob o fundamento de que não tem legitimidade para ser substituto processual do titular de interesses individuais disponíveis.

c) O não cabimento da ação civil pública como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, vez que a pretensão deduzida na presente representa pedido de declaração de inconstitucionalidade em abstrato, vedado pela via de ação civil pública, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

d) Nulidade da sentença pela ausência de citação de litisconsortes necessários, sustentando que todos os entes Sindicais da Categoria e todas as Escolas Particulares de Jornalismo são diretamente e concretamente afetados pela tutela antecipada e final decisão.

e) No mérito, pugnam pela recepção do Decreto-Lei n. 972/69 em face da Constituição Federal considerando a exigência fixada no § 1º do artigo 220 da CF (inciso XIII do art. 5º), colocando a profissão dentre as quais se exige uma qualificação técnica profissional.

Defendem que o exercício da profissão, sem a devida qualificação, é prejudicial não só a terceiros, mas a toda coletividade e à ordem pública. Apresentam parecer da lavra da Procuradora Regional do Trabalho, Dr.ª Lucinea Alves Campus, opinando pela constitucionalidade do Decreto-Lei n. 972/69 e seu regulamento, destacando que o mesmo foi aprovado, em seção colegiada, pela Coordenadoria da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Procuradoria Geral do Trabalho e colacionando acórdão do E. Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região e do Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido. Aduzem que a exigência de formação em curso superior confere maior controle de qualidade na divulgação das notícias e das opiniões públicas não ferindo direito de liberdade de expressão e de profissão.

Destacam que a norma atacada libera da exigência de formação superior em jornalismo para a função de colaboradores e provisionados, afastando-se, assim, as teses de que a exigência de diploma prejudica àqueles que desejem se expressar ou atuar na área de jornalismo com especialização em áreas diversas, que há impedimento do acesso às informações em regiões desprovidas de profissionais formados ou ainda que há prejuízo aos profissionais que já exerciam a profissão anteriormente ao Decreto-Lei e seu Regulamento. Salientam que a norma atacada não fere o princípio do direito à informação, pelo que não conflita com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Sustentam ainda que a retirada do ordenamento da exigência de formação superior em jornalismo para o exercício da profissão viola o art. 5º da Constituição Federal, conferindo tratamento desigual para situações não desiguais, na medida em que não sujeita os não diplomados ao mesmo regime a que se sujeitam os diplomados. Colacionam várias Moções de Apoio e Solidariedade de diversas Câmaras Municipais (fls. 1099/1156). Por fim, pedem o provimento do recurso para anulação da sentença ou sua reforma, dando-se pela improcedência da ação.


Foram apresentadas contra-razões pelo Ministério Público Federal, às fls. 1430/1477, postulando pelo afastamento das preliminares argüidas e, no mérito, reiterando os fundamentos constantes da exordial.

Às folhas 1367/1328, também foram ofertadas contra-razões pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo – SERTESP, que se bate pela rejeição das preliminares argüidas e, no mérito, sustenta a existência de vício de incompetência dos Ministros para a edição do Decreto-Lei n. 972/69; assevera que o requisito do diploma do curso superior para o exercício da profissão previsto no art. 4º, III, do Decreto 83.284/79, não está previsto no Decreto-Lei 972/69, pelo que o texto regulamentador extravasou o seu limite, subvertendo a hierarquia das normas. Sustenta, ainda, a incompatibilidade material da norma veiculada pelo Decreto-Lei n. 972/69 em face da nova ordem social. Pede pela manutenção da sentença.

Por sua vez, o Ministério Público Federal, em seu recurso, postula a reforma da r. sentença na parte em que manteve a exigência de Registro do Profissional no Ministério do Trabalho, sustentando que também se trata de barreira ao acesso à profissão de jornalista e obstáculo à liberdade de expressão. Invoca entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Pugna ainda pelo reconhecimento do dano moral coletivo a ser fixado por arbitramento.

Foram ofertadas contra-razões, às fls. 1389/1406, por FENAJ e Sindicato, e, às fls.1413/1429, pela UNIÃO, repisando os fundamentos da improcedência da ação. A Douta Procuradora Regional da República, Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, apresentou parecer às fls. 1514/1548, manifestando-se no sentido de ser negado provimento às apelações da União, da FENAJ e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, bem como seja dado parcial provimento à apelação do Parquet Federal para determinar que a União se abstenha também de exigir o registro dos não diplomados em jornalismo.

É o relatório, dispensada revisão nos termos regimentais.

MANOEL ÁLVARES

Juiz Federal Convocado

Relator

V O T O

O Exmo. Senhor Juiz Federal Convocado Manoel Álvares (Relator).

De início, passo à análise das questões preliminares suscitadas nos recursos voluntários.

1. Da legitimidade ativa do Ministério Público.

Como é cediço, a Constituição Federal, no art. 127, caput, confere legitimidade ao Ministério Público para sair em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

De outra parte, a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC nº 75/93), em seu artigo 25, estatui: “Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estaduais, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: … IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”.

O interesse que se busca tutelar na presente demanda é, eminentemente, de ordem social e pública, indo além dos interesses individuais homogêneos do exercício da profissão de jornalista, alcançando direitos outros protegidos constitucionalmente, como a liberdade de expressão e acesso à informação, estes tidos como interesses ou direitos difusos, vez que são transindividuais, de natureza indivisível, e titularizados por pessoas indeterminadas.

Assim, ainda que a questão estivesse afeta apenas à proteção de direitos individuais homogêneos, mas em face da presença inquestionável do interesse social relevante nessa proteção, legitimado está o Ministério Público Federal para a propositura da presente ação civil pública.

Por tais fundamentos, rejeito a argüição preliminar de ilegitimidade ativa.

2. Da inadequação da via eleita.

Sobre a questão, reporto-me à decisão, reproduzida a fls. 697,que proferi quando apreciei pedido de efeito suspensivo ao agravo de instrumento tirado contra o deferimento de antecipação dos efeitos da tutela, nos seguintes termos:

“De outra parte, não há que se confundir ação direta de inconstitucionalidade, por meio da qual se faz o controle concentrado, com a ação civil pública, onde o controle de inconstitucionalidade é apenas incidental e difuso, vale dizer, a competência privativa do C. Supremo Tribunal Federal diz respeito à declaração de inconstitucionalidade de lei, ao passo que nas ações individuais ou coletivas pode-se pretender o reconhecimento de eventual inconstitucionalidade na aplicação da lei”.

Esse entendimento vem sendo reiteradamente acolhido pela Suprema Corte, consoante julgados citados a fls. 1447/1449.


Deve ser ressaltado, ainda, o fato de que a questão deve ser resolvida pelo fenômeno da recepção, vez que a norma impugnada é anterior à Constituição Federal vigente, não se podendo falar em controle de inconstitucionalidade.

Revela-se, pois, legítima e adequada a via da ação civil pública eleita pelo autor, pelo que rejeito a preliminar argüida.

3. Nulidade da sentença por cerceamento de defesa em ofensa ao princípio do devido processo legal e da ampla defesa.

Dispõe o artigo 330 do Código de Processo Civil: “O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I – quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;

II – quando ocorrer a revelia (art. 319)”.

Cumpre ao julgador avaliar a questão posta em juízo, verificando se versa matéria eminentemente de direito, caso em que, mesmo havendo pedido expresso de produção de provas, entendendo pela sua desnecessidade e, encontrando-se nos autos elementos suficientes para a formação de sua convicção, proferirá sentença.

No caso, embora manifestada a pretensão por produção de prova em audiência, forçoso reconhecer que a matéria dos autos é eminentemente de direito, constando dos autos documentação e fundamentação de todas as partes litigantes, não se vislumbrando qualquer questão de fato que justificasse a obrigatoriedade de dilação probatória, máxime para a colheita de depoimentos de profissionais da área de jornalismo.

A questão não encontra discrepância na jurisprudência dos Tribunais:

“Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina a prudente discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não da realização de prova em audiência, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessidade de não ofender o princípio basilar do pleno contraditório” (STJ-4ª Turma, REsp 3.047-ES, Rel. Min. Athos Carneiro, j. 21.8.90, não conheceram, v.u., DJU 17.9.90, p. 9.514).

E ainda:

“Constantes dos autos elementos de prova documental suficientes para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente a controvérsia” (STJ-4ª Turma, Ag 14.952-DF-AgRg, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 4.12.91, negaram provimento, v.u., DJU 3.2.92, p. 472). Por esses fundamentos, rejeito a argüição de nulidade suscitada.

4. Nulidade da sentença pela ausência de citação de litisconsortes necessários.

Há dois critérios para a configuração de litisconsórcio necessário: quanto à obrigatoriedade expressa de sua formação e quanto ao direito material. O litisconsórcio necessário pode se dar por lei ou pela natureza da relação jurídica. No caso, não se vislumbra a obrigatoriedade legal.

A questão deve ser analisada e resolvida, pois, em razão da natureza da relação jurídica. Nesse caso, haverá litisconsórcio necessário se verificada a possibilidade de a sentença atingir diretamente a esfera jurídica de outrem. De outra forma, se a sentença tiver potencialidade para atingir reflexamente direito de outrem, este poderá ingressar no processo como assistente simples, a teor do artigo 50 do CPC, mas não como litisconsorte necessário.

Sustentam a União, a FENAJ e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo tratar-se de litisconsórcio necessário em relação a todas as Faculdades e Cursos Superiores de Jornalismo e todos os Sindicatos representativos da categoria dentro de suas respectivas bases territoriais.

De plano, verifica-se que, quanto às Faculdades e Cursos Superiores de Jornalismo, a sentença poderá atingi-los de forma reflexa e não diretamente, afastando-se a condição de litisconsortes necessários, remanescendo a possibilidade de intervenção como assistentes.

Já quanto aos Sindicatos representativos da categoria, considerando que a presente ação é de eficácia nacional e não está adstrita à base territorial desta Seção Judiciária, a questão merece maior atenção. A FENAJ, na qualidade de Federação Nacional, consoante seu Estatuto Social e sua própria fundamentação constante de fls. 341: “(…) é entidade sindical, que congrega Sindicatos de Jornalistas do Brasil e representa os jornalistas, em nível nacional, para defesa de seus interesses profissionais, lutas e reivindicações, nos termos do art. 1º de seu Estatuto Social”. Assim, sua legitimação é notória, tanto assim que seu ingresso nos autos foi deferido pelo juízo monocrático.

De igual forma, cada Sindicato, em suas respectivas bases territoriais, cabendo-lhes as mesmas funções, a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas (inciso III do art. 8º, CF), caberia a postulação de ingresso no feito, como se verificou por parte de dois Sindicatos.


Assim, certo é que todos os Sindicatos da categoria têm legitimidade para integrar a lide, restando saber se na qualidade de litisconsortes facultativos ou necessários ou ainda como assistentes simples.

A própria lei da ação civil pública resolve a questão. Com efeito, está expresso no § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85: “Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes”. A previsão é clara ao determinar a facultatividade da formação litisconsorcial e não a sua necessariedade.

Assim, todos os Sindicatos legitimados que pretendessem atuar no processo, poderiam tê-lo feito, assim como o fizeram a FENAJ, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo e o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo – SERTESP.

Ademais, deve ser ressaltado que a FENAJ, efetivamente, praticou todos os atos que poderia praticar como litisconsorte facultativa, sem qualquer prejuízo, sendo ainda certo que é detentora de representatividade nacional, não havendo que se falar em qualquer nulidade ou prejuízo que tivesse o condão de macular a r. sentença. Pelo exposto, também rejeito a preliminar de nulidade processual argüida.

Ultrapassadas as questões preliminares e rejeitadas as argüições de nulidade, passo à análise do mérito da causa. O Ministério Público Federal insurge-se contra as exigências traçadas no Decreto-Lei n. 972, de 17 de outubro de 1969, para o exercício da profissão de jornalista, mormente as veiculadas pelo artigo 4º e inciso V, dando-as por indevidas, vez que não recepcionadas pela Carta Política de 1988, por ofensa às garantias constitucionais de liberdade de manifestação de pensamento (art. 5º, IV), liberdade de expressão de comunicação independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX), da liberdade de profissão (art. 5º, XIII) e liberdade de expressão e informação jornalística (art. 220 e §§), bem como inobservância e violação da Convenção Americana de Direitos Humanos.

O dispositivo atacado tem a seguinte redação:

“Art. 4º. O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de:

(…)

V – diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido, registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada, para as funções relacionadas de “a” a “g” no artigo 6º”.

Como se vê, a questão é eminentemente constitucional federal e requer, de início, seja feito um retrospecto de como foi tratada em nossas Constituições.

A Constituição Federal de 1934 (art. 113, n. 13) já garantia o livre exercício de qualquer profissão, desde que “observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer, ditadas pelo interesse público”.

A Carta de 1937, apesar do cunho ditatorial e restritivo à manifestação livre de pensamentos, inclusive restringindo a atividade de imprensa, assegurou:

“Art. 122. (…)

8. A liberdade de escolha de profissão ou do gênero de trabalho, indústria ou comércio, observadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público, nos termos da lei”.

A Constituição Federal de 1946 resgatou a liberdade de manifestação de pensamentos e do exercício profissional, mantendo, porém, a mesma ressalva:

“Art. 141. (…)

§ 14 – É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”.

Na mesma linha a Constituição de 1967, mantida inclusive sua redação quando da promulgação da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, ainda que sob as condições antidemocráticas verificadas à época, sob cuja vigência foi editado o Decreto-Lei n.º 972/69, assim dispondo:

“Artigo 153. (…)

§ 23. É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”.

A atual Constituição Federal, ao tratar dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, dispõe:

“Art. 5º. (…)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”.

Da simples leitura dos textos citados, verifica-se que o legislador constituinte manteve, sistematicamente, a possibilidade de norma infraconstitucional regulamentar e exigir qualificações técnicas necessárias para o exercício de determinadas profissões em atendimento aos interesses e necessidades de ordem pública.

Nenhuma dúvida, pois, sobre a possibilidade de lei ordinária regulamentar o exercício de determinadas profissões, seja na vigência das Constituições precedentes, seja na atual, remanescendo, contudo, a tormentosa questão da categoria a ser atribuída à profissão de jornalista, se entre as de necessária regulamentação ou colocando-a no plano das que não necessitam de qualificação ou regulamentação específica.


Em outras palavras, o Decreto-lei n. 972, de 17 de outubro de 1969, ou mais especificamente, o seu artigo 4º e inciso V teriam sido recepcionados pela Constituição Federal de 1988, vez que no Estado Democrático de Direito brasileiro estão asseguradas as garantias da liberdade de manifestação do pensamento, de comunicação independentemente de censura ou licença, do exercício de qualquer ofício ou profissão e de informação jornalística?

Nesse passo, são necessários breves comentários acerca do fenômeno da recepção de leis em face de um novo ordenamento jurídico, invocando, para tanto, os ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, in “Comentários à Constituição do Brasil” (Saraiva, 1988, 1º V. p. 367/368):

“… De fato, elas perdem o suporte de validade que lhes dava a Constituição anterior. Entretanto, ao mesmo tempo, elas recebem novo suporte, novo apoio, expresso ou tácito, da Constituição nova. Este é o fenômeno da recepção, similar à recepção do direito romano na Europa. Trata-se de um processo abreviado de criação de normas jurídicas, pelo qual a nova Constituição adota as leis já existentes, com ela compatíveis, dando-lhes validade, e assim evita o trabalho quase impossível de elaborar uma nova legislação de um dia para o outro. Portanto, a nova lei não é idêntica à lei anterior; ambas, têm o mesmo conteúdo, mas a nova lei tem seu fundamento na nova Constituição, a razão de sua validade é, então, diferente. Do exposto se constata que há uma grande diferença entre a lei constitucional anterior e a lei ordinária também anterior. Com a entrada em vigor da Constituição, cessa a eficácia da norma constitucional, o mesmo não se dando com a legislação ordinária anterior, a qual não cessa de viger, embora o novo fundamento de validade venha informado pelos princípios materiais da nova Constituição. O único obstáculo a transpor é não ser contrária à nova Constituição. Dá-se portanto uma novação, o que significa que as normas ordinárias são recepcionadas pela nova ordem constitucional e submetidas a um novo fundamento de validade”.

E prosseguem os mestres:

“A única exigência para que o direito ordinário anterior sobreviva debaixo da nova Constituição é que não mantenha com ela nenhuma contrariedade, não importando que a mantivesse com a anterior, quer do ponto de vista material, quer formal. Não que a nova Constituição esteja a convalidar vícios anteriores. Ela simplesmente dispõe ex novo. O que se quer dizer é que o fato de uma norma ter sido aprovada por um ato inferior à lei, mas que sob o regime antigo tinha força de lei, não é óbice para que continue em vigor debaixo da Constituição nova que exige lei formal para tanto. No nosso direito até hoje temos em vigor atos normativos com força de lei, embora tivessem sido aprovados à época (período imediatamente anterior à constitucionalização de 1934) por meros decretos”.

Pois bem. O Decreto-Lei n.º 972, de 17 de outubro de 1969, veio regulamentar o exercício da profissão de jornalista, contendo norma de cunho conceitual e restritivo somente quanto ao aspecto de exigência de qualificação para o exercício da profissão e registro perante o órgão competente, assim dispondo:

“Art. 1º. O exercício da profissão de jornalista é livre, em todo o território nacional, aos que satisfizerem as condições estabelecidas neste Decreto-Lei”.

Os artigos 2º e 3º trazem os conceitos de profissão de jornalista e de empresa jornalística, enumerando as atividades da profissão e das empresas, respectivamente:

“Art. 2º. A profissão de jornalista compreende, privativamente, o exercício habitual e remunerado de qualquer das seguintes

atividades:

a) redação, condensação, titulação, interpretação, correção ou coordenação de matéria a ser divulgada, contenha ou não comentário;

b) comentário ou crônica, pelo rádio ou pela televisão;

c) entrevista, inquérito ou reportagem, escrita ou falda;

d) planejamento, organização, direção e eventual execução de serviços técnicos de jornalismo, como os de arquivo, ilustração ou distribuição gráfica de matéria a ser divulgada;

e) planejamento, organização de administração técnica dos serviços de que trata a alínea “a”;

f) ensino de técnicas de jornalismo;

g) coleta de notícias ou informações e seu preparo para divulgação;

h) revisão de originais de matéria jornalística, com vistas à correção redacional e a adequação da linguagem;

i) organização e conservação de arquivo jornalístico, e pesquisa dos respectivos dados para a elaboração de notícias;

j) execução da distribuição gráfica de texto, fotografia ou ilustração de caráter jornalístico, para fins de divulgação;

l) execução de desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico.


“Art. 3º Considera-se empresa jornalística, para os efeitos deste Decreto-Lei, aquela que tenha como atividade a edição de jornal ou revista, ou a distribuição de noticiário, com funcionamento efetivo idoneidade financeira e registro legal.

§ 1º Equipara-se a empresa jornalística a seção ou serviço de empresa de radiodifusão, televisão ou divulgação cinematográfica, ou de agência de publicidade, onde sejam exercidas as atividades prevista no artigo 2º.

§ 2º O órgão da administração pública direta ou autárquica que mantiver jornalista sob vínculo de direito público prestará, para fins

de registro, a declaração de exercício profissional ou de cumprimento de estágio. (Revogado pela Lei nº 6612/78)

§ 3º A empresa não jornalística sob cuja responsabilidade se editar publicação destinada a circulação externa, promoverá o

cumprimento desta lei relativamente aos jornalistas que contratar, observado, porém, o que determina o artigo 8º, § 4º”.

Esses dispositivos iniciais não sofreram restrição por parte do autor, até porque claramente não apresentam qualquer incompatibilidade com a Constituição de 1988.

Opunctum saliens da questão em debate é o comando emanado do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 972/69, assim expresso:

“Art. 4º. O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que se fará mediante a apresentação de:

I – prova de nacionalidade brasileira;

II – folha corrida;

III – carteira profissional;

IV – declaração de cumprimento de estágio em empresa jornalística; (Revogado pela Lei n. 6612/78)

V – diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada, para as funções relacionadas de “a” a “g” no artigo 6º.”

§ 1º O estágio de que trata o item IV será disciplinado em regulamento, devendo compreender período de trabalho não inferior a um ano precedido de registro no mesmo órgão a que se refere este artigo. (Revogado pela Lei n. 6612/78)

§ 2º O aluno do último ano de curso de jornalismo poderá ser contratado como estagiário, na forma do parágrafo anterior em qualquer das funções enumeradas no artigo 6º. (Revogado pela Lei n. 6612/78)

§ 1º O regulamento disporá ainda sobre o registro especial de:

(parágrafo renumerado pela Lei n. 7360/85 – de § 3º para §1º)

a) colaborador, assim entendido aquele que mediante remuneração e sem relação de emprego, produz trabalho de natureza técnica, científica ou cultural, relacionado com a sua especialização, para ser divulgado com o nome de qualificação do autor. (redação alterada pela Lei n. 6612/78);

b) funcionário público titular de cargo cujas atribuições legais coincidam com as do artigo 2º;

c) provisionados na forma do artigo 12, aos quais será assegurado o direito de transformar seu registro em profissional desde que comprovem o exercício de atividade jornalística nos dois últimos anos anteriores a data do Regulamento. (nova redação dada pela Lei n. 7.360/85) § 2º O registro de que tratam as alíneas “a” e “b” do parágrafo anterior não implica o reconhecimento de quaisquer direitos que decorram da condição de empregado, nem, no caso da alínea “b”, os resultantes do exercício privado e autônomo da profissão. (parágrafo renumerado através da Lei n. 7360/85 – de §4º para §2º)

Merece destaque, desde logo, que a norma ora atacada por que não teria sido recepcionada pela ordem constitucional vigente, foi reiteradamente alterada ou regulamentada: em 1978 (Lei 6.612), em 1979 (Decreto 83.284, que deu nova regulamentação ao Decreto-Lei n. 972/69), em 1985 (Lei 7.360) e, finalmente, em 1986 (Decreto 91.902, que regulamentou a Lei 7.360/85).

Há, ainda, os seguintes dispositivos pertinentes e complementadores ao entendimento e solução da questão:

“Art. 6º. As funções desempenhadas pelos jornalistas profissionais, como empregados, serão assim classificadas:

a) Redator: aquele que tem o encargo de redigir matéria de caráter informativo, desprovida de apreciação ou comentários;

b) Noticiarista: aquele que tem o encargo de redigir matéria de caráter informático, desprovida de apreciação ou comentários;

c) Repórter: aquele que cumpre a determinação de colher notícias ou informações, preparando-a para divulgação;

d) Repórter de Setor: aquele que tem o encargo de colher notícias ou informações sobre assuntos pré-deteminados, preparando-as para divulgação;

e) Rádio-Repórter: aquele a quem cabe a difusão oral de acontecimento ou entrevista pelo rádio ou pela televisão, no instante ou no local em que ocorram, assim como o comentário ou crônica, pelos mesmos veículos;


f) Arquivista-Pesquisador: aquele que tem a incumbência de organizar e conservar cultural e tecnicamente, o arquivo redatorial, procedendo à pesquisa dos respectivos dados para a elaboração de notícias:

g) Revisor: aquele que tem o encargo de rever as provas tipográficas de matéria jornalística;

h) Ilustrador: aquele que tem a seu cargo criar ou executar desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico;

i) Repórter-Fotográfico: aquele a quem cabe registrar, fotograficamente, quaisquer fatos ou assuntos de interesse jornalístico;

j) Repórter-Cinematográfico: aquele a quem cabe registrar cinematograficamente, quaisquer fatos ou assuntos de interesse jornalístico;

l) Diagramador: aquele a quem compete planejar e executar a distribuição gráfica de matérias, fotografias ou ilustrações de caráter jornalístico, para fins de publicação.

Parágrafo único: também serão privativas de jornalista profissional as funções de confiança pertinentes às atividades descritas no artigo 2º como editor, secretário, subsecretário, chefe de reportagem e chefe de revisão.

………

“Art. 10. Até noventa dias após a publicação do regulamento deste Decreto-Lei, poderá obter registro de jornalista profissional quem

comprovar o exercício atual da profissão, em qualquer das atividades descritas no artigo 2º, desde doze meses consecutivos ou vinte

e quatro intercalados, mediante:

I – os documentos previstos nos item I, II e III do artigo 4º;

II – atestado de empresa jornalística, do qual conste a data de admissão, a função exercida e o salário ajustado;

III – prova de contribuição para o instituto Nacional de Previdência Social, relativa à relação de emprego com a empresa jornalística atestante.

………

“Art. 12. A admissão de jornalistas, nas funções relacionadas de “a” a “g” no artigo 6º, e com dispensa da exigência constante do item V do artigo 4º, será permitida enquanto o Poder Executivo não dispuser em contrário, até o limite de um terço das novas admissões a partir da vigência deste Decreto-Lei”.

O Decreto n.º 83.284, de 13 de março de 1979, trouxe nova regulamentação ao Decreto-Lei n. 972/69 e o fez da forma mais completa possível, pelo que não pode deixar de ser analisado em conjunto com a norma atacada, principalmente em face de duas alegações constantes da inicial, quais sejam a impossibilidade do exercício da profissão sem formação específica para áreas de conhecimentos especializados e a limitação de acesso à informação em regiões e municípios desprovidos dos profissionais com formação superior em jornalismo.

Com efeito, dispõe o regulamento:

“Art. 4º. O exercício de profissão de jornalista requer prévio registro no Órgão Regional do Ministério do Trabalho, que se fará

mediante a apresentação de:

(…)

III – diploma de curso de nível superior de Jornalismo ou de Comunicação Social, habilitação jornalismo, fornecido por estabelecimento de ensino reconhecido na forma da lei, para as funções relacionadas nos itens I a VII do artigo 11;” (…)

“Art. 5º. O Ministério do Trabalho, concederá, desde que satisfeitas as exigências constantes deste decreto, registro especial ao:

I – colaborador, assim entendido aquele que, mediante remuneração e sem relação de emprego, produz trabalho de natureza técnica, científica ou cultural, relacionado com a sua especialização, para ser divulgado com o nome e qualificação do autor;

II – funcionário público titular de cargo cujas atribuições legais coincidam com as mencionadas no artigo 2º;

III – provisionado.

Parágrafo único. O registro de que tratam os itens I e II deste artigo não implica o reconhecimento de quaisquer direitos que decorram da condição de empregado, nem, no caso do item II, os resultantes do exercício privado e autônomo da profissão.

“Art. 6º. Para o registro especial de colaborador é necessário a apresentação de:

I – prova de nacionalidade brasileira;

II – prova de que não está denunciado ou condenado pela prática de ilícito penal;

III – declaração de empresa jornalística, ou que a ela se equiparada, informando do seu interesse pelo registro de colaborador do candidato, onde conste a sua especialização, remuneração contratada e pseudônimo, se houver.

“Art. 7º. Para o registro especial de funcionário público titular de cargo cujas atribuições legais coincidam com as mencionadas no artigo 2º, é necessário a apresentação de ato de nomeação ou contratação para cargo ou emprego com aquelas atribuições, além do cumprimento do que estabelece o artigo 4º.

“Art. 8º. Para o registro especial de provisionado é necessário a apresentação de:

I – prova de nacionalidade brasileira;


II – prova de que não está denunciado ou condenado pela prática de ilícito penal;

III – declaração, fornecida pela empresa jornalística ou que a ela seja equiparada, da qual conste a função a ser exercida e o salário correspondente;

IV – diploma de curso de nível superior ou certificado de ensino de 2º grau fornecido por estabelecimento de ensino reconhecido na forma da lei, para as funções relacionadas nos itens I a VII do artigo 11.

V – declaração, fornecida pela entidade sindical representativa da categoria profissional, com base territorial abrangendo o município no qual o provisionado irá desempenhar suas funções, de que não há jornalista associado do Sindicato, domiciliado naquele município, disponível para contratação;

VI – Carteira de Trabalho e Previdência Social.”

(…)

“Art. 9º. Será efetuado, no Ministério do Trabalho, registro dos diretores de empresas jornalísticas que, não sendo Jornalista, respondem pelas respectivas publicações, para o que é necessário a apresentação de:

(…)

“Art. 11. As funções desempenhadas pelos jornalistas, como empregados, serão assim classificadas:

I – Redator: aquele que, além das incumbências de redação comum, tem o encargo de redigir editoriais, crônicas ou comentários;

II – Noticiarista: aquele que tem o encargo de redigir matérias de caráter informativo, desprovidas de apreciações ou comentários, preparando-as ou redigindo-as para divulgação;

III – Repórter: aquele que cumpre a determinação de colher notícias ou informações, preparando ou redigindo matéria para divulgação;

IV – Repórter de Setor: aquele que tem o encargo de colher notícias ou informações sobre assuntos predeteminados, preparando-as ou redigindo-as para divulgação;

V – Rádio-Repórter: aquele a quem cabe a difusão oral de acontecimento ou entrevista pelo rádio ou pela televisão, no instante ou no local em que ocorram, assim como o comentário ou crônica, pelos mesmos veículos;

VI – Arquivista-Pesquisador: aquele que tem a incumbência de organizar e conservar cultural e tecnicamente, o arquivo redatorial, procedendo à pesquisa dos respectivos dados para a elaboração de notícias:

VII – Revisor: aquele que tem o encargo de rever as provas tipográficas de matéria jornalística;

VIII – Ilustrador: aquele que tem a seu cargo criar ou executar desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico;

IX – Repórter Fotográfico: aquele a quem cabe registrar fotograficamente quaisquer fatos ou assuntos de interesse jornalístico;

X – Repórter Cinematográfico: aquele a quem cabe registrar cinematograficamente quaisquer fatos ou assuntos de interesse jornalístico;

XI – Diagramador: aquele a quem compete planejar e executar a distribuição gráfica de matérias, fotografias ou ilustrações de caráter jornalístico, para fins de publicação.

Parágrafo único: Os Sindicatos serão ouvidos sobre o exato enquadramento de cada profissional.”

“Art. 16. A admissão de provisionado, para exercer funções relacionadas nos itens I a VII do artigo 11, será permitida nos municípios onde não exista curso de jornalismo reconhecido na forma da lei e comprovadamente, não haja jornalista domiciliado, associado do sindicato representativo da categoria profissional, disponível para contratação.

Parágrafo único. O provisionado nos termos deste artigo poderá exercer suas atividades somente no município para a qual foi registrado.

“Art. 17. Os atuais portadores de registro especial de provisionado poderão exercer suas atividades no Estado onde foram contratados”.

Finalmente, completando o conjunto normativo sob análise, a Lei n. 7.360/85, que alterou dispositivos do Decreto-Lei n. 972/69, foi regulamentada pelo Decreto n. 91.002, de 11 de novembro de 1985, restando determinado:

“Art. 1º. É assegurado ao jornalista provisionado na forma do artigo 12 do Decreto-lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, o direito de transformar seu registro para jornalista profissional.

“Art. 2º. Para que se efetive a transformação referida no artigo anterior, o provisionado deverá comprovar:

I -o registro como provisionado na forma do artigo 12, do Decreto-lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, e

II – o exercício de atividade jornalística nos dois anos imediatamente anteriores ao Decreto nº 83.284, de 13 de maio de 1979″.

Entendo terem sido referidos, se não todos, ao menos os mais pertinentes e necessários dispositivos regulamentares e legais indispensáveis ao enfrentamento da questão relacionada com a recepção ou não do Decreto-Lei nº 972/69 pela nova ordem constitucional inaugurada com a Constituição Federal de 1988.

Com efeito. A vigente Constituição Federal garante a todos, indistintamente e sem quaisquer restrições, o direito à livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV) e à liberdade de expressão, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX). São direitos difusos, assegurados a cada um e a todos, ao mesmo tempo, sem qualquer barreira de ordem social, econômica, religiosa, política, profissional ou cultural.


Contudo, a questão que se coloca de forma específica, nos autos, diz respeito à liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ou, simplesmente, liberdade de profissão.

Não se pode confundir liberdade de manifestação do pensamento ou de expressão com liberdade de profissão. Quanto a esta, a Constituição assegurou o seu livre exercício, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei (art. 5º, XIII).

O texto constitucional não deixa dúvidas, portanto, de que a lei ordinária pode estabelecer quais as qualificações profissionais são necessárias para o livre exercício de determinada profissão.

Resta saber qual o critério deve orientar o legislador infra-constitucional para o estabelecimento dessas qualificações. A MM. Juíza sentenciante cita, às fls. 903, trecho do voto do em. Ministro Thompson Flores, proferido em antigo julgado do C. Supremo Tribunal Federal (RE 70.563/SP – RTJ 58/279), nos seguintes termos:

“A lei, para fixar as condições de capacidade, terá de inspirar-se em critério de defesa social e não em puro arbítrio. Nem todas as profissões exigem condições legais de exercício. Outras, ao contrário, o exigem. A defesa social decide”.

Partindo dessa premissa, a douta julgadora de primeiro grau chega à conclusão de que não é razoável exigir-se qualificação profissional específica para o exercício da profissão de jornalista.

Creio que a leitura a ser feita do precedente, com a devida vênia, é bem outra. Primeiro, porque o caso tratava da regulamentação da profissão de “corretor de imóveis”, mais especificamente sobre a constitucionalidade ou não de um dispositivo, o art. 7º da Lei nº 4.116/62, que possibilitava a cobrança de comissão de intermediação apenas a quem fosse inscrito no Conselho respectivo. Segundo, porque os exemplos de profissões citados pelo em. Ministro, sem qualquer desmerecimento às pessoas que as exercem (lavradores, pedreiros), não podem servir de parâmetro ao exercício profissional do jornalismo.

O em. Ministro relator adota ainda como razão de decidir, o que chama de “jurídico e substancioso acórdão relatado pelo eminente Des. Rodrigues Alckmin, do Tribunal de Justiça de São Paulo”, do qual transcreve os seguintes trechos: “Começa essa lei por estabelecer o regulamento de uma ‘profissão de corretor de imóveis’, profissão que, consoante o critério proposto por Sampaio Dória, não pode ser regulamentada sob o aspecto de capacidade técnica, por dupla razão. Primeiro, porque essa atividade, mesmo exercida por inepto, não prejudicará diretamente a direito de terceiro (…). Em segundo lugar, porque não há requisito de capacidade técnica algum, para exercê-la. Que diplomas, que aprendizado, que prova de conhecimento se exigem para o exercício dessa profissão? Nenhum é necessário (…). Note-se, no caso, que nada obsta a que até indivíduos analfabetos possam agenciar a venda de imóveis, sem danos a terceiros e até com êxitos”.

À toda evidência, tais parâmetros não podem ser utilizados, quando a discussão se reporta à legitimidade ou não da regulamentação da profissão de jornalista…

Não se pode ignorar a relevante função social do jornalismo, daí resultando a grande responsabilidade do profissional e riscos que o mau exercício da profissão oferecem à coletividade e ao País.

Os danos efetivos, de ordem individual ou coletiva, que o exercício da profissão de jornalista por pessoa desqualificada ou de forma irresponsável pode gerar são incalculáveis. Os bens jurídicos que podem ser afetados são da mesma magnitude que tantos outros direitos fundamentais tutelados, como a vida, a liberdade, a saúde e a educação.

Os riscos não se afastam nem se diferenciam do exercício irregular da advocacia, da medicina, da veterinária, da odontologia, da engenharia, do magistério e outras tantas profissões.

Oportuna a manifestação do Sindicato dos Jornalistas, constante a fls. 128 dos autos:

“A atividade profissional de jornalista não pode ser exercida por pessoas inabilitadas, ainda que cultas, experientes ou especialistas de determinados assuntos, pois a missão de informar é tão séria que gera conseqüências sociais, podendo afetar também o cidadão individualmente. Assim como o advogado que estuda as técnicas jurídicas e deve ser habilitado par exercer a sua profissão, respondendo civilmente pelos seus atos, o mesmo do médico responsável pela boa aplicação da ciência e conhecimento técnico para salvar vidas, o jornalista é pela correta apuração dos fatos e melhor apresentação da informação ao público. Certamente, que os princípios constitucionais preservam a atividade jornalística de qualquer impedimento no processo de colher, ordenar e publicar a informação ao público, mas jamais a insensatez de possibilitar que tal importante missão seja exercida por pessoas inabilitadas profissionalmente. Por certo que o jornalista, formado nas ciências das comunicações sociais, não é técnico do direito, da medicina, da arquitetura, da engenharia, da economia. Contudo, é técnico em buscar corretamente essas informações com as fontes corretas e seguras, organizá-las e transmiti-las ao público. O ensino da correta técnica de todo o processamento da notícia é que é matéria dos cursos universitários. A vocação é nata, como em todas as demais profissões. E para exemplificar, um advogado por mais talento que tenha para a medicina, se também não se formou nessa ciência, não poderá receitar remédios e tratamentos para outrem. A correta forma de informar e a sua idoneidade é tão importante que está consagrada pela Lei de Imprensa – Lei nº 5.250/67, que estabelece critérios para a exploração das comunicações, a fim de preservar a sociedade de abusos da liberdade de imprensa, garantindo reparação civil e criminal das informações distorcidas, da invasão da privacidade, dos efeitos desses atos ilícitos, direito de resposta, dentre outros. Por outro lado, que não se diga que a lei que regulamenta a profissão de jornalista ‘castra’ a informação de assuntos técnicos como ciências médicas, ciências jurídicas ou ciências econômicas, pois previu a figura do COLABORADOR”.


Dentro desse contexto, pois, não se pode ter por irrazoáveis os requisitos da qualificação profissional específica (diploma em curso superior) e registro no órgão competente estabelecidos no Decreto-Lei nº 972/69.

Nesse sentido, aliás, segue a orientação jurisprudencial dominante sobre a questão ora posta em juízo. Veja-se, por exemplo, o seguinte julgado:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. LIBERDADE DE PROFISSÃO E LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO. JORNALISTA. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA EM CURSO DE NÍVEL SUPERIOR. DECRETO-LEI 972/69. RECEPÇÃO.

1. Liberdade de comunicação não se confunde com a liberdade de profissão. Aquela é garantida a todos, protegida contra qualquer censura; esta é livre, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

2. O Decreto-lei n. 972/69, foi recepcionado pela ordem constitucional vigente, sendo lícita a exigência de diploma em curso de nível superior em Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista.

3. Apelação e remessa oficial providas. Segurança denegada.

(TRF-5ªReg., AMS n. 85423-SE (2002.85.00.004370-), Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, v.u., j. em 29.6.04).

O voto do em. relator está assim fundamentado:

“No mérito, entendo que há de se distinguir a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX da CF 88), protegida contra qualquer tipo de censura, com a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII). Com efeito, o constituinte os diferenciou expressamente, prescrevendo que:

`XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.´ Ora, in casu, constata-se que o Decreto-Lei n. 972/69, em seu art. 4º, inciso V, estabeleceu qualificação profissional para o exercício da profissão de jornalista, a saber: diploma de curso de nível superior em Jornalismo. Vale dizer que tal exigência não restringe o direito à comunicação, assegurado a todos, apenas exige determinada qualificação para o exercício da profissão de jornalista. Do contrário, a pretexto de usar da liberdade de comunicação, ou expressão, qualquer pessoa poderia requerer qualificação de jornalista, o que seria um absurdo maior”.

Nesta C. Corte Regional há julgado de relatoria da Eminente Des. Federal Consuelo Yoshida, assim ementado:

“ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. JORNALISTA. TRANSFORMAÇÃO DE REGISTRO PROVISIONADO PARA CATEGORIA DE PROFISSIONAL. DECRETO-LEI Nº 972/69. LEI Nº 7.360/85. DECRETOS NºS 83.284/79 E 91.902/85. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS.

1. O Texto Constitucional de 1988 ao assegurar o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º. XIII), recepcionou o Decreto-Lei 972/69, que dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista.

2. Para o exercício da profissão de jornalista o art. 4º do referido Decerto-Lei exigiu o prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social.

3. O art. 12 do Decreto-Lei admitiu a contratação de jornalistas para exercer as funções relacionadas nas alíneas “a” a “g” do artigo 6º, com a dispensa do diploma de curso superior.

4. A Lei nº 7.360, de 10 de setembro de 1985 possibilitou a transformação do registro de provisionado na forma do artigo 12 do Decreto-Lei 972/69 para a categoria de profissional.

5. O Decreto nº 91.902, de 11 de novembro de 1985, regulamentou a Lei 7.360/85, assegurou ao jornalista provisionado (na forma do artigo 12 do Decreto-Lei nº 972/69) o direito de transformar seu registro para jornalista profissional, desde que comprovasse dois requisitos cumulativamente: o registro como provisionado na forma prevista pelo art. 12, do Decreto-Lei nº 972/69 e o exercício da atividade de jornalista nos 02 (dois) anos imediatamente anteriores ao Decreto nº 83.284/79.

6. …” (AC n. 647673, DJU 16.5.03, p. 343).

Cito, ainda, v. acórdão do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REGULAMENTAÇÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. JORNALISTA. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA COMO CONDIÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. PRECEDENTES. ART. 5º, XIII, DA CF/88. EFEITOS.

1. O Decreto-Lei nº 972/69 foi recepcionado pela constituição de 1988. A regra inserta no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 972/69, que regulamenta a profissão de jornalista, estabelecendo requisitos para o seu exercício, foi recepcionada pela Constituição de 1988, cujo texto reserva à lei disciplinar o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

2. Provimento da apelação e da remessa oficial” (MS 81482, Rel. Juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lens, 3ª Turma, DJU 09.04.03, p.550).

O E. Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a questão, consoante ementa a seguir transcrita:


“ADMINISTRATIVO. JORNALISTA PROFISSIONAL, REQUISITOS PARA O REGISTRO. RESTRIÇÕES A CONDIÇÕES LEGAIS AO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. DECRETOS 91.902/85 E 83.284/79. LEI 7.360, DE 1985, PRECEDENTES.

1. O Decreto nº 83.284/79, de 1979, passou a exigir o curso superior em jornalismo para o exercício dessa profissão. A única exceção estabelecida é a prevista na Lei nº 7.360, de 1985, ao estar assegurado o direito dos antigos provisionados, desde que comprovem o exercício da atividade jornalística nos dois anos anteriores à data do decreto regulamentador n.º 91.902/85, com a finalidade de resguardar o direito adquirido.

2. Nos termos do Decreto nº 91.902/85, há de ser preenchido o requisito legal para a concessão do registro, o que, no caso em tela, para os profissionais que não possuem curso superior, é a comprovação do registro anterior como provisionado.

3. Constitui óbice à aquisição do registro em jornalista profissional a situação irregular consubstanciada na ausência de registro como provisionado. Não se pode fazer tabula rasa à regulamentação que explicita as condições para a transformação do registro provisionado, bem como aos princípios norteadores da Administração Pública, em especial o da legalidade.

4. Precedentes desta Corte Superior (MS nº 7140/DF e nº 180/DF)” (STJ – REsp n. 200200192834/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJU 16.02.2004, p. 210).

Em julgado mais antigo do C. Superior Tribunal de Justiça, datado de 29.05.2001 e publicado no DJU de 15.10.2001, p. 227 (MS 7.149/DF), o em. Ministro Milton Luiz Pereira, relator, assim se pronunciou:

“Por essas espias, ganha significativo espaço registrar que a fonte originária da pretensão está no diploma do Curso Superior de Direito, com a explicação de que, apesar de faltar-lhe o diploma do Curso de Jornalismo, a Impetrante ‘… atua como especialista no ramo da moda e estilo na condição consultiva de inúmeras revistas e jornais, veículos estes que publicam seus também inúmeros artigos, comentários e reportagens especializadas.

10. Trata-se de uma profissional competente que vem sendo restringida de laborar seus ofícios especializados, vez que não pode ser contratada por uma empresa jornalística para, de forma habitual e com vínculo empregatício, exercer seu ofício jornalístico, apesar de seu reconhecido trabalho.

11. A limitação e a restrição são simplórias: a Impetrante não possui o registro de jornalista, logo, não pode ser contratada por empresa jornalística para exercer seu ofício de forma habitual.

12. No que tange ao registro de jornalista, tem-se que o ato ilegal da douta Autoridade Coatora consagrou a legislação arcaica, e que não foi recepcionada pela Constituição de 1988, conforme demonstraremos oportunamente.

13. Tal legislação – e, conseqüentemente, o ato ilegal – limitam o exercício do trabalho da ora Impetrante, afrontando de forma cristalina e inconteste uma de nossas maiores garantias, conforme dispõe o art. 5º, XIII, da nossa Carta Magna…’

(…)

‘Adentrando no mérito do referido dispositivo constitucional, no bojo do supra mencionado inciso XIII, consta que, embora seja livre o exercício de qualquer profissão, devem ser ´… atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.’

16. Esta qualificação profissional referida pela Constituição Federal é que alegadamente daria sustentação, na forma do artigo 4º, do Decreto nº 972/69, ao ato ilegal da douta Autoridade coatora.

17. Ocorre que, vis a vis a constituição Federal, tal dispositivo do Decreto tornou-se completamente incompatível e, por conseguinte, não recepcionado pela atual Carta Magna.’

Conquanto as razões aduzidas mereçam reflexões, a exposição delineada pela ilustre autoridade indigitada como coatora é suficientemente forte para convencer da insubsistência do alegado direito líquido e certo ao pretendido registro. Deveras, “Desde a vigência do Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista, o exercício desta profissão requer prévio registro no Ministério do Trabalho, que se efetua mediante a apresentação dos documentos alinhados no art. 4º, entre os quais figura a exigência de diploma de curso superior de Jornalismo. A fim de resguardar o direito adquirido daqueles que estavam em atividade antes da regulamentação da profissão, o referido diploma legal contemplou regra de direito intertemporal – art. 10 – conforme a qual, até noventa dias após a publicação do Regulamento daquele Decreto-lei, poderia obter registro de Jornalista Profissional quem comprovasse o exercício anterior de profissão, por doze meses consecutivos ou 24 intercalados. Registre-se que o primeiro regulamento do Decreto-lei 972/69 foi expedido mediante o Decreto nº 65.912, de 19 de dezembro de 1969. Em 10.04.70, foi editado o Decreto nº 66.431, que prorrogou o prazo por 30 (trinta) dias.


Posteriormente, a Lei nº 5.696, de 24 de agosto de 1971, fixou novo prazo para o requerimento do registro: um ano contado da sua publicação.

7. Há muito se esgotaram, portanto, os prazo para requerimento e concessão de registro de jornalista profissional aos que, embora não tivessem o exigido curso superior, comprovassem exercício da profissão anterior ao Decreto-lei nº 972/69.

8. Por outro lado, cumpre esclarecer que, na redação original, o art. 4º do Decreto-lei nº 972/69 definia o colaborador como aquele que exercesse habitual e remuneradamente, atividade jornalística, sem relação de emprego. Todavia, com a superveniência da lei nº 6.612, de 07 de dezembro de 1978, foi altera a definição do colaborador, verbis:

‘Art. 4º (…)

§ 1º (…)

§ 3º (…)

a) colaborador, assim entendido aquele que, mediante remuneração e sem relação de emprego, produz trabalho de natureza técnica, científica ou cultural, relacionado com a sua especialização, para ser divulgado com nome e qualificação do autor’

9. Como se verifica, a atividade do colaborador está relacionada com a sua especialização, não sendo considerada atividade jornalística. A título de ilustração, o médico que escreve um artigo sobre matéria médica, não exerce a atividade jornalística, assim como o advogado que emite parecer acerca de questão jurídica também não, ainda que tais trabalhos sejam publicados em jornais ou revistas.

10. No entanto, a impetrante não se conforma em atuar como colaboradora e, embora não preencha as condições previstas em lei, insiste em pleitear o registro profissional de Jornalista sob o argumento de que a exigência do diploma de curso superior de jornalismo não foi recepcionada pela Constituição de 1988, por manifesta incompatibilidade com o art. 5º, inc. XIII, cujo teor é o seguinte:

`Art. 5º (…)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer;´

11. Ora, a simples leitura do dispositivo transcrito revela que a liberdade de exercício de profissões não é absoluta, sofre restrições na medida em que a própria constituição comete ao legislador a atribuição de estabelecer as qualificações indispensáveis ao exercício das profissões.

12. Como é sabido, a profissão de jornalista é uma profissão liberal, assim entendida a que exige, por excelência, a intervenção do intelecto e para cujo exercício é indispensável o diploma do curso superior específico conferido por estabelecimento de ensino autorizado ou reconhecido.”

Por outro pórtico, embora versando situação profissional diferente, mas sob a mesma aura de proteção constitucional (liberdade no exercício de profissão) e das hipóteses cuidadas no Decreto-Lei nº 972/69, afastando a abrangência interpretativa, esta Corte Superior tem significativo precedente, assim resumido:

“Mandado de Segurança. Registro. Jornalista Profissional. Não atendidas as condições previstas pelo Decreto-lei nº 91.902/85, bem como não se enquadrando a impetrante na situação prevista no art. 10, do Decreto-Lei nº 972/69, que, à época, ainda não exercia atividade jornalística, cujo marco inicial ela própria fixa em 21.01.75, denega-se o mandamus.” (MS nº 180/DF, Rel, Min. Geraldo Sobral, in DJU de 6.11.89).

“O parecer do Ministério Público Federal, à sua vez, pelo itinerário das considerações comemoradas, é objetivo na conclusão de que o ato sob ferrete não é arbitrário ou abusivo, portanto, sem a eiva de ilegalidade ensejadora do remédio heróico. Encerrada a exposição, desfigurado o acenado direito líquido e certo, viga fundamental na via eleita, voto denegando a segurança”.

Deve ser ressaltada, ainda, a louvável preocupação do autor com as populações de localidades afastadas, onde não há jornalista, nem possibilidade de acesso à universidade. Contudo, as normas regulamentares citadas não se olvidaram dessas situações extremas. Note-se que nos municípios desprovidos de curso superior em jornalismo e de profissional habilitado, é permitida a contratação de provisionados para o desempenho da função de jornalista sem a exigência de diploma de jornalismo (art.16 do Decreto n.º 83.284/79).

Também restou garantido o direito de registro definitivo aos provisionados quando da nova exigência para o exercício da profissão (art. 16 e 17 do Decreto n. 83.284/79 e art. 1º da Lei n. 7360/85), bem como garantido o exercício da profissão sem a formação técnica para as atividades que dela não se necessite (incisos VIII a XI do Decreto n. 83.284/79).

Igualmente ressalvado está o permissivo de contratação e remuneração de profissionais de áreas específicas para a produção de matéria afeta à sua especialidade (registro especial ao colaborador – Art. 5º, I, do Decreto n.º 83.284/79).


Por fim, fazem-se necessárias algumas considerações a respeito da possível afronta à norma veiculada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, mais precisamente em seu art. 13, assim redigido:

“Liberdade de pensamento e expressão

1. toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber, e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. o exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a prévia censura além das responsabilidades posteriores que devem estar expressamente estabelecidas pela lei e que sejam necessárias para assegurar o respeito aos direitos ou à reputação dos demais, ou a proteção da segurança nacional, ou a ordem pública ou a saúde ou a moral públicas.

3. não se pode restringir o direito de informação por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão da informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões”.

É certo que, com a edição do Decreto nº 678/92 (DJU de 09.11.92), a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, passou a integrar o sistema jurídico nacional.

Contudo, com a devida vênia, não vislumbro incompatibilidades entre essa norma internacional e os direitos e garantias já assegurados em nossa Constituição Federal relacionados com a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), com a liberdade de expressão (art. 5º, IX), bem assim com a liberdade de informação (art. 220, § 1º), as quais, repito, não se confundem com liberdade de profissão.

De qualquer forma, não se pode olvidar que, consoante referido pelo próprio autor em sua inicial (fls. 31), o C. Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente decidido no sentido de que essas normas são recebidas com o status de lei ordinária e como tal submetem-se à supremacia da Constituição Federal.

Especificamente no tocante à liberdade de informação, a Constituição Federal, no § 1º do art. 220, não deixa qualquer dúvida de que “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” (grifei).

Se o legislador constituinte invocou expressamente a necessidade de observância ao preceito constante do inciso XIII do art. 5º, constando deste a possibilidade de regulamentação de determinadas profissões, evidencia-se, sob pena de contradição ou mesmo de menção inócua e repetitiva, a intenção de ver regulamentada a profissão voltada para a comunicação social, de tamanha relevância na ordem social.

É certo, de igual forma, que a imprensa configura-se como um importante instrumento da sociedade para a defesa e a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Por corolário, imprensa e liberdade são termos inseparáveis, sendo inconcebível a existência da imprensa sem a garantia da liberdade de expressão e manifestação de pensamento, quando somente por meio dela a sociedade pode concretizar o direito à informação, tutelado no texto constitucional vigente.

É justamente considerando a relevância da questão da imprensa na formação de uma nação e na manutenção de um Estado Democrático é que, a profissão de jornalista comporta regulamentação e exigência de qualificação para seu exercício, sem qualquer ofensa ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade. Ao contrário, a limitação é permitida no próprio texto constitucional, elevando, inclusive, o princípio da dignidade humana como um de seus principais fundamentos.

Por todo o exposto, impõe-se a conclusão que todas as normas veiculadas pelo Decreto-Lei nº 972/69 foram integralmente recepcionadas pelo sistema constitucional vigente, sendo legítima a exigência do preenchimento dos requisitos da existência do prévio registro no órgão regional competente e do diploma de curso superior de jornalismo para o livre exercício da profissão de jornalista. Em conseqüência, é de rigor o decreto de total improcedência da presente ação, com a cessação da eficácia da tutela antecipada concedida parcialmente.

Sem condenação de custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do artigo 18 da Lei n. 7.347/85.

Por esses fundamentos e para tais fins, rejeito as preliminares e, no mérito,dou provimento aos recursos de apelação da União, da FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo e à remessa oficial e julgo prejudicada a apelação do Ministério Público Federal.


É o voto.

MANOEL ÁLVARES

Juiz Federal Convocado

Relator

EMENTA CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REQUISITOS PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. FENÔMENO DA RECEPÇÃO. VIA ADEQUADA. MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO. JULGAMENTO ANTECIPADO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM OUTROS SINDICATOS. DECRETO- LEI N. 972/69. RECEPÇÃO FORMAL E MATERIAL PELA CARTA POLÍTICA DE 1988. EXIGÊNCIA DE CURSO SUPERIOR DE JORNALISMO. AUSÊNCIA DE OFENSA À LIBERDADE DE TRABALHO E DE IMPRENSA E ACESSO À INFORMAÇÃO. PROFISSÃO DE GRANDE RELEVÂNCIA SOCIAL QUE EXIGE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA E FORMAÇÃO ESPECIALIZADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS.

1. Legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação civil pública, ante o interesse eminentemente de ordem social e pública, indo além dos interesses individuais homogêneos do exercício da profissão de jornalista, alcançando direitos difusos protegidos constitucionalmente, como a liberdade de expressão e acesso à informação.

2. Legítima e adequada a via da ação civil pública, em que se discute a ocorrência ou não do fenômeno da recepção, não se podendo falar em controle de constitucionalidade.

3. Havendo prova documental suficiente para formar o convencimento do julgador e sendo a matéria predominantemente de direito, possível o julgamento antecipado da lide.

4. Todos os Sindicatos da categoria dos jornalistas são legitimados a habilitar-se como litisconsortes facultativos, nos termos do § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85. Não configuração de litisconsórcio necessário.

5. A vigente Constituição Federal garante a todos, indistintamente e sem quaisquer restrições, o direito à livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV) e à liberdade de expressão, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX). São direitos difusos, assegurados a cada um e a todos, ao mesmo tempo, sem qualquer barreira de ordem social, econômica, religiosa, política, profissional ou cultural. Contudo, a questão que se coloca de forma específica diz respeito à liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ou, simplesmente, liberdade de profissão. Não se pode confundir liberdade de manifestação do pensamento ou de expressão com liberdade de profissão. Quanto a esta, a Constituição assegurou o seu livre exercício, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei (art. 5º, XIII). O texto constitucional não deixa dúvidas, portanto, de que a lei ordinária pode estabelecer as qualificações profissionais necessárias para o livre exercício de determinada profissão.

6. O Decreto-Lei n. 972/69, com suas sucessivas alterações e regulamentos, foi recepcionado pela nova ordem constitucional. Inexistência de ofensa às garantias constitucionais de liberdade de trabalho, liberdade de expressão e manifestação de pensamento. Liberdade de informação garantida, bem como garantido o acesso à informação. Inexistência de ofensa ou incompatibilidade com a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos.

7. O inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 atribui ao legislador ordinário a regulamentação de exigência de qualificação para o exercício de determinadas profissões de interesse e relevância pública e social, dentre as quais, notoriamente, se enquadra a de jornalista, ante os reflexos que seu exercício traz à Nação, ao indivíduo e à coletividade.

8. A legislação recepcionada prevê as figuras do provisionado e do colaborador, afastando as alegadas ofensas ao acesso à informação e manifestação de profissionais especializados em áreas diversas.

9. Precedentes jurisprudenciais.

10. Preliminares rejeitadas.

11. Apelações da União, da FENAJ e do Sindicato dos Jornalistas providas.

12. Remessa oficial provida.

13. Apelação do Ministério Público Federal prejudicada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a E. 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, à unanimidade, rejeitar as preliminares, e, no mérito, dar provimento aos recursos de apelação da União, da FENAJ, do Sindicato dos Jornalistas e à remessa oficial, julgando prejudicado o recurso de apelação do Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto do Senhor Juiz Federal Convocado Relator e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 26 de outubro de 2005.

MANOEL ÁLVARES

Juiz Federal Convocado

Relator

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