Relação profissional

Código de ética nas empresas pode evitar o assédio moral

Autor

  • Claudia Brum Mothé

    é advogada especializada em Direito do Trabalho sócia e coordenadora do setor trabalhista/previdenciário do escritório Siqueira Castro Advogados no Rio de Janeiro. É mestre e professora de Direito do Trabalho.

30 de novembro de 2005, 11h58

Pode-se perceber que ao longo do tempo as relações de trabalho receberam diferentes enfoques de proteção. Inicialmente, nota-se que a proteção era voltada para a integridade física do trabalhador, frequentemente ameaçada pelas máquinas e pelas condições de trabalho extremamente agressivas nas indústrias e nas minas, a partir da Revolução Industrial. Posteriormente, com o início da 1ª Guerra Mundial, as medidas protetivas focaram a qualidade de vida no trabalho e, a partir do final da década de 1960, as ações passaram a mirar a saúde mental do trabalhador.

Atualmente, em um ambiente de trabalho forjado pela globalização e pela modernização, as indústrias e as empresas vêm, cada vez mais, forçando o seu ritmo de trabalho na luta pelo lucro. Assim, a organização do trabalho com a sua estruturação hierárquica, divisão de tarefas, jornadas de trabalho em turnos, ritmos, intensidade, monotonia, repetitividade e responsabilidade excessiva passaram a constituir fatores que contribuem para desencadear uma série de distúrbios na saúde mental do trabalhador.

Nos dias de hoje, as altas taxas de desemprego que assolam grande parte dos países refletem a instabilidade da economia mundial, enquanto que a competição da sociedade capitalista em que vivemos torna as pessoas, a cada dia, mais inseguras quanto ao seu emprego. Além disso, a busca desenfreada pelo poder influencia o âmago de alguns indivíduos que tornam, por vezes, o ambiente de trabalho um lugar de conflitos sem escrúpulos.

Estudo feito pela OIT — Organização Internacional do Trabalho e pela OMS — Organização Mundial de Saúde, no ano 2.000, revela que as perspectivas para os próximos vinte anos são muito pessimistas no que tange ao impacto psicológico sobre os trabalhadores das novas políticas neoliberais. Segundo tal pesquisa, predominarão nas relações de trabalho as depressões, o stress, angústias, desajustes familiares e outros danos psíquicos, denotando o dano ao meio ambiente laboral.

A OIT detectou, ainda, a grave situação em que se encontram os milhares de trabalhadores que sofrem esse ataque perverso do assédio moral. Estudos feitos na União Européia explicitam que 8% dos trabalhadores, o que corresponde a 12 milhões de pessoas, convivem com o tratamento tirânico dos seus chefes.

No Brasil, conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo, de junho de 2001, os números assustam. Estudo feito com 97 empresas de São Paulo mostra que, dos 2.071 entrevistados, 870 deles (42%) apresentam histórias de humilhação no trabalho. Segundo o estudo realizado pela médica Margarida Barreto, pesquisadora da PUC-SP, as mulheres são as maiores vítimas — 65% das entrevistadas têm histórias de humilhação, contra 29% dos homens.

Desse modo, a partir do final do século XX, os organismos internacionais, os Estados, os movimentos de trabalhadores, as empresas e o Direito têm se dedicado, cada vez mais, não apenas à adoção de medidas e estudos visando à proteção da integridade física do trabalhador, mas também a sua saúde e integridade mental, psicológica e emocional.

Nessa linha, torna-se de extrema relevância compreender o significado do assédio moral, posto que esse assédio, o chamado mobbing, que abala a saúde mental do trabalhador.

O tema do assédio moral, muito embora represente um fenômeno existente há muito tempo no ambiente de trabalho, é relativamente novo, inclusive para as nações européias, as quais começaram a elaborar estudos sobre o mobbing a partir da década de 1980, especialmente a partir das pesquisas do professor dr. Heinz Leymann, psicólogo e cientista médico alemão, que iniciou os seus trabalhos sobre o assédio moral a partir da relação que verificou entre o grande número de pacientes em tratamento por problemas psicológicos e as dificuldades dos mesmos nas relações pessoais no local de trabalho.

Assim, a OIT, no uso de suas atribuições de elaborar normas internacionais atinentes às questões de Direito do Trabalho, editou, em 2002, um Informe sobre algumas formas de configuração do assédio moral, elencando várias condutas que se mostraram mais típicas ou comuns. O rol estabelecia que o assédio moral consistia em:

a) medida destinada a excluir uma pessoa de uma atividade profissional;

b) ataques persistentes e negativos ao rendimento pessoal ou profissional sem razão;

c) a manipulação da reputação pessoal ou profissional de uma pessoa através de rumores e ridicularização;

d) abuso do poder através do menosprezo persistente do trabalho da pessoa ou fixação de objetivos com prazos inatingíveis ou pouco razoáveis ou a atribuição de tarefas impossíveis;


e) controle desmedido ou inapropriado do rendimento de uma pessoa.

A França foi o país pioneiro a instituir uma lei propriamente dita em seu ordenamento jurídico na busca de coibir o assédio moral (harcèlement moral).

A normatização atinente ao assédio moral encontra-se no capítulo IV da lei 2002-73 de Modernização Social, promulgada em 17 de janeiro de 2002, cujos artigos 168 a 180 e 224 alteram e inserem várias disposições no Código do Trabalho francês. Resumidamente, a legislação trabalhista francesa estabelece:

a) a vedação do assédio moral pela degradação deliberada das condições de trabalho do empregado, bem como a proteção à testemunha que haja presenciado a conduta referida e a nulidade de pleno direito da ruptura do contrato que advier do assédio;

b) a possibilidade de sanção disciplinar ao empregado que praticar o assédio, cabendo ao empregador adotar as medidas preventivas necessárias;

c) no caso de litígio envolvendo a ocorrência de assédio moral, caberá ao empregado (à vítima) apresentar os elementos indicativos da existência do assédio. Por outro lado, cabe ao réu provar que os fatos alegados não constituem assédio, estando justificados por elementos objetivos. O juiz poderá requisitar todas as medidas necessárias ao seu convencimento.

d) os sindicatos das empresas poderão atuar em juízo em favor de empregado da companhia nos casos que envolvam assédio moral, desde que haja acordo escrito;

e) o Código Penal francês prevê o assédio moral e estabelece uma pena de 01 ano de reclusão, bem como multa de 15.000 euros a quem o praticar;

f) está previsto um procedimento de mediação que pode ser iniciado pela vítima do assédio moral ou sexual. O mediador é uma pessoa escolhida fora do âmbito da empresa e reconhecida por elevada idoneidade moral e competência, que tem a função de reconciliar as partes;

g) acrescenta a expressão psíquica e mental referente a proteção da saúde do trabalhador.

Segundo a advogada e doutora em Direito do Trabalho pela USP, Sônia Mascaro Nascimento, em seu artigo O assédio moral no ambiente do trabalho, assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa. O assédio sexual se caracteriza pela conduta de natureza sexual, já o assédio moral, ou ainda, a manipulação perversa, ou o terrorismo psicológico, caracteriza-se pela conduta abusiva, de forma repetitiva e prolongada, de natureza psicológica, durante a jornada de trabalho do trabalhador e no exercício das suas funções, capaz de causar ofensa à sua personalidade, dignidade, ou integridade psíquica, expondo-o a situações humilhantes e constrangedoras, prejudicando a sua posição no emprego, ou deteriorando o ambiente de trabalho.

Assim, o assédio moral pode ser concebido como uma forma de terror psicológico, praticado pelo superior hierárquico, pelos colegas de trabalho, ou pelos subordinados de um trabalhador, no seu ambiente de trabalho, consubstanciado através de uma conduta imprópria, por meio de comportamentos, palavras, atos, gestos, ou escritos, que ofendem a sua personalidade, dignidade, integridade física ou psíquica e degradam o seu emprego ou o seu ambiente de trabalho. A principal implicação do terrorismo psicológico é a afetação da saúde mental e física da vítima, que vem a ser acometida de doenças como a depressão, o stress, o pânico, entre outras de natureza psicossomática, e até mesmo ao suicídio.

O assédio moral, então, é caracterizado por uma conduta abusiva, que pode ser do empregador, que se utiliza da sua superioridade hierárquica para constranger os subalternos (o chamado assédio vertical), mas que pode ser também dos trabalhadores entre si, com a finalidade de excluir alguém indesejado do grupo, o que pode ocorrer por motivos de competição, inveja, ou mesmo por discriminação racial, sexual ou religiosa (o chamado assédio horizontal).

O dr. Heinz Leymann, classifica, ainda, como espécies de assédio moral o chamado mobbing combinado (que se daria com a união do chefe e dos colegas com o objetivo de excluir um trabalhador) e o denominado mobbing ascendente (que ocorreria quando um trabalhador, ou trabalhadores, julgando-se merecedores do cargo do chefe, passassem a sabotá-lo).

Como exemplos de assédio moral, ou mobbing, Sônia Mascaro Nascimento, no seu já mencionado artigo, cita o caso de um trabalhador que, vítima de LER (lesão por esforço repetitivo), é ironizado por seus colegas de trabalho e acusado de estar, na verdade, com LERdeza (assédio horizontal). Outra hipótese que menciona é a utilização do poder de chefia para fins de verdadeiro abuso de direito do poder diretivo e disciplinar, bem como para esquivar-se de conseqüências trabalhistas. Tal é o exemplo do empregador que, para não ter que arcar com as despesas de uma dispensa imotivada de um funcionário, tenta convencê-lo a demitir-se ou cria situações constrangedoras, como retirar sua autonomia no departamento, transferir todas as suas atividades a outras pessoas, isolá-lo do ambiente, fixar em mural da empresa lista dos funcionários que não atingiram determinada meta de trabalho, para que o empregado sinta-se a de algum modo culpado pela situação, pedindo demissão (assédio vertical).


Já segundo a médica vitimóloga francesa Marie-France Hirigoyen, o assédio ou mobbing ascendente pode ser exemplificado com o caso do subordinado que utiliza falsa alegação de assédio sexual com o objetivo de atentar contra a integridade e a reputação moral do seu superior.

Todos esses comportamentos que caracterizam o assédio moral e que causam, na sua vítima, sentimentos de raiva, humilhação e inferioridade, além de minar a sua confiança e de afetar a sua auto-estima são, muitas vezes, de difícil identificação. Isso porque o assédio moral, frequentemente, constitui uma forma sutil de degradação psicológica, nem sempre de maneira escrita, onde a vítima é envolvida num contexto tal, que é até mesmo levada a pensar que é merecedora ou culpada pelas situações constrangedoras a que é submetida. Desse modo, porque muitas vezes ocorre de forma bastante sutil, o assédio moral é, habitualmente, difícil de ser identificado.

No Brasil, não dispomos de normas jurídicas trabalhistas específicas sobre o tema, cuja competência caberia à União Federal, conforme estabelece o artigo 22, I, da Constituição Federal. Entretanto, é possível a identificação do enquadramento do assédio moral, mediante a implementação das respectivas condições, em algumas das hipóteses previstas na legislação nacional existentes na CLT.

Estão elas elencadas no artigo 482 da CLT e são: o mau procedimento; a indisciplina e o ato lesivo da honra praticado pelo trabalhador contra o seu empregador e superiores hierárquicos; e, também, aquelas presentes no artigo 483 da CLT, que indica condutas que podem ser compreendidas como de assédio moral por parte do empregador para com o empregado. São elas: quando forem exigidos serviços superiores às forças do empregado, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato e quando o empregador praticar contra o empregado ou pessoas de sua família atos lesivos da honra e da boa fama, além de ofensas físicas. Possuímos, ainda, em nosso país, normas administrativas que visam à regulamentação de condutas havidas entre a Administração Pública e seus contratados e que, em regra, utilizam o mesmo conceito de assédio moral, vedando-o.

Em geral, essas normas consideram o assédio moral a ação, gesto, ou palavra que atinge, pela repetição, a auto-estima e a segurança do trabalhador, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da sua carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar créditos de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; e subestimar esforços.

Assim, seja em razão da falta da específica legislação trabalhista brasileira sobre o assunto, seja porque o mobbing constitui uma forma sutil de degradação psicológica, é preciso estar atento aos elementos que contribuem para a caracterização da figura do assédio moral.

Um dos elementos essenciais para a caracterização do assédio moral no ambiente de trabalho é a reiteração da conduta ofensiva ou humilhante, uma vez que, sendo este fenômeno de natureza psicológica, é remota a possibilidade de apenas um ato esporádico ser capaz de trazer lesões psíquicas à vítima. Nesse sentido, inclusive, já se posicionou o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª. Região (Espírito Santo):

"A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do assediado de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho (Acórdão 9.029/2002, DOE 15.10.2002)."

Atualmente, não se fala em um tempo determinado em dias, ou meses, que seriam necessários para a caracterização do mobbing. Porém segundo Mauro de Moura, em sua obra O psicoterror pode destruir uma pessoa em apenas uma semana, foi constatado que o assédio moral, em regra, se configura no prazo se 01 a 03 anos, podendo, todavia, se verificar em tempo mais exíguo.

Outro elemento característico do mobbing é a sua finalidade, ou seja, o seu objetivo principal, que é, em geral, a exclusão da vítima do ambiente de trabalho. Nessa linha, pode-se mencionar a pressão da empresa para que o empregado se demita, se aposente, ou se afaste para tratamento de saúde, como uma forma de se eximir do pagamento dos ônus decorrentes da rescisão do contrato de trabalho, ou, ainda, segundo Francisco Marques, em sua obra Direitos Humanos Fundamentais do Trabalho-Dano Moral, a adesão ao chamado PDV — Programa de Desligamento Voluntário, pois, segundo esse autor, o PDV cria uma espécie de ilusão monetária, onde os empregados que aderem ao mesmo, geralmente, o fazem em virtude do terror psicológico (medo da dispensa, ou da transferência) — o que caracterizaria o assédio vertical, desde que demonstradas a ameaça ou o constrangimento ao empregado, além do dano psicológico.


Elemento importante que merece, ainda, ser destacado no que diz respeito à caracterização do mobbing é a necessidade da existência do dano psicológico. Assim, o dano psicológico sofrido pelo trabalhador há de ser comprovado, através de perícia médica, para que reste configurada a existência do assédio moral. Com efeito, nem todo dano moral, ou dano à personalidade do empregado, configura o mobbing. O mobbing, de fato, é figura mais grave e causa, realmente, um dano, ou uma doença psíquico-emocional ao trabalhador.

Assim, na hipótese de um empregador insultar um empregado uma única vez diante dos colegas, não configurará, em tese, o assédio moral, mas pura e simplesmente um dano moral, um dano à personalidade do trabalhador, já que o mobbing exige a conduta reiterada, visando a exclusão do empregado, de modo a lhe causar um dano ou doença psicológica e emocional. Nesse sentido é a opinião de Sônia Mascaro Nascimento, quando aduz:

a) a existência do dano psíquico, emocional, ou psicológico é requisito para a configuração do assédio moral;

b) é necessária a prova técnica do dano, que se daria por meio de laudo médico afirmando existir a doença advinda do trabalho;

c) a vítima da conduta assediadora que não sofrer esse tipo específico de dano não ficará desprotegida, pois ainda poderá pleitear danos morais pela ofensa aos seus direitos de personalidade.

Importante analisar-se, ainda, a efetividade da Justiça no que concerne o assédio moral, e em que termos têm se decidido os juizes de nossos tribunais brasileiros. Aos poucos a jurisprudência vai relevando a importância de se identificar os sujeitos, características intrínsecas e extrínsecas, a tipificação e as provas do assédio moral. Conjunto a isso, o magistrado deve valer-se de sua experiência e conhecimento humano para verificar a existência ou não do dano.

No Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, a 6ª Turma, tendo como Relator Valdir Florindo e Revisor Francisco Antonio de Oliveira, julgando em 17 de fevereiro de 2004 o acórdão 20040071124, decidiram:

"Assédio moral. Repercussões sociais. A questão da ofensa à moral conflagra um subjetivismo oriundo da própria condição de cada indivíduo. Não se sente menos constrangido o trabalhador que escolhe adotar uma postura conciliadora, preferindo não detonar uma crise no ambiente de trabalho que fatalmente o prejudicará, pois a questão aqui transcende a figura do ofendido, projetando as conseqüências pela supressão do seu posto de trabalho a quem dele eventualmente dependa economicamente. O fantasma do desemprego assusta, pois ao contrário da figura indefinida e evanescente que povoa o imaginário popular, este pesadelo é real. É o receio de perder o emprego que alimenta a tirania de alguns maus empregadores, deixando marcas profundas e às vezes indeléveis nos trabalhadores que sofrem o assédio moral. Exposta a desumanidade da conduta do empregador, que de forma aética, criou para o trabalhador situações vexatórias e constrangedoras de forma continuada através das agressões verbais sofridas, incutindo na psique do recorrente pensamentos derrotistas originados de uma suposta incapacidade profissional. O isolamento decretado pelo empregador, acaba se expandindo para níveis hierárquicos inferiores, atingindo os próprios colegas de trabalho. Estes, também por medo de perderem o emprego e cientes da competitividade própria da função, passam a hostilizar o trabalhador, associando-se ao detrator na constância da crueldade imposta. A busca desenfreada por índices de produção elevados, alimentada pela competição sistemática incentivada pela empresa, relega à preterição a higidez mental do trabalhador que se vê vitimado por comportamentos agressivos aliado à indiferença ao seu sofrimento. A adoção de uma visão sistêmica sobre o assunto, faz ver que o processo de globalização da economia cria para a sociedade um regime perverso, eivado de deslealdade e exploração, iniqüidade que não repercutem apenas no ambiente de trabalho, gerando grave desnível social. Daí a corretíssima afirmação do Ilustre Aguiar Dias de que o ´prejuízo imposto ao particular afeta o equilíbrio social.´ Ao trabalhador assediado pelo constrangimento moral, sobra a depressão, a angústia e outros males psíquicos, causando sérios danos a sua qualidade de vida. Nesse sentido, configurada a violação do direito e o prejuízo moral derivante."

Aqui, o relevante e oportuno voto do relator Valdir Florindo não levou só em conta o dano, o que somente ele já se afigura assustador, mas levou em conta também a questão social do desemprego que assola trabalhadores do mundo inteiro, e que usado tiranicamente pela empresa assediadora, fez merecer o deferimento do pedido do trabalhador vítima do assédio. Verifica-se, aqui, também, que o assédio originou-se do empregador e após foi seguido por colegas da vítima, demonstrando um caso de mobbing combinado, ou assédio misto.


Em outra decisão do mesmo Tribunal, agora pela 4ª Turma, tendo como relator Francisco Ferreira Jorge Neto, e revisor Salvador Franco de Lima Laurino, julgando em 22 de julho de 2003 o acórdão 20030661740, assim decidiram os magistrados:

"ASSÉDIO MORAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. 1. O dano moral está presente quando se tem a ofensa ao patrimônio ideal do trabalhador, tais como: a honra, a liberdade, a imagem, o nome etc. Não há dúvidas de que o dano moral deve ser ressarcido (art. 5º, V e X, CF). O que justifica o dano moral, nos moldes da exordial, é o assédio moral. 2. O assédio moral é a exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. 3. O empregador, pela culpa na escolha e na fiscalização, torna-se responsável pelos atos de seus prepostos (Súmula n. 341, STF). A responsabilidade é objetiva do empregador. Contudo, torna-se necessária a prova do preposto, logo, temos o fator da responsabilidade subjetiva, pela modalidade extracontratual (art. 159, Código Civil de 1916, atual 186, Código Civil de 2002). Os requisitos da responsabilidade civil subjetiva são: a) ato comissivo ou omissivo; b) dano moral; c) nexo causal; d) culpa em sentido amplo (dolo) ou restrito (negligência, imprudência ou imperícia). 4. O exame global das provas indica que não há elementos seguros para justificar a ofensa moral ou as agressões da Sra. Marta não só em relação ao autor, como também em relação aos demais funcionários. A prova há de ser cabal e robusta para o reconhecimento do dano moral. Não há elementos para se indicar a presença do assédio moral. Se não há o elemento do ato, deixa de se justificar a existência do próprio assédio. E, por fim, o dano moral é questionável, notadamente, quando o próprio autor disse que nunca procurou orientação psicológica ou reclamações perante o Ministério do Trabalho ou a Delegacia Regional do Trabalho. Diante da inexistência dos requisitos da responsabilidade civil, descabe a indenização por dano moral."

Nesse caso, pode-se verificar a não procedência do pedido do ex-empregado, alegadamente vítima de assédio moral, por não ter o magistrado se contentado com a ausência de um dos pré-requisitos para se alcançar a responsabilidade do empregador. Preferiu, ele, não prover a demanda pela insegurança da prova da ofensa moral. Não sendo ela robusta e cabal, optou pela improcedência do pedido.

Por tudo o que até aqui foi dito, verifica-se que o assédio moral é um fenômeno social de tempos antigos, muito embora de reconhecimento recente, que deve ser analisado com cautela no tocante à sua caracterização jurídica. Assim, é necessário que se verifique a natureza psicológica do dano causado como assédio moral, que deve ter sido provocado por uma conduta prolongada no tempo e que tenha por resultado a criação de uma doença psíquico-emocional, aferida tecnicamente por médico ou especialista na área psicológica, capaz de verificar o dano e o nexo causal relacionado ao ambiente de trabalho.

As estatísticas nacionais e mundiais revelam a oportunidade da discussão sobre a necessidade de se preservar a saúde mental dos trabalhadores, um dos valores ínsitos à própria dignidade da pessoa humana, princípio sobre o qual se fundam os ordenamentos democráticos modernos.

Não seria demais recomendar, como já vem sendo feito em diversos países da Europa, com o propósito de coibir o assédio moral no ambiente de trabalho, as iniciativas de algumas empresas em imprimir um código de ética para seus trabalhadores, pois a matéria na esfera do contrato de trabalho. De fato, uma conduta ética para os trabalhadores faz com que haja cooperação e o conseqüente aumento na produtividade de cada meta.

Contudo, é a nossa Constituição Federal, por meio da aplicação dos seus princípios e direitos fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, a proibição ao tratamento desumano e degradante e a proibição à violação a honra e a imagem das pessoas, que poderá tornar-se o maior abrigo, mediante a sua aplicação, para aqueles que sofrem por tais agressões.

Com efeito, à luz da Constituição Federal há como se atacar o assédio moral nas relações de trabalho, podendo ser a nossa Carta Magna um grande amparo para as vítimas do mobbing.

Bibliografia:

O assédio moral no ambiente de trabalho. Sônia A. C. Mascaro Nascimento.

Direitos humanos fundamentais do trabalho – dano moral. Jornal do 11º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho.

O Psicoterror pode destruir uma pessoa em apenas uma semana. Mauro de Mora.

Assédio moral no ambiente de trabalho e a responsabilidade civil: empregado e empregador. Rodrigo Cristiano Molon.

As legislações aplicáveis ao assédio moral. Fernanda Albini da Silva.

http://www.ilo.org/public/spanish/bureau/if/pr/2000/37.htm

Autores

  • Brave

    é advogada especializada em Direito do Trabalho, sócia e coordenadora do setor trabalhista/previdenciário do escritório Siqueira Castro Advogados no Rio de Janeiro. É mestre e professora de Direito do Trabalho.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!