Música na Justiça

Warner paga US$ 5 milhões por fazer jabá nos Estados Unidos

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

28 de novembro de 2005, 12h29

De Nova Iorque

O Warner Music Group norte-americano tornou-se o segundo conglomerado da indústria musical mundial a ter que pagar pela prática recorrente do jabá[1] em seus negócios regulares. Quarta maior gravadora do mundo, a Warner deverá pagar o equivalente a US$ 5 milhões, que serão distribuídos entre entidades sem fins lucrativos administradas pelo Rockefeller Philantropy Advisors. A ação é parte do trabalho que vem sendo feito pelo procurador-geral do estado de Nova Iorque (EUA), Eliot Spitzer, que já notificara a Sony/BMG em julho (2ª do mundo), fechando acordo similar com valor de US$ 10 milhões, mais a garantia de informar publicamente todos os valores e benefícios pagos a emissoras de rádio.

Entre as vantagens oferecidas pelas multinacionais fonográficas incluíam-se, além de dinheiro, passagens aéreas, automóveis, viagens internacionais com estadias pagas e até drogas e escort girls. No início do ano, Spitzer abriu processo judicial contra todas as quatro grandes gravadoras estabelecidas no mercado, também conhecidas como The Big Four (pela ordem, Universal Music, Sony/BMG, Warner Music e EMI Group), bem como contra diversas estações de rádio dos Estados Unidos. O procurador americano elogiou a conduta da Warner, dizendo que “é importante que a empresa tenha vindo a público afirmar que esta prática é irregular. Infelizmente várias outras companhias continuam a pagar jabá”, disse.

Amanda Collins, porta-voz da empresa musical americana, disse que as reformas internas ajustadas com a Procuradoria do Estado de Nova Iorque se coadunam com a reformulação determinada pela nova diretoria da Warner no início de 2005. Entre os artistas mais famosos do cast da empresa, estão Madonna e Green Day.

Em petição ajuizada perante uma corte de Justiça nova-iorquina, Spitzer informa que funcionários dos departamentos de promoção de vários selos musicais do grupo Warner efetuaram pagamentos a programadores de rádio e DJs (disk jockeys) para garantir execução musical de seus produtos e que sua atitude fôra condenada pelos executivos-chefes da empresa. Segundo ele, há muitos anos que a gravadora utiliza a política de “pagar-para-tocar” (pay-to-play) para gerar grandes sucessos de vendas no mercado. A poderosa FCC (Federal Communications Commission) , equivalente à brasileira Anatel, iniciou sua própria investigação interna da prática do jabá no mercado musical norte-americano.

No Brasil a situação não é diferente, embora estejamos a anos-luz de presenciar uma intervenção como essa partindo do estado. Com tantas outras questões prementes para resolver, de corrupção no poder público ao sucateamento da saúde e do ensino, passando pela devastação dos recursos naturais, tão cedo essa nefanda prática de “pagar-para-tocar” não será abandonada.

As gravadoras torcem o nariz para as críticas, escorregam pela desculpa de que se trata de “estratégia de marketing”, mas continuam pagando – e caro – para fazer “estourar” os seus produtos musicais. Pode custar R$ 20 mil ou mais por mês, pagos a programadores e emissoras de rádio no Brasil para “saturar” as ondas hertzianas com determinado produto, objetivando alavancar suas vendas. E, o que é pior, são justamente as filiais locais das Big Four que lideram essa prática no país. Enquanto suas matrizes são processadas e condenadas a pagar altas somas em dinheiro pela prática do jabá, as subsidiárias locais literalmente fazem a festa dos programadores de rádio e até de televisão, pois muitos programas de auditório também têm suas “tabelas” de pagamento para exibir artistas e atrações em suas grades de programação.

A realidade é que o jabá não vai acabar nunca, mas é muito importante que essa prática venha publicamente à tona, justamente no maior mercado de entretenimento do mundo – o norte-americano – para criar um paradigma de informação e conhecimento em relação a todos os sujeitos e agentes que atuam no mercado, bem como frente à sociedade em geral. Muitos dos efêmeros sucessos musicais e de mídia que conhecemos são simplesmente “fabricados” com dinheiro. Depois de algum tempo desaparecem e nunca mais deles ouvimos falar. Isso nivela o mercado por baixo e fecha as portas a dezenas de novos talentos, que não conseguem mostrar seu trabalho nem expressar sua vertente artística, contribuindo para criar um panorama irreal, que não corresponde à realidade cultural do momento nas paradas de sucesso.

A luta contra o jabá não pode parar e deve ser travada não apenas pelos artistas e profissionais diretamente prejudicados por seu nefasto efeito, mas, também, pelos empresários, agentes e advogados especializados, que possuem o conhecimento, a experiência e a capacidade de fazer o talento triunfar sobre a mediocridade, a arte sobrepujar a mesmice e a perpetuação da cultura vencer o marasmo da inércia.


[1] A palavra “jabá” é um diminutivo de “jabaculê”, gíria que significa “negociata”, “armação”, uma espécie de suborno pago para obtenção de vantagens. Na indústria do disco é utilizado para identificar a prática de “pagar para tocar”, empregada pelas grandes gravadoras junto a emissoras de rádio e televisão, objetivando conseguir maior exposição para seus artistas e produtos.

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    é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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